De 16 de Outubro a 6 de Novembro de 2025, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque apresenta João César Monteiro: Symphonies of a Libertine, uma retrospectiva integral — em novos restauros — dedicada a um dos maiores e mais radicais cineastas portugueses.
Figura incontornável da história do cinema, João César Monteiro (1939–2003) foi um libertino, um provocador e um poeta do abismo, capaz de transformar o cinema num território de transgressão e de beleza indomável.
Frequentemente associado a Manoel de Oliveira, com quem partilhou a centralidade no panorama cinematográfico português do século XX, Monteiro seguiu um caminho singular. Fascinado pelo Marquês de Sade e pelos movimentos simbolista e surrealista, fez do cinema uma forma de resistência libertina e anticlerical, uma arma estética contra os poderes instalados. A sua obra conjuga erotismo, sátira política, música e poesia — um gesto artístico que, como em Erich von Stroheim, rasga convenções e confronta o espectador com os seus próprios limites.
A retrospectiva cobre quase toda a sua filmografia, de “Sophia de Mello Breyner Andresen” (1969), a sua primeira curta documental, a “Vai e Vem” (2003), filme terminal projectado no Festival de Cannes quinze dias antes da sua morte.
No percurso estão obras maiores que marcaram profundamente a história do cinema europeu: “Recordações da Casa Amarela” (1989) e “A Comédia de Deus” (1995), ambas distinguidas com o Leão de Prata no Festival Internacional de Cinema de Veneza; “Branca de Neve“ (2000), apresentada na selecção oficial de Veneza; “As Bodas de Deus” (1999), exibida na secção Un Certain Regard do Festival de Cannes; “Silvestre” (1981), em competição em Veneza; ou ainda “Veredas” (1978), “À Flor do Mar” (1986), “O Último Mergulho” (1992) e “Le Bassin de J.W.” (1997).
O ciclo contempla igualmente títulos de juventude e de experimentação, como “Que Farei eu com Esta Espada?” (1975), e “Quem Espera por Sapatos de Defunto Morre Descalço”(1970), revelando a coerência feroz e a ousadia formal de uma obra que nunca fez concessões.
Organizada por Francisco Valente (Assistente de Curadoria, Departamento de Cinema), a retrospectiva antecede a publicação de um novo livro com traduções de textos e entrevistas de João César Monteiro, que permitirá ao público internacional descobrir a sua voz escrita e a sua reflexão sobre o cinema, a política e a arte.
No âmbito da programação, o MoMA publica ainda «An Iconoclast and an Icon: Paulo Branco on João César Monteiro and Snow White», uma extensa entrevista de Francisco Valente ao produtor Paulo Branco, cúmplice central da obra de Monteiro, que recorda a sua relação intensa, criativa e por vezes caótica com o realizador. Branco produziu ou distribuiu a maioria dos seus filmes e foi uma das vozes mais firmes na defesa da liberdade artística do cineasta.
Sobre Monteiro, Paulo Branco afirma que o seu cinema tem uma força inimitável. Exigiu demasiado de si próprio, de um modo que mais ninguém estava disposto a fazê-lo, e a sua vida sofreu por isso (…). A sua coragem artística era extraordinária, mas também era frágil. Foi essa contradição que o tornou único. E acrescenta: Ele anunciou, logo depois do 25 de Abril, aquilo que hoje se vê a acontecer: o regresso do fascismo sob novas formas.
Esta retrospectiva integra-se no Catálogo dos Clássicos Portugueses da Leopardo Filmes, um catálogo alargado que, a par da obra completa de João César Monteiro, reúne também os filmes de Manoel de Oliveira (a década de consagração 1994–2005), Fernando Lopes e mais de cinquenta títulos de realizadores como Pedro Costa, Teresa Villaverde, João Botelho, João Canijo, José Álvaro Morais e Mário Barroso.
A presença integral da obra de João César Monteiro no MoMA constitui um momento histórico para o cinema português: um libertino, um santo herege, um iconoclasta ocupa o coração de Nova Iorque com filmes que continuam a interpelar, desconcertar e iluminar.

