A iniciativa para apurar o actual estado do sector partiu da MUTIM – Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento, associação fundada em 2022 por profissionais do cinema e audiovisual em Portugal, em parceria com a XX Element Project – Associação Cultural. Combater a desigualdade de género, valorizar o trabalho das mulheres nestes sectores e proporcionar mais oportunidades laborais são alguns dos objectivos principais da MUTIM.
Porque o conhecimento da realidade é tão urgente como crucial para uma real mudança do status quo, promover, apoiar e divulgar publicações e estudos estatísticos e analíticos que o suportem são também desígnios centrais da associação.
Neste enquadramento, a MUTIM associou-se ao Centro de Estudos de Comunicação e Cultura da Universidade Católica Portuguesa para levar a cabo o primeiro estudo que actualiza e sistematiza dados que incidem, nomeadamente, sobre o vínculo contratual, a remuneração, a condição perante a maternidade/paternidade, o grau de satisfação no desempenho da atividade, os níveis de stresse/ansiedade, as perceções/vivências no local de trabalho e, por fim, as representações identitárias nos conteúdos nacionais de cinema e audiovisual.
Iniciado em novembro de 2022, o estudo está a ser coordenado por Catarina Duff Burnay e elaborado pelos investigadores Nelson Ribeiro, João Félix e a investigadora Isadora de Ataíde Fonseca.
A metodologia adoptada compreendeu análise documental e aplicação de inquéritos por questionário online a trabalhadores e trabalhadoras do sector.
Segundo a coordenadora da investigação, Catarina Duff Burnay, “os dados apurados neste estudo são muito relevantes e a sua análise permite-nos ir além do senso-comum sobre a condição da mulher nos sectores do cinema e do audiovisual. Mais informação é mais conhecimento e só assim é possível contribuir, de forma efetiva e sustentada, não só para o debate, mas, acima de tudo, para a mudança”.
No relatório preliminar agora divulgado pode ler-se que o trabalho de profissionais ligados às atividades culturais e criativas continua a apresentar elevados níveis de precaridade e “(…) há uma maior proporção de homens do que mulheres a beneficiar dos salários mais elevados e mais mulheres do que homens situados nos escalões remuneratórios mais baixos”.
A corroborar esta afirmação, 59% das mulheres que responderam têm um rendimento até 14.999€ brutos, contrastante com 40% dos homens. Já nos respondentes com rendimentos acima dos 25.000€ anuais brutos podem contabilizar-se 31% de homens e apenas 15% de mulheres.”
Quando questionados sobre a necessidade de desistir/abdicar de trabalho por causa da conciliação com a maternidade/paternidade, 51.9% responde afirmativamente, com mais mulheres a sentirem esse imperativo (60.2%) do que homens (39%).
Confrontados com um conjunto de afirmações relativas a vivências e percepções, a maior parte respondente escolheu “a maioria dos cargos de chefia é ocupado por homens” (66.3%), seguindo-se “os homens têm mais facilidade de/maior acesso a cargos de chefia do que as mulheres” (61.5%) e “nas equipas de trabalho em que costumam estar inseridos/as, há mais homens do que mulheres” (57.4%). Numa divisão por género, percebe-se que tanto as mulheres como os homens assinalaram e corroboram estas afirmações.
No que respeita a questões na 1.ª pessoa, são as mulheres respondentes a assumir, de forma muito expressiva, as experiências negativas vividas: do total das mulheres que responderam, 41.6% foram vítimas de discriminação de género, 37.6% foram vítimas de assédio no local de trabalho e/ ou no desempenho de funções, 7.5% foram vítimas de xenofobia e 1.4% foram vítimas de racismo.
Em termos gerais, salienta-se que os/as profissionais dos sectores, em particular as mulheres, reconhecem que as narrativas produzidas e realizadas na atualidade não são plurais em termos de representações de género e étnico/racial e, quando abordam personagens e histórias que incluem tal representação, recorrem à estereotipação.
Para além disso, há um consenso em relação ao papel subalternizado da mulher no ecrã em relação ao homem nas produções nacionais.
Nas palavras de Mariana Liz, professora na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e associada fundadora da MUTIM, “este estudo vem complementar a investigação histórica e teórica que tem sido feita sobre a situação das mulheres no cinema e audiovisual em Portugal. Ao oferecer dados quantitativos atualizados é também um instrumento fundamental para o desenho de políticas públicas para o setor, que há muito requerem um novo olhar e medidas concretas no que diz respeito à igualdade de género”.
O relatório com dados e análise final tem data de conclusão prevista para o último trimestre de 2023.
Fonte: https://www.mutim.org/