A equipa do Cinema 7.ª Arte juntou-se mais uma vez para criar uma lista conjunta dos melhores filmes do ano. Os membros do site (Cláudio Azevedo, Eduardo Magueta, Filipa Saraiva, Pedro Henrique, Sérgio Miguel Silva, Teresa Vieira e Tiago Resende) votaram e elegeram “A Fábrica de Nada” como o melhor filme de 2017, obra política híbrida, feita por e sobre operários, onde a cantiga é uma arma. “O Outro Lado da Esperança” e “Aquarius” ocupam o segundo e terceiro lugar, respetivamente.
A lista final pode não agradar a todos os membros do Cinema 7.ª Arte, mas resume bem as escolhas de cada um e aquilo que foi o ano cinematográfico. Elegeram-se onze filmes como os melhores do ano, sendo que a sétima e décima posição estiveram em ex aequo.
Esta reúne quatro produções norte-americanas, cinco europeias, uma portuguesa e uma sul-americana. O corpo humano, a luta na doença ou na política, o preconceito e a morte são os temas centrais destas obras que formam o que de melhor estreou nas salas de cinema portuguesas em 2017. “O Dia Seguinte”, “Manchester by the Sea”, “Verão Danado, “São Jorge”, “Fátima”, “História de um Fantasma”, “Dunquerque”, “Lumière!”, “Silêncio”, “Mãe” e “La La Land” são alguns dos filmes que integraram as listas individuais dos membros da nossa equipa, mas que acabaram por ficar de fora desta lista.
Certamente este tipo de enumeração de gostos nunca é consensual e não encerra nenhum tipo de obrigatoriedade.
Só foram contabilizados filmes que estrearam nas salas de cinema portuguesas entre janeiro e dezembro de 2017.
1.º – A Fábrica de Nada, de Pedro Pinho – 39 Pontos
Produzido pela Terratreme, “A Fábrica de Nada” foi o filme sensação do Festival de Cannes 2017, tendo recebido o Prémio FIPRESCI. Filme coletivo, assinado por Pedro Pinho, refletiu sobre a política e a crise, e tornou-se numa das mais ambiciosas obras do cinema português.
Inspirando-se na obra de Miguel Gomes, este filme é um híbrido entre ficção e documentário sobre uma fábrica que levará os seus operários à miséria. Através de um caso real, a de uma fábrica em processo de insolvência, que leva os seus operários a ter uma consciência coletiva de autogestão da empresa, Pedro Pinho trabalha com atores e não-atores para criar uma discussão sobre o sistema capitalista e o “sonho” de um país de esquerda. Sonho esse que fracassou depois do PREC.
“A Cantiga É Uma Arma“, música escrita por José Mário Branco, torna-se de certa forma no lema destes operários que usam a música para exprimir a sua vontade de mudar e de lutar. A música é o seu grito de desespero por parte destes operários que se unem, apesar de todas as adversidades. E o filme vagueia assim, entre o musical, o teatro e o cinema. Ambiciosa, irreverente e política esta grandiosa obra do cinema português.
2.º – O Outro Lado da Esperança (Toivon Tuolla Puolen), de Aki Kaurismäki – 30 Pontos
Depois de “Le Havre”, Kaurismaki coloca novamente um corpo em busca de refúgio. Khaled é o exemplo que nos mostra que as portas da cidade não se abrem para todos e que a liberdade pode ser uma mentira para aqueles que nada possuem. Uma eficaz arma ideológica de domínio, para os que tudo possuem.
Kaurismaki dá carne às barreiras invisíveis criadas por forças reativas que assimilam a triste função de separar a vida de si mesma. Porém, o cinema é a força ativa que o realizador incorpora para, através de belos e simples feixes de luz, filmar os corações que se abrem para fazer renascer a esperança no brilho de um sorriso.
“O Outro Lado da esperança” é a prova de que o cinema possui a mágica capacidade de nos levar até ao âmago do ser para oferecer um par de olhos ao nosso coração.
3.º – Aquarius, de Kleber Mendonça Filho – 29 Pontos
Provavelmente um dos filmes mais políticos do ano, mas sem hastear bandeiras e expor qualquer ideologia. Kleber Mendonça Filho assume-se como uma referência no cinema brasileiro com “Aquarius”.
Este é um filme de resistência e discreto na sua mensagem política. É um retrato realista sobre o sistema sociopolítico atual do Brasil, visto por uma mulher da classe média. Essa mulher chama-se Clara, uma sexagenária viúva que vive no edifício Aquarius, no Recife. É pressionada a abandonar o seu apartamento por uma empresa de construção que o quer destruir, para no seu lugar construir mais um condomínio moderno. Clara primeiro resiste e depois luta contra a Construtora Bonfim.
Um filme moderno que nos mostra a importância da memória. “Aquarius” é um retrato político, não por mostrar um Brasil dominado pela violência e crime de rua, mas sim por algo mais complexo e sério, a corrupção do sistema, do dinheiro e do poder das grandes empresas.
4.º – Paterson, de Jim Jarmusch – 26 Pontos
Jim Jarmusch cria uma personagem que transcende tempo e espaço. Por um lado confunde-se com a cidade homónima que habita e, por outro, ilude a rotina do tempo com um quotidiano que existe para inspirar a poesia de “Paterson”.
De planos picados sobre a cama ao acordar até ao passeio que termina no bar com uma bebida e uma conversa, o filme vive de um tempo pausado pontuado com pequenas atividades que iluminam a película e o espetador.
O realizador norte-americano abraça a melancolia dos dias para de uma forma doce, inteligente e sossegada nos transportar para essa quase “feliz ignorância” de existir, ouvir os outros e escrever poesia, batuta para, tal como o ofício da personagem representada por Adam Driver, nos conduzir a uma realidade mais simples, mais autêntica e aprazível.
5.º – O Quadrado (The Square), de Ruben Östlund – 23 Pontos
Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, “O Quadrado” é um filme que parece querer expor as idiossincrasias sociais que são transversais a todas as nações bem capitalizadas. Neste filme, o cinema toma a função oriunda do teatro de castigar os costumes ferozmente, mas sempre embalado na leveza de um riso. Ruben Östlund vai apontando o dedo ao altruísmo burguês que esconde um egoísmo narcisista e hedonista cristalizado numa forma burocrática de agir que acaba por corromper a arte naquilo que deveria ser o seu núcleo mais duro, a verdade.
Estamos perante um cinema com uma estética bastante meticulosa e cirúrgica, porém, por entre todo este formalismo imagético, vão desfilando as várias emoções que revelam as coisas por detrás das máscaras, para nos retirar o pensamento de um torpor confortável, seguro e rotineiro, que ele tanto adora.
6.º – 120 Batimentos por Minuto (120 Battements par Minute), de Robin Campillo – 21 Pontos
O filme sensação na 70.ª edição do Festival de Cannes, onde recebeu o Grande Prémio do Júri, é um filme onde o corpo é arma de luta. Baseado nas próprias experiências de Campillo e de Mangeot como membros desta associação francesa, o filme retrata as suas lutas ativistas contra a epidemia da Sida nos anos 90.
Descontentes com a passividade e o silêncio dos políticos, cientistas e dos lucros das farmacêuticas, a Act Up Paris foi uma associação militante de luta de combate à SIDA criada em 1989, inspirada no modelo americano.
Esta obra de Campillo demonstra bem os bastidores da epidemia, desde a luta da Act Up ao ataque das indústrias farmacêuticas, ao seu papel fundamental na sensibilização da população. Uma obra contagiante, intemporal e obrigatória com um ritmo energético que, com o evoluir da doença, vê-se forçado a abrandar o ritmo.
7.º ex aequo – Não Sou o Teu Negro (I am not your negro), de Raoul Peck – 19 Pontos
O realizador Raoul Peck, recuperando as memórias de James Baldwin em “Remember This House”, lança o espectador numa viagem sobre o pensamento filosófico deste ensaísta sobre o que é ser negro nos Estados Unidos e como esse conceito foi moldado e adaptado por dois dos seus maiores protagonistas: Martin Luther King e Malcolm X.
Com a narração de Samuel L. Jackson e recorrendo a entrevistas de James Baldwin, percebemos como os afro-americanos ainda são os “outros” numa América em que é urgente perceber a posição dos mesmos para compreender uma desconfiança fundamental que permeia toda a sociedade.
Com este testemunho Raoul Peck contribui para a complexidade da cidadania negra através de uma filosofia identitária que não encontra espaço nos documentários tradicionais.
7.º ex aequo – Toni Erdmann, de Maren Ade – 19 Pontos
A sinopse é simples: Winfried (Peter Simonischek) é um homem divorciado que, para combater a sua solidão, decide perseguir incessantemente a sua filha Ines (Sandra Hüller), usando pelo meio montes de partidas, estratagemas e personagens inventadas.
À partida pode parecer uma premissa bastante direta, mas o filme explora todos os detalhes emocionais da complexa relação entre as personagens principais. É uma comédia agridoce com tons quase de coming of age onde duas personagens são puxadas e empurradas quase a extremos para tentarem alcançar os seus objetivos.
9.º – Foge (Get Out) de Jordan Peele – 16 Pontos
Em “Foge” o cinema de género é profanado com inteligência e originalidade. O thriller dá as roupagens ideais para mostrar o horror do ódio e do preconceito, que amiúde se escondem por entre as relações sociais.
A transição, desde as aparências até à verdade que elas escondem, é feita com enorme mestria, muito graças a uma trama bem urdida, que não deixa nenhuma ponta solta. A mansão de Rose, colossal, bela e ensolarada, esconde uma cave sombria, tal como a alma de cada um dos seus habitantes.
“Foge” é um filme que nos assusta pela sensação, mas com a finalidade de nos criar uma percepção, essa sim, verdadeiramente assustadora.
10.º ex aequo – Moonlight , de Barry Jenkins – 15 Pontos
Vencedor de três Óscares (Melhor Filme, Melhor Ator Secundário e Melhor Argumento Adaptado), “Moonlight” é um filme comovente que envolve o espectador na descoberta de identidade.
Aqui são abordados três temas: a homossexualidade, a toxicodependência e o bullying. Sem tabus, mistérios ou preconceitos estes temas são abordados de uma forma muito natural e universal. Sem diálogos longos, quase exclusivamente através do olhar das personagens e do silêncio entre elas, sentimos o sofrimento e identificamo-nos com elas.
É um dos filmes mais honestos a explorar os temas do racismo e da orientação sexual. Um filme independente de uma subtileza rara no cinema americano.
10.º ex aequo – A Morte de Luís XIV (La Mort de Louis XIV) de Albert Serra – 15 Pontos
Um dos melhores filmes do ano, o novo filme de Albert Serra, retrata os últimos dias da vida de Luís XIV, rodeado pelos seus melhores médicos, impotentes, acompanhando a evolução da doença que consome o corpo daquele que foi o maior rei da história da França.
Pierre Léaud, que dá vida e alma a este corpo, consegue uma das suas melhores interpretações. Mesmo com tanta obscuridade, o filme carrega um espírito de ironia e de humor, recheado de subtileza. Um filme magnífico sobre a degradação do corpo humano, condenado à morte.