Os Melhores Filmes de 2019

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A equipa do Cinema Sétima Arte voltou a juntar-se para votar nos melhores filmes do ano. Os nossos membros (Cláudio Azevedo, Diogo Ferreira, Fernando Vasquez, Inês Paredes, Letícia Mendes, Luís Ferreira, Mariana Azevedo, Pedro Barriga, Tiago Resende e Wellington Almeida) elegeram “Parasitas”, do sul coreano Bong Joon-Ho, como o melhor filme de 2019, um dos filmes mais badalados e curiosos do ano e talvez da década, sobre a injustiça social através de uma alegórica luta de classes, vencedor da Palma de Ouro em Cannes 2019.

A luta de classes, a resistência, as memórias do fascismo, a crise social e política, os fantasmas que sobrevivem às alterações sociais de um país, a memória e reconciliação com o passado são os temas centrais destas obras que formam o que de melhor estreou nas salas de cinema portuguesas em 2019.

“O Irlandês”, “Em Chamas”, “Correio de Droga”, “Mektoub, Meu Amor: Canto Primeiro”, “McEnroe: o domínio da perfeição”, “Na Fronteira”, “Toy Story 4”, “Diamantino”, “The Beach Bum: A Vida Numa Boa”, “Divino Amor”, “Midsommar – O Ritual”, “Varda por Agnès”, “Ad Astra”, são alguns dos filmes que integraram as listas individuais dos membros do Cinema Sétima Arte, mas que acabaram por ficar de fora. Ao todo foram selecionados cerca de 50 filmes, dos quais resultaram 10 finalistas.

Foi um ano de muitas estreias nas salas de cinema portuguesas, particularmente marcado pelo cinema asiático, europeu e pelo streaming, a nova forma de ver cinema. Destaca-se a Netflix com um ano marcado pelas estreias de “O Irlandês”, o mais recente trabalho de Martin Scorsese, “Marriage Story”, de Noah Baumbach, “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, “The King”, de David Michôd, entre outros. Curiosamente o épico dos “velhotes” de Scorsese acabou por não conseguir (por pouco) integrar a lista dos melhores do ano, apesar de ter feito parte da lista individual de muitos dos colaboradores.

Também para o cinema português foi um ano particularmente especial, pela qualidade e reconhecimento que os filmes nacionais tiveram e estão a ter no próprio país e lá fora. Há uma mulher que marca este ano cinematográfico, Vitalina. “Vitalina Varela”, de Pedro Costa, é um dos grandes acontecimentos do ano, que venceu o Leopardo de Ouro da 72.ª edição do Festival de Locarno, a segunda vez que Portugal venceu este prémio no festival suíço, 32 anos depois de “O Bobo” (1987), de José Álvaro Morais. Foi o prémio máximo a um filme português em festivais e que levou quase 6 mil espectadores às salas de cinema nacionais. O imaginário de Pedro Costa, com os seus quadros cinematográficos a lembrar Rembrandt, que iluminam fantasmas na escuridão dura, conquistou a crítica internacional.

“Variações”, de João Maia, é também um dos marcos de 2019, ou não fosse o filme português mais visto do ano, tendo levado mais de 278 mil espectadores ao cinema. É o filme português mais visto nos cinemas nos últimos quatro anos, ocupando a 5.ª posição do ranking dos filmes nacionais mais vistos desde 2004. O segundo filme português mais visto do ano foi “SNU”, de Patrícia Sequeira, com 82.975 espectadores, seguido por “A Herdade”, de Tiago Guedes, com 74.207 espectadores. O épico western de Tiago Guedes teve também um grande impacto na imprensa internacional, tendo tido a sua estreia mundial na competição oficial do 76.º Festival de Cinema de Veneza, onde o realizador Tiago Guedes foi distinguido com o Prémio Bisato d’Oro para Melhor Realização, e esteve também em competição no Festival de Toronto (TIFF).

“Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos”, de João Salaviza Renée Nader Messora, “Terra Franca”, de Leonor Teles, “Tristeza e Alegria Na Vida Das Girafas”, de Tiago Guedes, “Diamantino”, de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, “Alva”, de Ico Costa, e “Tio Tomás, A Contabilidade dos Dias”, de Regina Pessoa, são alguns dos filmes nacionais mais badalados do ano e que conquistaram importantes prémios nacionais e internacionais.

Sobre os filmes mais vistos do ano há um rei e não é humano. A versão fotorrealista de Jon Favreau, o remake do clássico de animação de 1994 da Disney“O Rei Leão”, foi o filme mais visto do ano em Portugal e no resto do mundo. Segundo os dados do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), foi visto por 1.280.591 espectadores nas salas de cinema portuguesas, seguido por “Joker” (895.903 espectadores), “Vingadores: Endgame” (670.551 espectadores), “Frozen II – O Reino do Gelo” (485.641 espectadores), “Toy Story 4” (400.005 espectadores). Ou seja, no top cinco dos filmes mais vistos do ano quatro são propriedade da Disney. Foi um ano forte para a empresa de Walt Disney, que lançou este ano o seu próprio serviço de streaming, o Disney+.

Destacamos ainda neste balanço do ano algumas personalidades do universo cinematográfico que morreram em 2019: a atriz dinamarquesa Anna Karina, o músico e ator José Mário Branco, o ator norte-americano Robert Forster, ator norte-americano Peter Fonda, a atriz brasileira Ruth de Souza, o professor Carlos Melo Ferreira, o ator Rutger Hauer, a atriz e cantora norte-americana Doris Day, a realizadora belga e fotógrafa Agnès Varda, realizador e coreógrafo norte-americano Stanley Donen, o ator suíço Bruno Ganz.

Estes são os dez melhores filmes do ano, os mais votados pelos colaboradores do Cinema Sétima Arte:

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1.º – Parasitas, de Bong Joon-Ho

O novo filme do sul-coreano Bong Joon-Ho é, sem dúvida, um dos mais comentados de 2019. “Parasitas” conta a história de duas famílias em lados opostos das classes sociais na Coreia do Sul (mas poderia ser em qualquer canto do mundo). De golpe em golpe, toda a família pobre consegue ser empregada em diferentes funções no lar dos ricos. A mistura de submissão e falcatrua entra nesse conflito, assim como o suspense, o humor absurdo e a violência. O próprio realizador afirmou que esta é “uma comédia sem palhaços, uma tragédia sem vilões”. Se ainda não viu, corra atrás. Após ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes em maio, “Parasitas” é favorito ao Óscar de melhor filme internacional, mas pode até mesmo ser nomeado a melhor filme no prémio da Academia de Hollywood.

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2.º – Era Uma Vez em… Hollywood, de Quentin Tarantino

Tarantino mostra, mais uma vez, como a história e o cinema se cruzam tão intimamente. Levando-nos até uma época histórica que se movia num forte espírito político de libertação e onde Hollywood passava por grandes mudanças, Tarantino não nos deixa sair daí sem antes provarmos o charme e a magia do cinema, e uma vingança levada ao extremo. Todas as imagens confluem para mostrar de um lado, a beleza plástica do cinema, e do outro, a beleza das suas potencialidades narrativas. Tarantino olha para a nossa história e coloca-a dentro da sua tela para que aí, o fascismo, não seja apenas derrotado, mas dissolvido, consumido por lavaredas até ao seu último átomo.

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3.º – A Favorita, de Yorgos Lanthimos

Depois de trabalhos como “A Lagosta” e “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado”, Yorgos Lanthimos atenua com “A Favorita” o seu niilismo em prol de uma abordagem ainda cínica, mas de tom predominantemente melancólico, e mostra-se como um dos grandes nomes do cinema atual. Esta sátira sobre a realeza inglesa do século XVIII, conta a história da Lady Sara (Rachel Weisz) que cresceu como a serva de confiança e confidente da rainha Ana (Olivia Colman), uma governante doente e depressiva. O seu posto privilegiado, no entanto, é ameaçado pela chegada de Abigail (Emma Stone), uma nova criada que logo se torna a musa da majestade planeia a sua ascensão. A longa combina rigor estético na conceção visual dos seus figurinos e cenários, bem como na utilização de luzes naturais para compor a sua fotografia. Emma Stone e Rachel Weisz estão impecáveis como as duas criadas da rainha, mas a monarca “louca” é vestida pela britânica Olivia Colman como uma roupa justa, mas extremamente confortável: a atriz transita entre o humor e a tragédia da sua protagonista e compreende a melancolia de uma mulher insegura na sua posição e ferida pela falta de afeto e solidão. “A Favorita” é pura decadência e podridão dos poderosos. Não é surpresa que tenha sido tão aclamado por inúmeras premiações, tampouco que tenha recebido 10 indicações ao Óscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Atriz para Colman e Melhor Atriz Coadjuvante para Stone e Weisz, Melhor Figurino, Melhor Roteiro Original e Melhor Fotografia.

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4.º – Dor e Glória, de Pedro Almodóvar

Aos 69 anos, Pedro Almodóvar nos deu um dos filmes mais emocionantes de sua trajectória. Em “Dor e Glória”, Antonio Banderas interpreta Salvador Mallo, um realizador envolto em crise criativa e dores no corpo. Ele reencontra actores com quem trabalhou em filmes anteriores, relembra uma paixão antiga e desenterra histórias de sua infância num povoado pobre do interior da Espanha. Banderas venceu o prémio de melhor ator em Cannes, mas as cenas em que Penélope Cruz (que vive a mãe de Salvador Mallo) aparece também são muito especiais. Esperamos que bloqueio criativo nenhum atinja Almodóvar para que ele continue a fazer filmes melancólicos e belos.

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5.º – The House That Jack Built – A Casa de Jack, de Lars von Trier

Após dividir Cannes com a sua violência chocante, Lars Von Trier chega com “A Casa de Jack”, um conto meta autobiográfico sobre a violência, arte e a desgraça que a humanidade representa. Von Trier faz uma profunda viagem pela mente de Jack (Matt Dillon), um assassino em série obsessivo-compulsivo e com a mania das limpezas, ao longo de uma longa conversa com um misterioso homem chamado Verge (deduz-se que seja o poeta clássico Virgílio), narrando os incidentes por que passou. Cada assassinato de Jack tem uma história a ser contada e é uma autoafirmação de sua expressão artística. Todo o sadismo que nos é apresentado não é gratuito: Von Trier mostra que a perversidade não está na cabeça de Jack e sim na história da humanidade, que é feita de assassinatos e violações, coisas com o calibre de Dante Alighieri e William Blake. “A Casa de Jack” é capaz de invocar pesadelos diabolicamente gráficos na cabeça do espectador: esta é a grande marca do cinema de Trier – elaborar imagens sem pudores ou julgamentos mesmo das personagens e/ou situações mais vis do ponto de vista moral. A certo momento, Jack diz a Virgílio “Não olhes para a causa, olha para a obra”, ou seja, o que importa é a obra: uma obra que, em Cannes, levou dezenas de pessoas a abandonar a sala e no final, recebeu uma ovação de 6 minutos.

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6.º – Joker, de Todd Philips

O filme de Todd Philips reinterpreta a personagem de Joker, mostrando todas as relações sociais que perfazem a sua nudez; mas, se por um lado, essa nudez nos aparece num corpo excessivamente exposto e vulnerável, em processo de desaparecimento, por outro, a forma do filme consegue vestir essa nudez com os trajes mais belos, fazendo reerguer um ser que deixa de estar submisso aos movimentos (sociais) exteriores que o condicionam para passar a ser um movimento estético puro, cuja intensidade da experiência que vai provocando em nós vai dissolvendo a sua condição. De um lado vemos um homem que dança perto do abismo, do outro, um homem que é abismo. O homem frágil, que parecia num estado de queda interminável, afinal mergulha nesse abismo, trazendo-o até nós na forma de cores, de vibrações e intensidades.

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7.º – Em Trânsito, de Christian Petzold

Há muito que reconhecemos em Christian Petzold um dos últimos kafkianos do cinema contemporâneo – de todos, talvez o mais comprometido com o estilo elíptico deste autor, pleno de signos mas sadicamente esvaziado de significados. Na sequência do importante conjunto de filmes que marca a maturação desse estilo, Em Trânsito representa, mais do que um ponto de chegada, um limite para lá do qual não haveria narrativa, tempo, espaço – tudo se desintegraria. Isto porque Petzold tem vindo a aplicar um número variável de deslocações e supressões nos seus filmes, reduzindo-os a esqueletos de corpos literários que parecem nunca ter existido; e Em Trânsito, a par de Yella, será a mais extrema demonstração dessa economia. Premissas, motivações, conflitos, desenlaces – porquê ter tudo isto quando podemos ter um justo, justíssimo silêncio? Nesse sentido, é notável que Petzold atinja aqui o culminar da longa colaboração com Nina Hoss, ainda que a actriz não participe neste último filme: no seu lugar encontramos uma espécie de sósia, Paula Beer, aqui feita rosto de um desaparecimento total.

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8.º – Vitalina Varela, de Pedro Costa

Comecemos pelo evidente: a sala escura do cinema, antes de ser a circunstância do visionamento de um filme, será a sua condição de possibilidade. Quer isto dizer que os bons filmes – os melhores, aliás – trazem já uma sala escura no seu interior, mesmo quando são filmados à luz do dia. Pedro Costa responde a essa exigência com uma intransigente literalidade: é precisamente na escuridão que ele nos encerra, escuridão afirmativa, que já não será ausência de luz, como não era com Charles Laughton, e que cria para si um novo mistério. É a esfíngica Vitalina que nos guia por esta noite sem fundo. Na medida em que a seguimos, ou que somos por ela conduzidos, não a podemos de todo apreender como símbolo, “tema” ou metonímia miserabilista. Quando o cinema nos desafia a habitar um tempo e um espaço que nos são perfeitamente estranhos, nós, que não sabemos ver no escuro, ficamos entregues à sorte. Se saímos vivos do outro lado do filme, é graças a Vitalina.

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9.º – Bacurau, de Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho

Os caixões que povoam um sertão árido e esquecido, em Bacurau, passam a ser sintoma de uma memória ancestral guerreira. Por mais mortes que as engrenagens sociais vão acumulando, ou riquezas que as potências além-fronteiras se vão apropriando, existirá sempre uma força na sua forma mais plena por baixo do solo que o povo pisa. A violência política é despida das suas circunstâncias naturais e dissimuladas para se mostrar como violência de morte pura, sem qualquer espécie de pudor moral que a retraia. Para combater esta violência vertical despudorada, o povo precisa escavar o solo para desenterrar as armas, mas também, neste processo de escavação, acaba por descobrir a sua identidade. É nessa arqueologia com uma intenção guerreira que o povo se encontra si mesmo, o solo que lhe pertence, e, nas entranhas deste, a força e identidade esquecidas.

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10.º – O Silêncio dos Outros, de Robert Bahar, Almudena Carracedo

Um dos mais importantes e premiados documentários do ano, “O Silêncio dos Outros”, é um retrato da luta das vítimas do franquismo, em Espanha, e sobre o processo judicial internacional para julgar os criminosos franquistas que ficaram impunes devido à vergonhosa Lei da Amnistia (também conhecida por ‘pacto do esquecimento’, aprovada por todos os partidos em 1977). É um documentário tocante e sensível que presta homenagem às vítimas da ditadura de Francisco Franco e que enfrentam uma amnésia imposta pelo Estado espanhol perante crimes contra a Humanidade num país, que após quatro décadas de democracia, continua dividido. O filme debruça-se sobre os 38 anos de fascismo questionando o presente e futuro de um país que durante a Guerra Civil sepultou milhares de pessoas em valas comuns. Uma das cenas mais emotivas e derradeira, é o momento em que uma senhora velha encontra o cadáver do seu pai, no fundo as ossadas dele. Ao fim de muitos anos o que aquela senhora só queria era saber onde estava o seu pai, o que restava dele, bastava. Justiça foi feita e pôde finalmente ter um lugar onde descansar e terminar o luto. É o que milhares de pessoas procuram, saber onde os seus familiares e amigos foram sepultados, pois em Espanha há valas comuns espalhadas por todo o país e muitas são desconhecidas. Realizado ao longo de seis anos por Almudena Carracedo e Robert Bahar, e produzido por Pedro Almodóvar, o filme conquistou o Goya de Melhor Documentário e venceu o Prémio do Público da secção Panorama no Festival de Berlim. É um filme político e ativista que quebra o silêncio de décadas e dá voz às vítimas.

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