Óscares 2026: Academia inclui “O Agente Secreto” e “Apocalipse nos Trópicos” entre os elegíveis

Filmes de Kleber Mendonça Filho e Petra Costa avançam no processo de selecção da Academia
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“O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho | “Apocalipse nos Trópicos, de Petra Costa

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS) confirmou, nesta sexta-feira (21), que “O Agente Secreto” e “Apocalipse nos Trópicos” cumprem todos os requisitos de elegibilidade para os Óscares. Com esta validação, os novos trabalhos de Kleber Mendonça Filho e Petra Costa entram oficialmente no radar da 98.ª edição do prémio mais cobiçado do cinema.

Escolhido como representante brasileiro na categoria de Melhor Filme Internacional, “O Agente Secreto” chega à corrida rodeado de expectativa, sobretudo porque, para além da candidatura principal, cresce a especulação em torno de uma eventual nomeação de Wagner Moura a Melhor Actor. A narrativa decorre em 1977 e acompanha um professor universitário que regressa ao Recife na tentativa de se desligar de um passado que teima em persegui-lo.

“Apocalipse nos Trópicos”, candidato a Melhor Documentário e que investiga a relação entre a política e os evangélicos no Brasil, ganhou novo fôlego depois de receber quatro nomeações no IDA Documentary Awards, tradicionalmente visto como um dos barómetros mais confiáveis do percurso até aos Óscares. Disponível na Netflix, o filme de Petra Costa tem sido apontado como uma das obras documentais mais comentadas do ano.

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A Academia revelará, no dia 16 de Dezembro, as listas de pré-seleccionados nas categorias de documentário e filme internacional. A relação completa dos nomeados será anunciada a 22 de Janeiro, e a cerimónia de entrega dos Óscares está agendada para 15 de Março de 2026.

O Agente Secreto

Ambientado no Recife de 1977, sob o peso asfixiante da ditadura militar, “O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho, constrói-se como uma narrativa de retorno e de exílio interior. Marcelo (Wagner Moura), professor universitário e especialista em tecnologia, regressa à sua cidade natal depois de um longo afastamento, carregando a sombra de um passado violento em São Paulo; um passado insinuado, talvez irredutível, que envolve um poderoso industrial e a disputa em torno de uma patente ou invenção.

A viagem de regresso não lhe devolve a pertença, mas expõe a fragilidade do seu lugar no mundo. Entre a tentativa de reencontrar o filho pequeno (guardado pelos avós maternos, sendo o avô projecionista no mítico Cinema São Luiz) e a busca clandestina por documentos que revelem o estatuto civil da mãe falecida, Marcelo move-se num território marcado pela constante ameaça, pela vigilância do regime e pela consciência de que o exílio definitivo poderá ser a única saída. O refúgio oferece-se num “aparelho”: espaço liminar, habitado por dissidentes, marginalizados e exilados, entre eles um casal de angolanos, o veterano Euclides e a figura maternal de Tânia Maria.

À medida que tenta reintegrar-se no quotidiano, descobre que a cidade se tornou um organismo vigiado e corrompido, submetido a dispositivos tecnológicos de controlo que ampliam o alcance do poder autoritário. O protagonista vê-se então enredado numa teia de espionagem e conspirações, onde dilemas morais e afectivos se entrecruzam com a necessidade de preservar os seus e de confrontar segredos que não pertencem apenas à sua memória individual, mas também à memória colectiva da sua família e do país.

A obra de Mendonça Filho expande-se, assim, para além do enredo, configurando-se como reflexão sobre os mecanismos da repressão, sobre a vigilância como forma de poder, sobre a manipulação da verdade e a persistência da resistência. O filme, que cruza suspense, drama e a arquitectura narrativa do thriller, é também um ensaio cinematográfico: mistura crítica social, evocação de traumas históricos e ressonâncias do folclore local, numa mise-en-scène que devolve à História brasileira a sua dimensão trágica e espectral.

Apocalipse nos Trópicos

“Apocalipse nos Trópicos” (2025) não se limita a documentar, mas transforma a realidade em experiência visual intensa, onde multidões, discursos político-sagrados e momentos de intimidade se combinam para construir uma metáfora do apocalipse como expressão de poder.

Petra Costa move-se entre passado e presente com um olhar poético que ultrapassa os limites do documentário convencional. Num Brasil onde a fé se entrelaça com a política de forma profunda, o filme evidencia como o crescimento do movimento evangélico, hoje responsável por 30% da população, foi determinante na ascensão de Jair Bolsonaro, e alerta para os riscos de uma democracia submetida a uma influência religiosa tão incisiva.

A obra mostra como a fé, convertida em identidade política, pode mobilizar mais eficazmente do que qualquer promessa económica ou social. Discursos apocalípticos, privilégios institucionais e estratégias de poder baseadas no medo e na esperança consolidam um sistema em que a religião se torna motor de legitimação política, transformando a espiritualidade em instrumento de controlo social.

O filme foi lançado a 29 de Agosto de 2024, fora de competição no 81.º Festival de Veneza, estreou nos cinemas brasileiros a 3 de Julho e chegou ao catálogo da Netflix em 14 de Julho.