Ao último dia, o IndieLisboa descansou com o seu filme encerramento, “The Adults”, de Dustin Guy Defa, que não é estreante no festival.
Em 2018, o realizador esteve presente na Competição Internacional com “Person to Person” e regressou este ano novamente com o seu mais recente filme para a sessão especial que encerra a 20.ª edição.
“The Adults” teve estreia mundial na edição deste ano da Berlinale e é claro que corre o risco de obliterar-se por entre as dobras do mundo dos estímulos excessivos, de tão discreto, despretensioso e aparentemente desinteressado que se apresenta ao seu público.
É um filme sobre três irmãos que perderam o contacto à medida que a vida adulta os vai empurrando para as tarefas normais dos adultos, mas a quem a vida adulta, em abono da verdade, mal tocou, a julgar pela nostalgia premente com que revivem as suas vidas do passado.
Exceção feita à depressão e aos sentimentos de falha perante as expetativas, Eric, Maggie e Rachel ficaram presos nas suas personagens infantis preferidas e às memórias de quando eram os verdadeiros adultos que tomavam conta de tudo.
Os adultos do filme são, ironicamente, crianças presas em corpos de adultos, comportando-se em tudo como crianças. Eric quer ganhar no poker dos adultos apenas pela sensação de ganhar e não pelo dinheiro, Maggie desiste da faculdade apenas porque sim e Rachel vive na casa fantasma da mãe, vestindo-se como uma jovem gótica do século XIX.
Sim, “The Adults” é (mais) um filme sobre gente desadequada que cresce e deixa de perceber o que se passou entre aqueles momentos felizes passados a encenar filmes antigos e o presente cheio de reuniões, responsabilidades e culpa.
Não pode esquecer-se, contudo, que tem no seu centro 3 atores cheios de talento que conseguem preencher por completo a tela e, em muitos momentos, dar vida a um guião que aparenta não ter muito conteúdo. Michael Cera, Hannah Gross e Sophia Lillis equilibram-se de forma tão perfeita que, na realidade, são um conjunto de protagonistas em que ninguém se sobrepõem.
Todos eles tentam navegar a vida por entre as coisas que não ficaram resolvidas, os ressentimentos, o que ficou por dizer ou fazer, e neste encontro que acontece de muitos em muitos anos, Eric vem à cidade e em vez de conseguir fazer a sua curta visita, acaba a resolver parte dos seus traumas e os das irmãs.
“The Adults” é um anti filme, se assim se quiser encarar, sempre em tonalidades cinzentíssimas, a condizer com os estados de espírito – Rachel poucas vezes sorri, talvez quando encarna a sua personagem infantil Mopey-mopey -, mas encontra nos pequenos momentos, simples, prazeres enormes e verdadeira cura.
Não almejando a ser gigante, parco em termos cénicos, filmado para não ser perfeito, vive das suas interpretações e dos seus diálogos, embora a história seja tipicamente americana: aquelas linhas narrativas sobre a vida de todos os dias, as lutas pessoais, as conversas desconfortáveis, os momentos estranhos em que só se dizem coisas erradas.
Nas entrelinhas, é uma história belíssima, delicada, cravejada de boa música e humor negro, sobre aquilo que une as pessoas, as famílias, os laços de sangue, de amizade, a surpresa de ficar preso na cidade natal e descobrir mais do que se pensava.
O personagem de Eric parece ocupado com um trabalho importante, no início, na mesa do quarto de Hotel. Atende chamadas, escreve atentamente no portátil, mas lentamente fica a sensação de que é tudo um faz de conta – cenas muito mais tarde, vê-se a tela do portátil e Eric joga xadrez, provavelmente nem trabalha de todo.
Com a desculpa de ficar a jogar poker com antigos e novos conhecidos, vai adiando a sua partida de volta para Portland, onde vive, e de que o público não conhece quaisquer pormenores. Vai inteirando-se da vida das irmãs e descobre que não sabe muito sobre elas e que já não tem a piada de antigamente – aliás, não arranca um sorriso a ninguém.
É no meio dos sorrisos amargos, de algumas lágrimas, de danças coletivas ao som dos Man At Work numa festa na casa de alguém, que a verdadeira vida lhes vai acontecendo, mesmo sendo a última coisa que qualquer dos irmãos esperaria ou quereria, em todo o caso.
É fácil que “The Adults” passe despercebido e possa ser incompreendido, mas é uma enorme caixa de surpresas que não pode nem deve ser comparada com trabalhos anteriores do realizador. Este é um filme de mérito próprio, feito na senda do bom cinema americano independente, com o bónus de não ter qualquer medo de falhar.