Em 16 de novembro de 1922, nascia o pequeno José de Sousa, no interior a nordeste de Lisboa. Seu pai, um lavrador sem-terra, foi apelidado de “Saramago” – como uma plantação de ervas daninhas que os pobres alimentavam. O escrivão anexou secretamente o apelido de seu pai “Saramago” ao nome de batismo do pequeno José – e assim o menino, que 76 anos depois viria a receber o Prémio Nobel de Literatura (1998) como um homem maduro, foi chamado de José Saramago por toda a vida.
Depois do poeta nacional moderno Luís de Camões (1524/25–1579/80) e ao lado do às vezes esquivo Fernando Pessoa (1888–1935), José Saramago é considerado o epítome da literatura portuguesa. Hoje, 16 de novembro, ele faria 100 anos.
Quem era José Saramago?
José de Sousa – este é o seu verdadeiro nome – nasceu, a 16 de Novembro de 1922, na pequena aldeia da Azinhaga, nada indicava uma grande carreira de escritor, que também tardava.
Vinha de uma família de lavradores que ganhavam no Ribatejo o seu miserável salário com os latifúndios dos grandes latifundiários. O pai lia pouco, a mãe era analfabeta.
O nome “Saramago” também se refere à situação precária de onde veio a família: a palavra portuguesa significa rabanete silvestre, de que a população rural faminta tinha de se alimentar. O escrivão havia acrescentado a palavra ao sobrenome real de Sousa por conta própria, o que significava uma depreciação. Só ao matricular-se na escola em Lisboa é que se notava o equívoco.
Vida académica
Embora Saramago tivesse boas notas, não pôde frequentar o ensino médio por falta de dinheiro – em vez disso, formou-se como mecânico de automóveis. No entanto, foi nessa época que teve seu primeiro contato com a literatura. Ele continuou sua educação de forma autodidata e passou muito tempo em bibliotecas públicas. Isso o capacitou a trabalhar para jornais e editoras.
Em 1947 – Saramago tinha agora 25 anos – publicou o seu primeiro romance “Terra do Pecado”, mas após intervenções da editora não obteve sucesso e Saramago desistiu da escrita literária: nada publicou para os próximos 19 anos a mais. Em 1949 perdeu o cargo interino no Ministério dos Assuntos Sociais por motivos políticos, uma vez que o regime fascista de Salazar desconfiava dele.
Salazarismo, literatura e política
Nos anos que se seguiram, Saramago trabalhou para várias editoras na produção e como tradutor, onde chegou a ter contacto com muitos autores críticos do regime e das questões sociais.
Foi apenas em 1966, com 44 anos, que voltou a aparecer com uma obra própria, nomeadamente o volume de poemas “Os Poemas Possíveis”. Durante este tempo, Saramago foi finalmente politizado no contexto da resistência antifascista em Portugal e da guerra colonial em Angola.
Ele escreveu artigos de jornal sobre eventos políticos, na medida do possível sob censura, e ingressou no ilegal Partido Comunista Português (PCP) em 1969.
Revolução dos Cravos e novas perspectivas
Saramago tinha grandes esperanças para a Revolução dos Cravos em 1974, mas estas foram frustradas: o regime fascista foi derrubado, mas o anticomunismo sobreviveu. As suas atividades no Ministério da Educação e no influente jornal diário “Diário de Notícias” foram encerradas sem qualquer possibilidade de novo emprego.
Em 1976, aos 54 anos, Saramago tomou uma decisão mais ou menos forçada de continuar a sua vida como escritor freelancer. Afasta-se da colunista e do jornalista e também da poesia, publicando outro romance em 1977: “Manual de Pintura e Caligrafia”.
Reconhecimento tardio
Saramago foi apontado tardiamente como o maior autor contemporâneo de Portugal. Após tal reconhecimento, iniciou a “viagem portuguesa”, também ela associada ao salto internacional de 1982.
Os romances de Samarago foram traduzidos para mais de 20 idiomas, tornando-o financeiramente independente pela primeira vez em sua vida. Inúmeros prémios se seguiram – numa idade em que outras pessoas já estão se aposentando. Samarago publicou então outros romances (e dramas) em intervalos bastante curtos, alguns dos quais também transformados em filmes.
Estes livros, que não podem ser todos enumerados, marcam uma parte extremamente importante da história literária europeia, incluindo: “O Ano da Morte de Ricardo Reis” (1984), “A Jangada de Pedra” (1986), “História do Cerco de Lisboa” (1989), “O Evangelho segundo Jesus Cristo” (1991), “In Nomine Dei” (1993), e “O ensaio sobre a Cegueira” (1995). Saramago foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura de 1998. Seu último romance, “Caim”, foi publicado em 2009, um ano antes de sua morte.
Como forma de celebrar um dos maiores escritores portugueses, nós do Cinema Sétima Arte resolvemos indicar 5 filmes baseados em suas obras.
1- A Jangada de Pedra (2008), de George Sluizer
Um dia, depois de um terremoto que se abateu sobre Europa sem ser sentido por qualquer sismógrafo, surgiu uma fenda exatamente na fronteira entre a Espanha e a França. A fenda foi se aprofundando e separou toda a península Ibérica do resto do continente. Pouco a pouco, aquela gigantesca porção de terra se direciona para o oeste e adentra no oceano Atlântico, tal qual uma jangada à deriva. Portugueses e espanhóis vêem assim seu cotidiano ser abalado por essa nova realidade. Outros sinais dessa brutal transformação começam a surgir. Joana desenha uma linha no chão e ninguém consegue apagá-la. O pescador Joaquim joga uma pedra no mar e ela não afunda. Os milagres se sucedem nesta saga que mistura tons de realismo fantástico e de conto de fadas, em que três homens, duas mulheres e um cão se vêem à deriva em uma longa e imprevisível viagem. O filme é baseado no livro homónimo de Saramago (via 43ª Mostra de Cinema de São Paulo).
2- Ensaio sobre a Cegueira (2008), de Fernando Meirelles
Filme baseado no livro homónimo de Saramago. Na história, a epidemia é utilizada para criação de contexto único, em que a natureza humana se mostra quando as aparências se vão. Um longa realmente chocante e sensível. Em alguma cidade do mundo, um surto de “cegueira branca” leva diversas pessoas a perderem sua visão, que é substituída por um véu branco. Rapidamente essa nova doença toma conta do país e a civilidade rui com a civilização. É nesse contexto que acompanhamos diversos personagens que são contaminados e levados pelo Estado para uma quarentena em hospital psiquiátrico abandonado. A única que ainda mantêm sua visão é esposa de um médico, mas as coisas não serão mais fáceis para ela, afinal terá que ver o atrofiar da sociedade, ou apenas aquilo que o ser humano sempre fez quando ninguém estava vendo (via CDCC/USP).
3- A Maior Flor do Mundo (2008), de Juan Pablo Etcheverry
E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar? A Maior Flor do Mundo tem como premissa o conto de José Saramago e visa uma perspectiva sobre os adultos na literatura infantil. Saramago transforma-se numa personagem e conta-nos que uma vez teve uma ideia para um livro infantil, inventou uma história sobre um menino que fez nascer a maior flor do mundo (via Quali.pt).
4- Embargo (2010), de Antônio Ferreira
Nuno é um homem que inventou uma máquina que promete revolucionar a indústria do calçado – um digitalizador de pés. No meio de um embargo petrolífero e deparando-se com uma estranha dificuldade, Nuno tenta obstinadamente vender a máquina, obcecado por um sucesso que o fará curar alguns problemas essenciais da sua vida. Quando Nuno fica estranhamente enclausurado no seu próprio carro e perde uma oportunidade única de finalmente produzir o seu invento, vê subitamente a sua vida embargada… (via Notaterapia).
5- O Homem Duplicado (2014), de Denis Villeneuve
Adam é um instável professor universitário que vive refém de uma monótona rotina diária. Uma noite, enquanto vê um filme, descobre a existência de um ator exatamente igual a si. Obcecado por conhecer o seu sósia, parte à descoberta desse outro homem forçando um encontro com consequências imprevisíveis não só para eles mas também para as suas companheiras: Mary e Helen (via Sapo).