No dia 19 de Setembro perfaz-se o centésimo quarto aniversário do grande Paulo Freire (1921-1997), Patrono da Educação Brasileira.
28 anos volvidos sobre a sua morte, o seu nome permanece como seiva persistente a irrigar debates pedagógicos e a fecundar esperanças num tempo em que a escola se arrisca tantas vezes a ser mero armazém de conteúdos. Para Freire, a sala de aula foi sempre mais do que um espaço físico: era um proscênio de emancipação, um laboratório de consciências, um território de insurgência contra a apatia.
Licenciado em Direito pela antiga Universidade do Recife (hoje Universidade Federal de Pernambuco), cedo percebeu que a letra da lei não o seduzia tanto quanto a letra do homem. Preferiu o giz à toga, a palavra viva à fria codificação jurídica. Fez da docência em língua portuguesa o seu ofício e, em 1963, protagonizou em Angicos, no sertão potiguar, uma experiência extraordinária de alfabetização de adultos. Foi breve essa experiência, mas trazia em si o sopro das utopias interrompidas pelo golpe de 1964.
A ditadura hirtamente cortou o voo, levando-o à prisão e ao exílio. Foi longe do Brasil, no Chile e nos Estados Unidos, que escreveu os livros que o eternizaram. Em Harvard, por exemplo, levou ao coração do império a palavra nascida nas periferias do Nordeste, conferindo-lhe uma universalidade inesperada. “A Pedagogia do Oprimido” não tardaria a tornar-se texto de referência em várias línguas, espécie de cartilha para aqueles que acreditam que ensinar é sempre um acto de libertação.
O regresso, possibilitado pela anistia de 1979, trouxe-lhe novas tarefas. Secretário de Educação do Município de São Paulo na gestão de Luíza Erundina, rodeou-se de discípulos como Mário Sérgio Cortella e empenhou-se em tornar realidade aquilo que a ditadura tentara sufocar. É também nesse contexto que nasce o Instituto Paulo Freire, guardião do seu arquivo pessoal e arauto de um pensamento cuja ressonância não cessou de se expandir.
A morte, em 1997, ceifou-lhe o corpo, mas não a influência. Quarenta e uma universidades, de Harvard a Oxford, reconheceram-lhe o génio com doutoramentos honoris causa, numa homenagem que ultrapassa fronteiras e regimes. Afinal, o que ele propunha era mais do que método: era um modo de olhar o mundo.
Na sua concepção, educar é acto político no sentido maior e mais nobre do termo, não um jogo partidário, mas a possibilidade de o homem se descobrir sujeito e não objecto. O processo, dizia, há-de nascer da realidade concreta do aluno, e só tem sentido se erigido na horizontalidade. Tanto aprende o mestre com o discípulo como o discípulo com o mestre.
Críticos houve e haverá. Muitos, observa Ítalo Francisco Curcio, nem sequer dominam o terreno da educação, limitando-se a repetir palavras de ordem ditadas por líderes de ocasião. Essa cegueira, acrescenta, prejudica a sociedade inteira. Por isso, ao sociólogo Abdeljalil Akkari não custa afirmar que a obra de Freire é, antes de tudo, política, política no sentido humanista de quem faz da educação uma prática de liberdade.
Daniel Cara, pedagogo e activista, talvez tenha resumido melhor o legado freireano: ensinar é ajudar cada um a encontrar a sua voz. E, encontrando-a, fazê-la ressoar contra o silêncio imposto. Daí a grandeza e a actualidade desta pedagogia: não apenas método, mas acto de resistência; não apenas teoria, mas esperança tornada palavra viva.
Segue-se uma seleção de sete produções audiovisuais essenciais para compreender a vida e o pensamento de Paulo Freire.
“Paulo Freire – Contemporâneo” (2006), Toni Venturi
Este documentário para televisão explora o pensamento e a antropologia de Paulo Freire. Mostra como as ideias do educador se actualizam hoje, através de experiências educacionais em regiões afastadas do Brasil, e evidencia como o seu método de alfabetização continua a incluir os excluídos.
“De Pé no Chão se Aprende a Ler” (1961), Heinz Forthmann
Criada em Natal, em 1961, esta campanha implementou o ensino primário em bairros pobres, em escolas de chão batido e cobertas de palha. A iniciativa valorizava festas, música e danças populares, instalou bibliotecas e museus de arte popular, e promoveu a alfabetização de adultos pelo Sistema Paulo Freire, incluindo também formação profissional.
“Paulo Freire, 100 Anos” (2021), TV Cultura
Exibido na semana do centenário de Freire, este documentário reúne os principais estudiosos da sua obra para explicar a relevância do educador e analisar os motivos pelos quais continua a ser alvo de ataques extremistas. Apresentado pelo jornalista Leão Serva, então director de jornalismo da TV Cultura.
“Serginho Groisman entrevista Paulo Freire” (1989)
Paulo Freire entrevistado por Serginho Groisman no programa ‘Matéria Prima’, da TV Cultura.
“Realidade Brasileira: Episódio – Pensando com Paulo Freire”
Série de documentários sobre pensadores brasileiros do século XX, incluindo Freire, Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Darcy Ribeiro. O projeto é uma parceria da TV E-Paraná com a Escola Nacional Florestan Fernandes e a Fundação Darcy Ribeiro, com apoio do Ministério da Cultura.
“Paulo Freire e Seymour Papert” – TV PUC/SP (1995)
Entrevista histórica com o matemático e educador Seymour Papert, nos Estados Unidos, sobre pedagogia, tecnologia e aprendizagem.
“A Última Entrevista” – TV PUC/SP (1997)
A última entrevista de Paulo Freire, exibida a 17 de abril de 1997, concedida à jornalista Luciana Burlamaqui em São Paulo. Na altura, Freire escrevia Cartas Pedagógicas, depois publicado como Pedagogia da Indignação.

