O filme “O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho, foi escolhido para representar o Brasil na corrida ao Óscar de Melhor Filme Internacional, na 98.ª edição da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS), que terá lugar em Março de 2026, em Los Angeles. A selecção resultou de uma votação entre os membros da Academia Brasileira de Cinema, após uma pré-lista de seis finalistas.
A obra de Mendonça Filho sobrepôs-se a “Baby”, de Marcelo Caetano, “Kasa Branca”, de Luciano Vidigal, “Manas”, de Marianna Brennand, “O Último Azul”, de Gabriel Mascaro, e “Oeste Outra Vez”, de Erico Rassi. A escolha foi feita por um júri composto por quinze membros da Academia.
No discurso de anúncio do candidato, a produtora Sara Silveira evocou a trajectória de “Ainda Estou Aqui”, primeiro filme brasileiro a conquistar um Óscar, e sublinhou a importância simbólica de “O Agente Secreto” neste momento. “Vamos reunir esta força política e social e levar o Brasil aonde ele pode estar”, afirmou.
Silveira destacou ainda a qualidade das obras concorrentes e deixou palavras de apreço a “Manas”: “Um viva a “Manas”, a “Kasa Branca”, a “Oeste Outra Vez”, a “Baby”, a “O Último Azul”. Sobretudo “Manas”, um filme realizado por uma mulher, produzido por uma mulher, que aborda um tema feminino. Mesmo não sendo o nosso representante, é uma representação para nós, mulheres, que nos dá confiança para estarmos aqui de cabeça erguida a escolher o nosso candidato”.
O Agente Secreto
Ambientado no Recife de 1977, sob o peso asfixiante da ditadura militar, “O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho, constrói-se como uma narrativa de retorno e de exílio interior. Marcelo (Wagner Moura), professor universitário e especialista em tecnologia, regressa à sua cidade natal depois de um longo afastamento, carregando a sombra de um passado violento em São Paulo; um passado insinuado, talvez irredutível, que envolve um poderoso industrial e a disputa em torno de uma patente ou invenção.
A viagem de regresso não lhe devolve a pertença, mas expõe a fragilidade do seu lugar no mundo. Entre a tentativa de reencontrar o filho pequeno (guardado pelos avós maternos, sendo o avô projecionista no mítico Cinema São Luiz) e a busca clandestina por documentos que revelem o estatuto civil da mãe falecida, Marcelo move-se num território marcado pela constante ameaça, pela vigilância do regime e pela consciência de que o exílio definitivo poderá ser a única saída. O refúgio oferece-se num “aparelho”: espaço liminar, habitado por dissidentes, marginalizados e exilados, entre eles um casal de angolanos, o veterano Euclides e a figura maternal de Tânia Maria.
À medida que tenta reintegrar-se no quotidiano, descobre que a cidade se tornou um organismo vigiado e corrompido, submetido a dispositivos tecnológicos de controlo que ampliam o alcance do poder autoritário. O protagonista vê-se então enredado numa teia de espionagem e conspirações, onde dilemas morais e afectivos se entrecruzam com a necessidade de preservar os seus e de confrontar segredos que não pertencem apenas à sua memória individual, mas também à memória colectiva da sua família e do país.
A obra de Mendonça Filho expande-se, assim, para além do enredo, configurando-se como reflexão sobre os mecanismos da repressão, sobre a vigilância como forma de poder, sobre a manipulação da verdade e a persistência da resistência. O filme, que cruza suspense, drama e a arquitectura narrativa do thriller, é também um ensaio cinematográfico: mistura crítica social, evocação de traumas históricos e ressonâncias do folclore local, numa mise-en-scène que devolve à História brasileira a sua dimensão trágica e espectral.
Ascensão e polémicas
Apresentado no Festival de Cannes, onde arrebatou quatro distinções, entre elas o prestigiante Prémio do Júri, “O Agente Secreto” consolidou a sua posição como candidato natural aos Óscares.
A consagração, todavia, despontou em cenário de contestação. “Manas”, impulsionado pela chancela de Sean Penn enquanto produtor executivo e pela aura conferida a uma exibição em Los Angeles que reuniu figuras de proa como Julia Roberts e membros da Academia, surgia como favorito alternativo. A campanha, reforçada por manifestos subscritos por dirigentes de grandes corporações (da Magazine Luiza à Vale, passando pelo LinkedIn), conferiu à disputa um contorno que transcendeu a esfera artística, insinuando-se no domínio da geopolítica cultural e do capital simbólico.
Nas redes sociais, o veredicto desencadeou uma torrente de reacções. A hashtag #OAgenteSecretoNoOscar emergiu como signo de celebração, mas também de contestação, com internautas aplaudindo a escolha e, simultaneamente, criticando o que consideraram um “lobby milionário” em torno de “Manas”.
Entre os episódios mais emblemáticos, destacou-se a posição de Fernanda Torres: após ter elogiado o envolvimento de Penn no filme rival, a actriz viu-se fustigada por críticas e respondeu reiterando que a sua intenção jamais fora militar contra qualquer dos concorrentes, mas apenas reconhecer a importância do gesto.
A decisão, por fim, inscreve “O Agente Secreto” na disputa internacional, num movimento que ecoa o feito histórico de “Ainda Estou Aqui”, primeira obra brasileira a conquistar a estatueta. Mais do que a simples confirmação de um favorito, este episódio expõe a intrincada teia de legitimidades e interesses que hoje molda o campo do cinema mundial, onde arte, indústria e política se encontram num palco comum.