A fotógrafa francesa Camille Lepage tinha apenas vinte e seis anos quando foi assassinada em plena guerra civil que, em 2014, assolava a República Centro-Africana. O trabalho promissor de uma jovem que ainda mal começava a emergir. Hoje a clareza naturalista, sem barreiras, sem filtros e dentro da acção, torna o seu trabalho num dos documentos mais valiosos de uma atroz guerra político-religiosa cujas implicações ideológicas e culturais a Europa mal imagina.
Boris Lojkine, que assinou a sua primeira longa metragem, “Hope” (2014), não está neste filme interessado em fazer uma radiografia do trabalho fotojornalístico de Lepage. Por outro lado, e como a cena de abertura nos deixa bem claro, ao mostrar de forma discreta o seu destino, quer assim o confronto do público diante um filme sobre a arte e sua possibilidade de transcender os marcos limitantes do comercial. A entrevista de Camille com o diretor de uma publicação importante para a qual ela se enche de esperança termina em decepção quando ele deixa claro que os trabalhos dela não têm um objetivo e uma direção claros. Mesmo assim Camille não desistiu nem vergou. Nos últimos minutos, um reflexo fora da protagonista será erguido em resposta a este questionamento duro: de máquina em riste, Camille tenta instintivamente captar a realidade de um lugar e de um povo. Dessa forma, rende-se à noção do humano que não entende as barreiras entre seu mundo – o de uma francesa privilegiada económica e culturalmente e aquela África onde o tribalismo minimiza a importância da vida e da morte.
Não deixando de ser um biopic e uma homenagem, o formato que remete para as fotografias tiradas por Lepage e com uma vivacidade audiovisual austera, é também consequentemente alérgico à gentrificação moralista das imagens. Camille fala-nos de uma ociental que decidiu encurtar a distância entre ela e o outro com os seus exercícios criativos. Ela não se questiona sobre o que é digno ou indigno de ser capturado, mas prefere que as próprias imagens façam as perguntas. Assim o filme acaba por articular questões na ordem do dia sobre a legitimidade de mostrar o horror aberto e o peso que essas imagens podem ter do ponto de vista do papel da informação. Camille escorrega entre manifestantes e cadáveres, irrita os seus colegas profissionais porque está “sempre no meio”, concentra-se e dispara. Lojkine e a co-argumentista Bojina Panayotova pensaram esta Camille como uma rebelde de classe, mas também uma subversiva geracional, que luta contra a afasia ideológica dos seus pares para tentar entender uma realidade que, finalmente, ela encontrará além da sua compreensão.
Talvez estejamos diante de um dos filme mais claros sobre o abismo entre a Europa e a África, porque embora a história homenageie os esforços, vistos como naif, da Camille e que a conduzem irrevogavelmente à tragédia também apresenta uma imagem diferenciada do “branco europeu salvador de África”, abrindo o filme para a ambiguidade e a complexidade, demonstrado no papel de intervenção militar da França, das palavras dos seus amigos e até do seu irmão.
Carregada de uma verdadeira paixão pelo humano, Camille reduz à sua essência a crise testemunhada pelo seu inquieto objectivo: os homens matam-se e isso é sempre repreensível, uma violência sem justificativa na lógica do “olho por olho, dente por dente”.