Nicholas Ray celebraria, se fosse vivo, o seu 100º aniversário este ano (nasceu a 7 de Agosto de 1911). Passados cem anos os seus filmes continuam a ser uma grande influência no cinema de hoje. Nicholas Ray é um dos mais emblemáticos realizadores do cinema americano que conta com quase trinta longas-metragens, sendo que algumas delas marcaram a história do cinema.
Nicholas Ray estudou arquitetura com Frank Lloyd Wright e trabalhou no teatro, como ator, sob a direção de Elia Kazan e John Houseman. Depois de ter trabalhado na rádio, estreia-se no cinema com “Os Filhos da Noite” (1949) no estúdio RKO. Este é o seu primeiro filme, um film noir passado durante a depressão americana que segue o jovem Bowie (Farley Granger), recluso envolvido numa série de assaltos que tenta provar a sua inocência, e Keechie (Cathy O’Donnel), dois condenados amantes foras-da-lei. O filme começa logo com o subtítulo: “Este rapaz, esta rapariga nunca foram apresentados ao mundo em que vivemos”. Esta frase aplica-se à quase todas as personagens de Ray. Pois este criou nos seus filmes personagens perturbadas, seres solitários, jovens marginalizados pela sociedade, violentos, cheiros de raiva e incompreendidos. Estas personagens são solitários que tentam comunicar com o mundo e que se encontram sempre em situações extremas. Tal como diz Johnny em Johnny Guitar (1953), “Eu aqui também sou um estranho”. Esta frase é muito clara, no sentido em que resume a relação de Ray com Hollywood. “Fúria de Viver” (1955) é talvez o seu melhor exemplo, com James Dean, Natalie Wood e Sal Mineo, a encarnarem estas personagens agitadas. Talvez por isso Nicholas Ray tenha casado quatro vezes.
Em 1950, Ray filma “Matar ou Não Matar”, outro film-noir, desta vez com um elenco conhecido Humphrey Bogart e Gloria Grahame, já não são personagens tão novas como noutros filmes, mas mesmo assim a personagem Dixon (Bogart) é tão agitada e solitária como as outras jovens personagens. Dixon Steele é um argumentista, com tendências sádicas, que enfrenta a indesejada tarefa de adaptar para o cinema um romance de má qualidade, mas que foi um best seller. É acusado de um assassinato, mas tem um alíbi que a sua vizinha Laurel Gray (Grahame) lhe arranjou, levando os dois a apaixonarem-se. Mas todas as suspeitas recaem sobre Dixon pela sua personalidade fria e agressiva para com todos os que o rodeiam. “Matar ou Não Matar” é um filme tenso, e uma das melhores obras do realizador.
Depois de Ray ter realizado mais dois film-noir, “A Deusa do Mal” (1950) e “Cega Paixão” (1952), estreou-se no género western, com “Idílio Selvagem” (1952) que contou com Susan Hayward, Robert Mitchum e Arthur Kennedy no elenco. Mas foi em 54, no seu segundo western que revolucionou este género, com “Johnny Guitar”. Este é um melodrama passado no velho oeste, que narra a história de Vienna (Joan Crawford), a proprietária de um saloon que conta com a ajuda do seu antigo amor Johnny Guitar (Sterling Hayden) para lutar contra a sua maior rival, levando a um final trágico e sangrento. Ao contrário do que acontecia nos outros westerns, este é protagonizado por uma mulher forte que luta contra outra mulher poderosa. Um filme com cores agressivas e imagens barrocas. Um filme “onde os cowboys desmaiam e morrem com a graça das bailarinas”, diz Truffaut. “Johnny Guitar” afirmou-se de imediato como um clássico do cinema e do western.
No ano seguinte filma aquele que viria a tornar-se no seu filme mais conhecido de todos, “A Fúria de Viver” (1955). É neste filme que Nicholas Ray revela o seu melhor estudo sobre o comportamento dos adolescentes. Um drama sobre três jovens incompreendidos pelos adultos, pela sociedade, que se unem como uma família que se ama e se protege. James Dean, Natalie Wood e Sal Mineo são os jovens protagonistas. James Dean ficou imortalizado pela personagem de Jim e pelas suas roupas, uma t-shirt branca, jeans e um blusão vermelho. Esta imagem tornou-se num símbolo de irreverência e rebeldia, que muitos jovens, de todo o mundo, passaram a usar. Este filme influenciou muitos outros filmes até aos dias de hoje, como “Os Quatrocentos Golpes” (1954), “Kes” (1969), “Kids” (1995) e “Elephant” (2003). Este foi também o primeiro filme em CinemaScope de Ray, um formato que ele viria a usar bastante.
Em 56 filma “Atrás do Espelho” que conta a história de um professor (James Mason) que descobre que está com uma rara inflamação nas artérias e tem poucos meses de vida. Torna-se um viciado em cortisona, provocando reações violentas e imprevisíveis que assustam todos os que o rodeiam. Barbara Rush e Walter Matthau integram também o elenco.
Até ter rodado “55 Dias em Pequim” (1963), filmou mais seis filmes, como “A Justiça de Jesse James” (1957) e “Rei dos Reis” (1961). O primeiro é um western biográfico sobre Jesse James e o segundo é um épico bíblico sobre a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. “55 Dias em Pequim” é o seu último épico feito em Hollywood, sobre a Revolta dos Boxers anti-ocidental ocorrido na China no princípio do século XX. Conta com um elenco de luxo, Charlton Heston, Ava Gardner, David Niven, Flora Robson, John Ireland, Harry Andrews e Robert Helpmann. Com este filme, Ray perde o lado romântico, pela mega produção que Hollywood exigia. Acabando este por ter desistido da realização do filme a meio, sendo que o filme foi concluído por outros dois co-realizadores.
“Lightning Over Water” (1980), a sua última obra, é um relato sobre o seu cancro no cérebro. Wim Wenders junta-se a Ray, que era um grande admirador da sua obra, e juntos realizaram um documentário sobre os últimos dias da vida de Nicholas Ray. Este morre a 6 de Junho de 1979, em Nova York, com 68 anos. Já dizia Godard, “havia o teatro (Griffith), a poesia (Murnau), a pintura (Rossellini), a dança (Eisenstein), a música (Renoir)…e o cinema é Nicholas Ray” e “se não tivesse existido” ele “tê-lo-ia inventado”.
O Cinema 7ª Arte celebra o centenário do nascimento de Nicholas Ray, escrevendo algumas críticas dos seus filmes que serão publicadas nos próximos meses.
Ler crítica – “Fúria de Viver” (1955)