Cinema Português em 2012 – Um caso de estudo (Parte 1)

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Introdução

Pretende-se fazer uma reflexão sobre os filmes portugueses que estrearam em 2012, em Portugal. Foi um ano curioso e marcante para o cinema nacional (estrearam 29 longas-metragens), visto que muitos deles obtiveram um grande sucesso de bilheteira, “Balas & Bolinhos – O Último Capítulo” de Luís Ismael e “Morangos com Açúcar” de Hugo de Sousa. Mas mais importante ainda, muitos outros foram aclamados pela crítica internacional, como é o caso de “Tabu” de Miguel Gomes, “O Gebo e a Sombra” de Manoel de Oliveira e “Linhas de Wellington” de Valeria Sarmiento.

Com este retrato do cinema português em 2012, irei começar com um breve resumo à historia do cinema português, recuando até 1955, o “ano zero”, saltando para o século XXI, focando-me em particular no ano de 2012. A seguir, “O Cinema português vai ter com o público português”, já que este não vai ter com ele, pretendo explorar este novo método de distribuição do cinema português, que tem sido bastante praticado desde o “Filme do Desassossego”, de João Botelho (2010). Criou-se portanto uma maior aproximação com o público português, que lentamente começa a deixar de ser preconceituoso para com o seu cinema. Terminarei a reflexão com, “2013 e adiante, que futuro? “, uma breve reflexão sobre o futuro do cinema português, visto o ICA ainda estar com um corte de 100%.

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Cinema Português no século XXI

Estreava a 1 de dezembro de 1948, em Itália, o filme “Alemanha, Ano Zero” de Roberto Rossellini. O último filme da trilogia da guerra do cineasta. O filme neo-realista mostra uma Berlim dizimada e arruinada, que em tempos já foi bela e poderosa, e que agora terá que se reconstruir do zero, como sugere o título do filme. Berlim teve que começar do zero e reinventar-se. No mesmo ano criou-se em Portugal, durante o Estado Novo, uma “lei de protecção” (1) que instituiu um “Fundo do Cinema Nacional”, que permitiu que os produtores pedissem subsídios e empréstimos para as suas produções. No entanto não foi suficiente e o “ano zero” de Berlim chegou ao cinema português. O ano de 1955 ficou conhecido como o “ano zero do cinema português”, por não ter sido produzido nenhuma longa-metragem de ficção. O cinema nacional, que durante os anos 40 floresceu, na década de 50 estava em degradação, “quantitativa e qualitativa (…) bem patente nesse “número zero de longas metragens registado em 1955.” (2). Diz a lenda que de 60 em 60 anos não há longas-metragens.

Com a necessidade do cinema português se reinventar, surge nos anos 60 o “cinema novo” português, que teve influências da Nouvelle Vague francesa, do neo-realismo italiano e do cinema japonês, encabeçado por Manoel de Oliveira, Paulo Rocha e Fernando Lopes, entre outros. Este movimento dos anos 60 viria a influenciar a nova geração de realizadores portugueses depois do 25 de abril de 1974.

Depois do 25 de Abril, o cinema português passou a ter mais liberdade para se exprimir e para praticar novas técnicas, que viriam a proporcionar uma maior produção nacional de cinema e uma maior difusão de filmes nacionais no estrangeiro. Nos anos 90 vão surgindo novas gerações de cineastas que criam obras inovadoras para o cinema português. Deve-se em grande parte pelos novos critérios de apoio financeiro a primeiras obras, do ICA. O cinema português renova-se nesta década, com: Pedro Costa, Teresa Villaverde, João Canijo, Manuel Mozos, entre outros, quase todos eles vindos da mesma escola de cinema, a Escola Superior de Teatro e Cinema, em Lisboa.

O século XXI trás-nos outra nova geração de cineastas, como Maria de Medeiros, João Canijo, João Pedro Rodrigues, Marco Martins, Miguel Gomes, Joaquim Sapinho, Miguel Gonçalves Mendes, Vicente Alves do Ó, António Ferreira, José Filipe Costa, Gonçalo Tocha, entre outros. Em particular o ano de 2010 é quando notamos numa mudança no cinema nacional, quer quantitativa, quer qualitativa. Nesse ano estrearam 23 longas- metragens, como “Filme do Desassossego” de João Botelho, “Mistérios de Lisboa” de Raoul Ruiz, “José e Pilar” de Miguel Gonçalves Mendes, “Fantasia Lusitana” de João Canijo, “Embargo” de António Ferreira e “Pare, Escute, Olhe” de Jorge Pelicano, por exemplo. O ano de 2010 ficou ainda marcado pela produção de 66 produções nacionais (longas e curtas), tendo sido o melhor ano de produção nacional desde 2004 (3). Em 2011 produziram-se menos 9 produções, mas nem por isso deixou de ser outro ano de excelentes filmes, como “48” de Susana de Sousa Dias, “A Cidade dos Mortos” de Sérgio Tréfaut, “Sangue do Meu Sangue” de João Canijo e “O Barão” de Edgar Pêra, por exemplo. Todos estes filmes obtiveram um razoável sucesso comercial nas salas de cinema portuguesas e, alguns, tiveram bastante sucesso em festivais estrangeiros. Entretanto, em junho de 2011 o governo de Sócrates é substituído pelo atual governo de Passos Coelho, que entra logo a atacar a cultura nacional, em particular o cinema. “o cinema português vive neste momento uma situação dramática, com um corte de 100%, que não tem paralelo em mais nenhum sector de actividade! Com o Instituto de Cinema em absoluta ruptura financeira e sem que o Secretário de Estado da Cultura tenha para isso qualquer proposta ou solução, ao fim de 10 meses de Governo o cinema português corre perigo de vida.” (4).

Apesar dos 23 filmes estreados em 2011, este ano viria a terminar com um dos piores resultados bilheteira de sempre, ou seja, desde 2004, segundo o ICA. O número de espectadores nas salas de cinema em Portugal foi de 15,7 milhões, representando um decréscimo de 5,2% em relação ao ano transato e uma média de 1,5 espectadores por habitante. A receita bruta de bilheteira foi de 79,9 milhões de euros, menos 2,9% do que em 2010. O cinema português também foi bastante afectado, tendo obtido um dos piores resultados de número de espectadores, que contou apenas com 104.442.

De recordar que 2011 foi o pior ano para o cinema nacional, no que diz respeito a número de espectadores. Apesar de terem sido produzidos em Portugal, vinte e três filmes (recorde desde 2004 a par de 2010), foi o ano com que contou com menos espectadores: apenas 104.442.

 

2012 – um ano de muitas estreias e de muitos sucessos

Eis que chegou 2012 e o ICA continua sem abrir concursos para o financiamento de produções nacionais para 2013. Previa-se que 2012 fosse um ano ainda pior que o anterior para as salas portuguesas, sobretudo com o aumento do IVA dos bilhetes de cinema para 13%. O que infelizmente se veio a comprovar. Segundo os dados do ICA fornecidos pela newsletter de janeiro de 2013 (referente aos dados entre janeiro e dezembro de 2012), em Portugal 13.765.672 espectadores foram aos cinemas, menos 12,3% do que em igual período do ano anterior (15.701.649 espectadores). Mesmo assim, em ano de crise, com o ICA sem dinheiro e com a Tobis a ser vendida, o cinema português em 2012 prosperou muito. Melhor ainda, os portugueses foram ver muito do seu cinema.

Neste ano estrearam 29 longas-metragens de produção nacional (seis a mais do que em 2011), tornando-se no ano em que mais filmes portugueses estreiam e segundo os dados do ICA (até 31 de dezembro de 2012), a produção nacional cinematográfica estreada este ano em Portugal já foi vista por 756.298 espectadores. Este é até hoje o melhor resultado de sempre para o cinema português, que superou os dados de 2005, que levou 504.012 espectadores ao cinema, muito por causa de “O Crime do Padre Amaro” que continua a ser considerado o filme português mais visto de sempre, com 380.671 espectadores. Este ano obtiveram-se estes valores também muito por conta de dois “blockbusters” nacionais (sem apoios do ICA), “Balas & Bolinhos – O Último Capítulo” de Luís Ismael, que levou 256.158 espectadores aos cinemas, tendo sido o filme mais visto do ano, e por conta de “Morangos com Açúcar – O Filme” de Hugo de Sousa, visto por 238.200 espectadores. Os dois filmes juntos levaram então 494.358 espectadores. Ou seja, as restantes 27 produções nacionais levaram aos cinemas 261.94 espectadores. Sem contar com estes dois “blockbusters” houve três filmes que levaram mais de 40 mil espectadores, são eles: “Aristides de Sousa Mendes – O Cônsul de Bordéus” de Francisco Manso e João Correa (50.919 espectadores), “Linhas de Wellington” de Valeria Sarmento (49.454 espectadores) e “Florbela” de Vicente Alves do Ó (40.875 espectadores), todos filmes de época, sendo que dois deles são biográficos. “Cosmopolis” de David Cronenberg (29.944 espectadores) e “Tabu” de Miguel Gomes (21.169 espectadores) foram os que tiveram mais de 20 mil espectadores nas salas. No final do ano contabilizaram-se sete filmes de 2012 no Top 40 nacional de filmes mais vistos de sempre (2004/2012).

Com todos estes dados podemos pensar que o público português está a pôr de lado o seu habitual preconceito e a dar uma oportunidade de se reaproximar ao seu cinema. No entanto, estes resultados não seriam os mesmos se não fossem as duas produções independentes ao ICA, “Balas e Bolinhos 3”, uma produção da Lightbox, e “Morangos com Açúcar”, uma produção da Plural e da TVI, que levaram muitos jovens aos cinemas. Ao mesmo tempo dividiram muito a opinião do público português, entre os que não gostam de ver cinema de autor e os que criticam a falta de gosto ou falta de cultura de outros. Certo é que estas duas produções tiveram como público as suas legiões de fãs (grande parte jovens e adolescentes) e apenas isso.

Quanto aos filmes financiados pelo ICA, houve três que foram co-produções internacionais, que levaram bastantes espectadores aos cinemas: “Linhas de Wellington”, produzido por Paulo Branco (Alfama Filmes e Clap Filmes, co-produzido com a France 3 Cinema) e realizado pela chilena Valeria Sarmiento, teve um elenco de luxo nacional e internacional. Foi ainda a produção mais cara do cinema português, até ao momento, tendo custado 4.800.000€; “Cosmopolis” foi também produzido por Paulo Branco (Alfama Films e Prospero Pictures, co-produzido com Leopardo Filmes, France 2 Cinema, Talandracas, Téléfilm Canada e Kinology) e realizado por David Cronenberg; e “Tabu”, realizado por Miguel Gomes e produzido por Luis Urbano (O Som e a Fúria, co-produzido com Brasil, França e Alemanha, com apoios do Programa MEDIA). “Tabu” foi aliás o filme português de maior impacto internacional em 2012. Soube aproveitar muito bem as co- produções, tendo sido vendido para diversos países do mundo. Só em França o filme chegou a 46 salas de cinema, “as 46 salas são “um bom número, melhor do que a média”, já o facto de estar incluído no Télérama sete semanas depois da estreia é “muito bom”, pois vai chegar a outro tipo de público.” (…) “a 20 de Dezembro estreia em 25 salas na Alemanha, depois em 25 cidades nos Estados Unidos, incluindo Nova Iorque, e em 2013 estreia em Itália, Brasil, Argentina e Japão – já estreou no México, Canadá, Reino Unido, Rússia, Áustria e Suíça. Também quarta-feira é editado o livro pelo antigo crítico Cahiers, Cyril Neyrat, No Sopé do monte Tabu – O cinema de Miguel Gomes.” (5). “Tabu” finalizou o ano em grande, para além de ter conquistado o Festival de Berlim (o festival não seleccionava um filme português em competição há 12 anos), foi aclamado pela crítica internacional, tendo sido mencionado em dezenas de listas de melhores filmes do ano. Ou seja, serão as co-produções o futuro do cinema português?

 

Notas:

1) in “Esta legislação então produzida irá enquadrar e marcar toda a produção cinematográfica nacional até à Lei no 7/71, do Governo de Marcelo Caetano.” in, Tendências do Cinema Português;

2) in “O Cinema sob o olhar de Salazar”, de Luís Reis Torgal, Temas e Debates, Círculo de Leitores, pág.307;

3) in Dados do ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual), Anuário 2011;

4) in Petição Cinema Português: Ultimato ao Governo;

5) in Jornal Público “Tabu de Miguel Gomes em 46 salas francesas”, de Joana Gorjão Henriques, 04/12/2012;

Trabalho desenvolvido para o Mestrado em Comunicação Audiovisual, Especialização em Fotografia e Cinema Documental, para a UC de Políticas do Audiovisual (janeiro 2013). Docente – Professor José Quinta Ferreira.

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