Andava António Ferreira na escola de cinema em Lisboa, quando começou a filmar “Embargo”, baseado no conto como mesmo título da obra “Objecto Quase” de José Saramago. Na altura o projecto acabou por ficar guardado na gaveta, já lá vão mais de vinte anos. Foi durante a última grande greve dos camionistas em Portugal que lhe surgiu a ideia de voltar a filmar “Embargo”. Inicialmente previu realizar uma curta-metragem, tendo recebido um subsídio de 43000€ do ICA. No entanto, o projecto acabou por se tornar numa longa-metragem, produzida pela produtora do próprio realizador, Persona Non Grata Pictures e contou aindacom a co-produção de Vaca Films (Espanha), Diler e Associados(Brasil) e Sofá Filmes (Portugal). Depois da antestreia no Fantasporto em Março deste ano, onde recebeu uma Menção Honrosa do Júri Internacional, o filme estreou agora nas salas nacionais, com boas críticas, sendo que é considerado como uma “história negra e absurda de que os irmãos Coen se lembrariam”.
“Embargo” conta a história de Nuno, um homem que trabalha numa roulotte de bifanas, inventou uma máquina que promete revolucionar a indústria do calçado – um digitalizador de pés. A acção passa-se durante um embargo petrolífero em que Nuno tenta obcecadamente vender a máquina, ofuscado por um sucesso que o fará descuidar-se de algumas coisas importantes da sua vida, como a família. Quando Nuno fica estranhamente preso no seu próprio carro e perde uma oportunidade única de finalmente produzir o seu invento, vê inesperadamente a sua vida embargada.
Esta é a terceira adaptação de José Saramago ao cinema, depois de “Jangada de Pedra”, de Georges Sluizer (2000), e “Ensaio Sobre a Cegueira” (2008 ), de Fernando Meirelles. Embora as obras de Saramago sejam muito cinematográficas, muito visuais, não são fáceis de se adaptar. Tal como em todas as obras de Saramago, esta não deixa de ser de cariz social, fazendo uma crítica aos monopólios petrolíferos. O conto “Embargo” é muito curto, é uma anedota absurda e de humor negro. Tiago Sousa escreveu um fantástico argumento, que consegue ser ainda melhor que o conto original de Saramago. Nesta história onde tudo é possível, onde o mundo do absurdo impera, nada nos é justificado. O que de certa forma é bom. A conclusão a que podemos chegar é que há coisas na vida que são difíceis de explicar. Por outro lado, elas não acontecem por acaso.
A realização de António Ferreira é de destacar com nota máxima. O filme está muito bem realizado, com movimentos de câmara excelentes, que marcam o ritmo do filme. A fotografia, da autoria de Paulo Castilho, é outra característica positiva do filme, com tons acastanhados, consegue criar um mundo, por vezes onírico. Também a Banda Sonora, da autoria de Luís Pedro Madeira, é adequada para o género de filme. O elenco apesar de pequeno é grandioso. Filipe Costa, o protagonista, é sem dúvida um actor promissor. No elenco figuram ainda Cláudia Carvalho, Pedro Diogo, José Raposo e Fernando Taborda.
“Embargo” é o reflexo do novo cinema português e talvez um dos melhores filmes portugueses deste ano. Penso que não será um filme bem aceite pelo público em geral, pela dificuldade na compreensão da historia, que apesar de simples, é complexa na medida em que nada é, aparentemente, justificado. Assim é Saramago!
Realização: António Ferreira
Argumento: Tiago Sousa
Elenco: Filipe Costa, Cláudia Carvalho, Pedro Diogo, José Raposo, Fernando Tabord
Portugal/2010 – Comédia/Drama
Sinopse: Nuno (Filipe Costa) é um homem que trabalha numa roulotte de bifanas, mas que inventou uma máquina que promete revolucionar a indústria do calçado – um digitalizador de pés. No meio de um embargo petrolífero e deparando-se com uma estranha dificuldade, Nuno tenta obstinadamente vender a máquina, obcecado por um sucesso que o fará descurar algumas das coisas essenciais da sua vida. Quando Nuno fica estranhamente enclausurado no seu próprio carro e perde uma oportunidade única de finalmente produzir o seu invento, vê subitamente a sua vida embargada…