Era Uma Vez o Western – Os Anos Dourados

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Os Anos Dourados

À medida que o cinema ia evoluindo, também o género western ia evoluindo constantemente. Com a chegada do som, em 1927, o cinema renovou-se por completo. Muitas carreiras de artistas famosos acabaram, mas também muitos géneros ganharam força com o advento do som. É o caso do musical, onde surgiram grandes estrelas como Fred Astaire, Ginger Rogers e Judy Garland e no caso do western, os filmes passaram a ganhar outra dimensão. Infelizmente não consegui encontrar nenhuma fonte que dissesse qual foi o primeiro western totalmente sonoro.

Os anos 30 foram de ouro para Hollywood, principalmente em 1939, que foi um ano em que se fizeram grandes filmes que obtiveram um estrondoso sucesso, como “O Feiticeiro de Oz” e “E Tudo o Vento Levou”, ambos de Victor Fleming, os primeiros grandes filmes filmados totalmente em Technicolor, e “A Cavalgada Heróica” (“Stagecoach”) de John Ford. Este último foi um marco para o género western, que ajudou a revitalizar depois de alguns anos com filmes bastante fracos, e para a carreira de John Wayne, que como protagonista interpretou o papel de Ringo Kid, que escapou da cadeia para se vingar de uns assassinos do seu pai. Ringo junta-se a uma diligência, acompanhado por outros passageiros, que viaja através de território índio perigoso. Pelo caminho Ringo apaixona- se por uma prostituta (Dallas) e a diligência cruza-se com um destacamento militar que os avisa de que os índios estão no caminho deles. A cena final, é uma belíssima cena de tiroteio entre os índios e os passageiros da diligência, no deserto do Monument Valley. Este filme também marcou a carreira de John Ford, que há mais de dez anos não realizava um western, pode com “A Cavalgada Heróica” criar um western moderno, filmando a paisagem do Monument Valley, que se viria a tornar no símbolo do realizador. Os bons resultados de bilheteira ajudaram a fortalecer o género western e a torná-lo um género mais artístico e reconhecido.

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Durante os anos 40 e 50 os estúdios passaram a produzir mais de uma centena de westerns por ano, apesar de grande parte serem filmes de classe B. A chegada da cor ao cinema, technicolor, veio ajudar muito os westerns a transmitirem a beleza e o encanto das paisagens do Oeste, mais especificamente de Monument Valley. Apesar de muitos filmes ainda serem filmados a preto e branco, por o processo de filmagem e revelação ser mais complexo e mais caro, alguns westerns já eram filmados a cor. Por exemplo, “Duelo ao Sol” (1946) de King Vidor, foi um do clássico do western que usou o technicolor, o trio de directores de fotografia Lee Garmes, Ray Rennahan e Harold Rosson conseguiram criar uma magnifica fotografia, com cores vibrantes.

Os westerns do pós-guerra foram influenciados pela guerra. Os filmes em que se tratavam mal os índios, em que estes eram os “maus da fita”, lentamente deixaram de existir. O tratamento dos índios passou a melhorar consideravelmente nos filmes, como na vida real. Isto foi um marco muito importante para a evolução do género. Passou-se a dar mais valor aos direitos humanos, ao Homem. “Porém, a influência profunda da guerra é provavelmente mais indirecta e é preciso discerni-la cada vez que o filme substitui os temas tradicionais, ou que se superpõe a eles, por uma tese social ou moral.”(1). “A Flecha Quebrada” (1950) de Delmer Daves e “Apache” (1954) de Robert Aldrich são alguns exemplos onde os nativos americanos eram tratados com simpatia.

A década de 40, os anos da segunda grande guerra, conquistou muitos realizadores a fazerem westerns e havia muito público que os ia ver a todos, entupindo salas de cinema em todo o mundo. A maior parte dos grandes realizadores da época realizavam pelo menos um western, como William Wyler com “A Última Fronteira” (1940), Fritz Lang com “O Regresso de Frank James” (1940), “Conquistadores” (1941) e “O Rancho de Paixões” (1952); Fred Zinnemann com “O Comboio Apitou Três Vezes” (1952); “Virginia City” (1940) e “A Caminho de Santa Fé” (1940) de Michael Curtiz.

Depois de John Ford ter realizado “A Cavalgada Heróica”, Ford realizou alguns dramas que marcaram a história do cinema, como “A Grande Esperança” (1939), “As Vinhas da Ira” (1940) e “O Vale Era Verde” (1941), os dois primeiros protagonizados por Henry Fonda. Ford só voltaria a fazer westerns em 1946, com “A Paixão dos Fortes”. O ano de 46 foi um período áureo para o cinema e para o western, pelo que depois de 46 Ford realizou a trilogia da cavalaria: “Forte Apache” (1948), “Os Dominadores” (1949) e “Rio Grande” (1950). O cinema de Ford evoluía bastante, tal como a sua visão sobre o western se tornou cada vez mais triste e melancólica ao longo dos anos. Veja-se o exemplo de “A Desaparecida” (“The Searchers”, 1956), que é considerado o melhor filme de John Ford e um dos melhores westerns de sempre, a personagem de John Wayne (Ethan Edwards) regressa da guerra civil a casa e descobre que os seus familiares foram mortos pelos índios. Ethan parte à procura da sua sobrinha que foi raptada e criada pelos índios, percorrendo o Oeste, durante cinco anos, pelo que a personagem heróica de J.Wayne passou a ser mais sombria e obsessiva. Para Ethan, apesar de a sua sobrinha estar a viver com os índios, não significa que esteja viva, pelo que até ao final do filme não sabemos se Ethan a quer matar ou não, tornando-se na personagem mais medonha do filme. No final, Ethan salva-a e leva-a de volta a casa, mas para Ethan não é um final feliz, pois ele vai ficar sozinho, condenado a vaguear pelo deserto.

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O ano de 1962 viria a ser um dos melhores para o género, pois John Ford realizou dois dos maiores clássicos do western bastante distintos, “O Homem Que Matou Liberty Valance” e “A Conquista do Oeste”. O primeiro é um drama, filmado a preto e branco (último filme a preto e branco de Ford) num estúdio (é o único western de Ford em que isso aconteceu) em que Ford realiza um western moderno, como um adeus ao género e aos seus mitos, mas este não seria o seu verdadeiro último adeus, pois tal só aconteceria em 1964, com “O Grande Combate” (“Cheyenne Autumn”). Em “O Homem Que Matou Liberty Valance” James Stewart é um advogado que pensa ter morto um fora-da-lei muito perigoso naquele território, recebendo todos os créditos por esse feito. Mas na verdade quem o matou foi um rancheiro rude, John Wayne, que mantém a verdade consigo. O advogado acaba por saber a verdade, que o rancheiro o salvou de Libery Valance, tendo- o morto a sangue frio, pelas costas. No final um jornalista que estava a entrevistar o advogado, que lhe contou toda a verdade, afirma, “quando a lenda se torna num facto, publica-se a lenda”, ou seja, quando a lenda é melhor do que a verdade, então que se publique a lenda. Neste filme, Ford acaba por questionar o facto de o “bom” ser sempre o melhor no uso do revólver, e não o “mau”. Aqui o “mau” usou a força para o “bem” e morrerá no esquecimento, e quem vai carregar esse peso nas costas para sempre, será o advogado. Segundo o filósofo francês, Gilles Deleuze, o western “é uma forma mais ética o que épica”. “Em, “O Homem que Mataou Liberty Valance” o banido é morto e a ordem restabelecida; mas o cowboy que o matou deixa que julguem que quem o fez foi o futuro senador, aceitando assim a transformação da lei que deixa de ser a tácita lei épica do Oeste para passar a ser a lei escrita ou romanesca da civilização insdustrial.”(2).

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O segundo filme, “A Conquista do Oeste” (“How the West Was Won”), foi realizado por três realizadores diferentes, John Ford, Henry Hathaway e George Marshall, que realizaram um épico, com cerca de três horas, sobre os colonizadores americanos, contado através de três gerações de duas famílias, desde 1830 a 1880. Ou seja, passa por alguns dos momentos mais importantes para o Oeste Americano, como a corrida ao ouro, a guerra civil americana, a conquista do Oeste que estava deserto e a construção dos caminhos de ferro, que são os temas principais do género western. Os realizadores juntaram várias temáticas abordadas no western num só filme. Este poderoso filme juntou grandes actores da altura, num grandioso elenco, como John Wayne, James Stwart, Gregory Peck, Henry Fonda, Lee J. Cobb, Richard Widmark e Eli Wallach, todos eles já fizeram outros westerns. O filme foi filmado com uma câmara de 70mm, e usou a tecnologia do CinemaScope. A realização preocupou-se em preencher todo o espaço do enquadramento, criando planos belíssimos, que mostravam a beleza das paisagens do Monument Valley, do South Dakota (Black Hills), do Utah (montanhas Cedar) e da Califórnia (montanhas High Sierra).

Para além de Ford, havia Anthony Man que contribui bastante para este género. Entre 1950 e 1960, Anthony, realizou onze westerns em que cinco deles são protagonizados por James Stewart. Nestes cinco filmes é possível ver um Stewart diferente do que estávamos habituados a ver noutros filmes, estes westerns revelaram um Stewart mais amargo e duro. “Winchester 73” foi a primeira de oito colaborações entre o realizador Anthony Mann e foi o primeiro western em que Stewart entrou. Depois deste seguiu-se “Bend of the River” (1952), “Esporas de Aço” (1953), “Terra Distante” (1954) e “O Homem que Veio de Longe” (1955). Este último foi um dos primeiros westerns filmados em CinemaScope, que ajudava a acentuar a dimensão e a força deste inquietante filme de acção. A dupla de Anthony Mann e James Stewart ficou conhecida pelo seu estilo único e inovador que marcariam os próximos vinte anos de westerns, mais violentos e um novo tipo de herói.

Howard Hawks, também foi um importante realizador de Hollywood, que ficou conhecido pelos seus westens, apesar de ter feito poucos filmes neste género. Durante o auge do género realizou “Rio Vermelho” (“Red River”) (1948) e “Rio Bravo” (1959). O primeiro é considerado um dos melhores westerns de sempre, mas pouco conhecido entre o público em geral. Conta a história de um criador de gado, Thomas Dunson (John Wayne) junta a sua manada com a manada de Matthew Garth (Clift), um jovem órfão, para formarem um império do gado. Mas os dois discutem e acabam por se separar, dividindo também a manada, Wayne fica furioso e faz tudo para defender a sua manada, mesmo que seja preciso matar o rapaz. Este é um dos melhores filmes, deste género, sobre os primeiros criadores de gado, após a guerra civil.

O segundo filme, “Rio Bravo”, que tem mais de duas horas, é um filme bastante versátil. Um dos mais belos westerns e o melhor de Hawks, que junta boas cenas de acção, com algum romance, humor e música à mistura, levando o espectador a descontrair, a relaxar pela essência do classicismo americano. Este é o filme que imortalizou o trio John Wayne, Dean Martin e Ricky Nelson. O primeiro é o xerife John Chance, o segundo é um bêbado da cidade que tem muito jeito com o revolver, o terceiro é um jovem cowboy cantor e há ainda um velho ajudante manco que trabalha para o xerife. Juntos têm de resistir aos fora- da-lei que cercaram a cidade, para retirar o irmão do vilão da cadeia. A força do filme está no argumento, nos seus inteligentes diálogos, nas fabulosas interpretações dos actores e na realização de Hawks. Em “Rio Bravo” fala-se de violência, coragem e amizade. Um western moderno, que rompeu com os padrões de Hollywood, e que apesar de ser uma história simples foi copiada bastantes vezes noutros westerns. “Rio Bravo” viria a ser o fim do western clássico.

 

1) Retirado do livro “O que é o cinema?”, de André Bazin, pág.211.

2) Retirado do livro “Cinema 1 – A Imagem-Movimento”, de Gilles Deleuze, pág.221.

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