Com o 25 de abril, a censura desapareceu e a liberdade sonhada contagia tudo e todos. Só quem viveu esse período pode lembrar-se de ver as salas de cinema lotadas e longas filas de pessoas que aguardavam entrar na sessão seguinte. Muitos filmes que foram proibidos durante o Estado Novo, estreiam pela primeira vez em Portugal, como é o caso do filme soviético “O Couraçado Potemkine”, de Serge Eisenstein, que quarenta e nove anos depois da sua estreia, chega ao cinema Império, em Lisboa. Ou por exemplo a famosa história do “Último Tango em Paris” (1973), um filme de Bernardo Bertolucci, que passou no cinema Trindade e no Olympia, no Porto, depois da revolução. Devido às suas cenas sexuais explicitas entre Marlon Brando e Maria Schneider, o filme foi censurado, mas com a liberdade o público entupiu os cinemas, empurrando-se para chegarem às salas. Eram aos milhares os que queriam ver o filme e chegavam até autocarros da Galiza, com dezenas de espanhóis para ver o filme, que em Espanha (ainda com a ditadura de Franco), estava censurado. As salas de cinema nacionais chegam mesmo a ser invadidas pelo cinema pornográfico e erótico.
“No dia 25 de abril de 1974 os jornais da manhã publicavam os anúncios de dois filmes portugueses recém-estreados: ‘Malteses, burgueses e às vezes’ e ‘Eusébio, a pantera negra’. Mas nesse dia os projectores das suas salas não se acenderam, tendo saído para a rua todas as câmaras disponíveis…” (1).
Foi mesmo isso que aconteceu, mal se deu a revolução dos cravos, nas ruas de Lisboa, câmaras de realizadores e da televisão registaram tudo o que se passava à sua volta. Tendo o cinema português vivido praticamente sob o domínio da ditadura militar, aquilo que se assistiu nos dois primeiros anos que se seguiram ao 25 de abril, foi um período muito “fértil em experiências, conflitos, lutas partidárias e busca de novas formas de expressão, apresentação e intervenção cinematográfica.” (2) . Era preciso filmar a revolução em curso e os seus protagonistas e tal foi possível com o advento de câmaras mais portáteis, e práticas de manusear no exterior, sobretudo de 16mm, e com a equipamentos de som mais leves. Tenta-se afastar o ‘cinema novo’, dos anos 60, e urge a necessidade em criar um novo olhar sobre a contemporaneidade. No ‘cinema de abril’ surge um cinema militante e ideológico, que tinha como objectivo revelar uma realidade portuguesa, que o Estado Novo sempre negou em mostrar, transformando assim o público e para beneficio das novas gerações. É nesta altura que o documentário se junta à revolução e também ele se revoluciona. Passa a adaptar formatos e linguagens televisivas e jornalísticas, permitindo uma maior proximidade com o público, pois o filme torna-se mais comunicativo.
Viajaram para Portugal muitos realizadores e equipas de reportagem e fotógrafos estrangeiros, registar um acontecimento inédito na época, na Europa, a revolução dos cravos. Desse período foram criados muitos filmes militantes e etnográficos. Esse período foi o PREC (Processo Revolucionário em Curso). O PREC foi o período das atividades revolucionárias, que se iniciaram a 25 de abril de 74 e que terminaram em 76, aquando da aprovação da constituição portuguesa. O ano de 1975 foi o período mais empolgante, tenso e dramático deste processo, daí ser conhecido como o “Verão Quente de 75”.
Daqui surgiram filmes como “Adeus, Até ao Meu Regresso” (1974), “Deus, Pátria, Autoridade” (1975), “As Armas e o Povo” (1975), “Cravos de Abril” (1976), “Torre Bela” (1977), “A Lei da Terra” (1977), “Terra de Abril” (1977), “Terra de Pão, Terra de Luta” (1977), “Bom Povo Português” (1981), por exemplo. Com estes filmes podemos perceber a importância e o poder que a imagem, a câmara, tinha sobre as pessoas. Uma arma que foi usada para fazer um retrato da época. Muitos destes filmes intervieram diretamente nas ações políticas e sociais dos acontecimentos. Estavam acontecer mudanças radicais em todo o país e naquele momento exacto, o cinema intervinha directamente, alterando muitas vezes o curso dos acontecimentos.
Se por um lado durante o Estado Novo existiu o cinema de propaganda ao regime fascista, no pós 25 de abril chegou-se a um cinema militante de esquerda, que deitava a baixo o capitalismo e toda a política de direita. Não seria necessariamente um cinema de propaganda esquerdista, mas andou lá perto. Nos anos 90 vão surgindo novas gerações de cineastas que criam obras inovadoras para o cinema português. Deve-se em grande parte pelos novos critérios de apoio financeiro a primeiras obras, do ICA. O presente do cinema português é outra história que já foi tratada aqui no Cinema 7ª Arte.
(1) “Panorama do Cinema Português (das origens à actualidade” de Luís de Pina, Terra Livre, 1978.
(2) “Panorama do Cinema Português (das origens à actualidade” de Luís de Pina, Terra Livre, 1978.