Kubrick sempre se apaixonara pelas questões relacionadas com a eventualidade de uma vida extra-terrestre, então decide fazer um filme sobre o assunto em 1964, num projecto que levou mais de três anos de investigação e trabalho. Em primeiro lugar, Kubrick reuniu- se com um escritor inglês de ficção-científica Artur C.Clarke e em seis meses escreveram um guião de 130 páginas ao mesmo tempo que Arthur escrevia um livro. Passado um ano o argumento ficava completo. As rodagens com os actores são relativamente rápidas mas o tempo que Kubrick leva a filmar os 205 efeitos especiais é de cerca de um ano e meio; muito por parte do perfeccionismo do realizador e do seu Director de Fotografia que procuravam sempre o efeito mais perto da perfeição o possível, acabando sempre por ser eles a criar a maioria desses mesmos efeitos. O filme fica pronto uma semana antes da estreia. E essa é a simples história de como eles fizeram o filme; mas vamos aprofundar- nos dentro do Universo de “2001 – Odisseia no Espaço”.
Começamos há quatro milhões de anos atrás, quando uma tribo de Hominídeos vê um dos seus membros morrer pelas garras de um leopardo. De seguida a tribo é expulsa por outra tribo rival da sua fonte de água. derrotados, eles passam a noite ao relento sem contar com o que irão encontrar na manhã seguinte: Um enorme monólito negro. Receosos mas motivados pela curiosidade, o grupo primitivo aproxima-se do misterioso objecto e toca-lhe. Inspirado pela experiência um dos elementos da tribo observa um esqueleto de um animal, analisando-o como se de um puzzle se tratasse. Escolhendo um osso de aparência robusta ele começa a esmagar o resto do esqueleto; a primeira ferramenta foi criada. Inicia-se a evolução do Homem.
Pode parecer um pouco estranho quando nos dizem que o filme mais conhecido cuja história se passa no espaço e se centre na inteligência artificial e viagens espaciais tenha um inicio passado na idade da pedra, mas após vermos o filme pela primeira vez conseguimos compreender a pertinência desta primeira parte de “2001 – Odisseia no Espaço”, pois este não é afinal de contas um filme sobre o viagens no espaço, mas sim um filme sobre a viagem do Homem no espaço, bem como o processo evolutivo que o levou lá e todas as consequências que esse processo acarreta.
“2001…” foi criado para ser acima de tudo uma experiência visual. Um poema para os olhos de quem vai ao cinema. Exemplo disso é a rara existência de diálogos, já que Kubrick defendia que neste filme os diálogos poderiam levar a uma distracção do público face ás imagens, fazendo dos diálogos algo ocasional, que surgem apenas quando necessários de forma a trazer ainda mais profundidade e possíveis significados ao filme, reforçando a imagem. A forma como o filme é montado é também bastante peculiar. Todos os cortes entre planos são secos, abruptos, criando um estranho mas interessante sentido de justaposição de imagens quase ao estilo de uma apresentação de Slides. É aliás da montagem que surge a primeira analogia á evolução humana (bem como a maior elipse do cinema, ou pelo menos era até aparecer “A arvore da Vida” de Terrence Malick); milhões de anos passados e a agora moderna raça humana tem nas naves espaciais o que os seus antepassados primitivos tinham com aquele osso robusto: uma ferramenta para poder chegar onde antes era impossível. Com a diferença do que desta vez no lugar de uma fonte de água dominada por uma tribo rival está a vastidão do espaço.
Esta é a segunda e a mais curta das quatro sequências do filme. É nesta parte que compreendemos que quem quer que seja que tenha colocado o monólito negro na terra á quatro milhões de anos atrás na Terra o fez também na Lua, onde enterrou um segundo monólito. O Homem, agora muito mais avançado tecnológica e mentalmente não deixa de ter a mesma reacção curiosa que teve aquando do seu encontro com o primeiro objecto negro milhões de anos antes, sendo que agora o Homem é um ser mais confiante, não demonstrando medo do monólito e aproveitando até para tirar umas fotos ao lado do enigmático objecto. Isto faz com que o monólito comece a emitir um sinal de rádio.
“2001…” foi feito ainda antes da chegada do homem á Lua, durante o auge da corrida espacial e da rivalidade entre Estados Unidos da America e a União Soviética. A fidelidade com que Kubrick retratou estas primeiras imagens espaciais no seu filme é incrível e ainda hoje, passados quarenta anos da estreia, as imagens do planeta terra, da superfície lunar e da “valsa” feita pelas naves e estações espaciais são aclamadas pelo publico e pela critica. Mas há algo mais que se destaca nesta sequência: Os primeiros diálogos do filme. Mais de vinte minutos depois de se ouvir “Assim falava Zarathrustra” de Richard Strauss, heis que surgem as primeiras falas, sendo que trazem alguns significados curiosos. Um dos diálogos mostra duas personagens russas perguntando por informações a uma outra personagem americana responsável pelo investigação sobre o monólito, um certo aceno á possibilidade dos americanos ganharem a luta pelo espaço, ideia que se veio a confirmar pouco de um ano depois quando Neil Armstrong dá os primeiros passos na Lua. Nesta sequência são-nos também mostradas as fragilidades do Homem no espaço: A hospedeira de bordo da nave que está a aproximar-se da estação espacial tem que usar uns sapatos especiais para gravidade zero o que faz com que ela pareça um bebé a dar os seus primeiros passos, tal como o Homem como civilização está ainda a dar os seus primeiros passos no espaço; uma caneta encontra-se a flutuar dentro da nave, possivelmente tendo saído do bolso do passageiro adormecido (e também ele com o seu braço a flutuar pela inexistência de gravidade) mostrando que é preciso a ajuda de terceiros ou de ferramentas para poderem manter-se em segurança no espaço e ainda o famoso panfleto educativo sobre sanitas especiais para ambientes com gravidade zero, rebaixando mais uma vez o Homem, indicando que este tem que reaprender todos os básicos que aprendia em criança de modo a poder funcionar no espaço. Existe ainda outra referencia do género mais tarde no filme quando o astronauta Dave vai ao refeitório da nave e serve-se de uma espécie de papa infantil multi-colorida para se alimentar. Kubrick mostra então um ser humano bastante frágil e pouco preparado para a vasta escuridão do espaço. Esta segunda parte do filme dá também inicio á espectacular ilustração que Kubrick faz do universo. As imagens das naves espaciais a flutuar sobre o negro do espaço.
Fontes:
“1001 Filmes para ver antes de morrer”, de Steven Jay Schneider, Dinalivro, terceira edição, Junho de 2007;
“Guias Essenciais – Cinema”, de Ronald Bergan, edições Civilização, 2008;
“Colecção Grandes Realizadores – Stanely Kunrick”, de Bill Krohn, 22o volume, Cahiers du Cinema, Público, 2008;
“Kubrick”, de Enrico Ghezzi, Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, Novembro de 2003;
“Stanley Kubrick”, de Pierre Giuliani, Horizonte de Cinema, no18, Abril 1992;
“The Making Of – 2001: A Space Odyssey”, de Stephanie Schwan, Martin Scorsese series editor, The Modern Library (New York), 2000;
Artigo escrito por: Eduardo Magueta e Tiago Resende