Esta obra, que conta com a presença da nova estrela-sensação Timothée Chalamet, era das mais promissoras deste ano. Baseada nas obras autobiográficas de Nic e David Sheff, jovem adulto viciado em metanfetaminas e seu pai, a expectativa era a de um filme singular acerca do vício e da dinâmica da relação entre pai e filho.
Por motivos incertos, o filme foi promovido como uma obra de combate à epidemia de opioides que abala os E.U.A. neste momento; porém, embora reconheça o consumo ocasional de heroína pela personagem principal, não me parece ético tirar proveito da atual crise para promover um filme que praticamente não inclui opioides no seu tema.
Existem dois aspetos positivos no filme que são a representação de Chalamet e de Carell como filho perdido e pai desesperado, respetivamente. Também apreciei a vivacidade de Maura Tierney, no papel de madrasta dedicada, que tem o mérito de ser a protagonista da única cena que quase chega a emocionar.
Outro ponto a realçar foi a exposição de uma tipologia familiar que raramente se encontra no cinema: a do pai como principal encarregado de educação, com a mãe relegada a um papel secundário. Não pretendo minimamente aplicar quaisquer juízos de valor, favoráveis ou desfavoráveis, à referida tipologia. Porém, considero que os filmes dedicados a pais são escassos; sendo verdadeiramente comovente observar um pai, no grande ecrã, a amar incondicionalmente a sua prole.
É curioso que todas as vezes que isso sucede, se torna evidente o quão raramente são demonstradas relações pai/filho no grande ecrã – entenda-se, tratadas como matéria central do filme, não apenas como tema acessório.
Apesar dos referidos elementos positivos, a realidade é que estes são insuficientes para contrabalançar as carências criativas que se verificam no filme. Nic (Thimothée Chalamet) nada mais é do que um arquétipo do jovem adulto pretensamente cool. No seu quarto observam-se múltiplos Moleskine, um poster dos Nirvana e “Belos e Malditos” de Scott Fitzgerald, todos milimetricamente dispostos a fim de coabitarem no mesmo plano.
Julguei que a construção da personagem não se poderia tornar mais superficial – isto até Nic começar a declamar Bukowski numa sala de aula. Não sendo suficiente uma única vez, o realizador considera pertinente reintroduzir o mesmo poema, desta vez integralmente, no término dos créditos. Não sei quais os versos exatos que me exasperaram.
Saliento, ainda assim, como menções honrosas “women were something to screw and rail at”; “peace and happiness to me were signs of inferiority, tenants of the weak and addled mind” e, talvez o verso mais infantil, “he must do what he must do, he has a wife, a house, children, expenses, most probably a girlfriend. I am sorry for him he is caught.” A última estrofe do poema traz alguma luz à linguagem de macho imaturo dos restantes versos; porém, nesse momento já Chalamet se encontrava a declamar há mil anos, e as minhas órbitas encontravam-se reviradas até ao limite fisiológico.
Recorde-se “A Vida Não É um Sonho”, de Darren Aronofsky, que também lida com a temática do vício das drogas; recorde-se a profunda sensação de desconforto que se ia imiscuindo lentamente durante todo o visionamento do filme, até alcançar níveis indutores de má disposição física na sequência apoteótica final. Em comparação, “Beautiful Boy” é uma obra de uma insipidez flagrante, sem qualquer ressonância emocional.
Abaixo podem-se comparar frames de ambos os filmes: no de Aronofsky as cores são pouco saturadas, os olhares alheados, os close-ups asfixiantes; na de Van Groeningen parece estar-se perante uma sequela de “Lady Bird”, na qual Kyle Scheible chega à universidade, pronto para se dedicar à destrinça da espionagem governamental. Teria valido bem mais a pena se fosse esse o caso.
Outro aspeto a realçar é a escolha da banda sonora. Optei por sublinhar a palavra escolha, uma vez que as músicas que vão pululando o filme parecem provenientes da versão trial do spotify, na qual uma pessoa tem necessariamente de se subjugar à aleatoriedade do algoritmo, sem margem para opções individuais.
Finalmente, há ainda a questão, amplamente debatida, da edição do filme. Inicialmente procurei dar o benefício da dúvida aos saltos microscópicos ao passado, buscando um qualquer padrão velado num momento inicial; porém, depressa se tornou evidente de que se tratava apenas de uma edição precariamente realizada, arbitrária, da qual facilmente se perdia o fio.
Reconheço o tom crespo das minhas palavras, mas justifico-o de uma maneira simples e sintética: passava da meia-noite quando os créditos rolavam e Chalamet se entretinha a declamar o poema já referido, quando me apercebi que era o meu aniversário; e isso ninguém merece. Bukowski no dia de anos? Haja paciência…