Longe do seu mundo e de qualquer afetividade, Roberto é uma espécie de eremita precoce que encontrou no meio rural o seu precioso refúgio. Contudo, uma carta, que surge sem avisar, rouba tudo isso dele, atirando-o para um turbilhão de álcool e noites mal dormidas sob as promessas de uma imortalidade inalcançável. Enquanto procura resquícios do seu passado nas noites de Braga, Roberto afasta-se mais do seu futuro … se isso está realmente predestinado na sua figura pedante?
José Oliveira, cinéfilo de gema e que tem atingido algum reconhecimento na curta-metragem “Longe: Far”, protagonizado pelo ator José Lopes (falecido em dezembro de 2019) e apresentado no Festival de Locarno, aventura-se numa longa-metragem que se veste num ambiente de festiva soturnidade para nos entregar o percurso autodestrutivo de um homem nas estribeiras da sua própria sorte. Estes são os, como o título indica, “Os Conselhos da Noite”.
Para incorporar esse Roberto, está o ator Tiago Aldeia, pouco a pouco a inserir-se no seio cinematográfico após uma carreira sólida na produção televisiva. O ator que já havia trabalhado com o cineasta Ivo M. Ferreira, é por fim, um protagonista de corpo, alma e de devaneios próprios.
O ator falou com o Cinema Sétima Arte sobre esta sua relação com o próprio Cinema.
Queria-me que primeiro contasse-me sobre a sua experiência naquele que é um dos momentos mais sentimentais do filme, a despedida da sua personagem ao ator José Lopes (o qual, sabemos, que este foi o seu último papel em vida)? E como encara hoje a sua ausência, tendo em preciso momento?
Apenas conheci o José Lopes nesses dias que filmamos no Alentejo, homem generoso, profundo e atento. Acho que a cena passa isso, o que se torna de certa forma uma poética homenagem.
Como concebeu a sua personagem, e de que forma contou com o auxílio de José Oliveira neste processo criativo?
O filme atravessa o percurso emocional do “Roberto”, que está em todas as cenas. Foi indispensável partilhar com o José Oliveira, toda a criação do “Roberto”. Foi uma partilha honesta e intensa, tanto que houve pequenas alterações ao guião para que eu lhe conseguir dar o “Roberto” com toda a carga emocional que ele me solicitou. Um homem perdido e sem nada a perder, um limbo muito interessante para se trabalhar … Pois tudo pode acontecer a qualquer momento.
Existe uma sequência em “Os Conselhos da Noite”, no qual Roberto vagueia por um centro comercial algo abandonado, e por entre as lojas fechadas há um cinema inoperacional. Ora, pegando no facto de José Oliveira ser também programador do Cineclube de Braga que tem tido um papel fundamental na difusão e exercitação da cinefilia fora dos quadrantes de Lisboa e Porto, como vê este desaparecimento das salas, a ascensão dos multiplexes e a importância dos cineclubes? E o que poderemos fazer para devolver o cinema aos mais diferentes recantos (muitos deles cinematograficamente órfãos deste país).
É uma questão pertinente, o comodismo do streaming veio mudar o paradigma. Para mim é essencial que não se desista destes cinemas, que promovem a cultura e a cinematografia a quem as procuram. Talvez se tentássemos torná-los mais dinâmicos, mais atrativos, eventualmente com bares, restaurantes… Galerias de arte… Ideias criativas que os possam ajudar. No entanto, e independentemente do presente, e acredito que no futuro voltarão a estar na moda! Mas até lá, podemos sempre tentar fazer tudo o que pudermos para os manter vivos. A magia de ver um filme num cinema é única.
Tendo uma carreira maioritariamente televisiva, com algumas paragens no cinema (destaco as longas-metragens “Hotel Império” e “Cartas da Guerra”, ambos de Ivo Ferreira, e ainda a curta “Cigano”, de David Bonneville, onde se tornaria, pela primeira vez, protagonista em grande tela), e agora vendo-se como o “cabeça de cartaz” de “Os Conselhos da Noite”, considerará motivo para avançar ainda mais no cinema? Se sim, tem projetos novos em vista nesta área?
Absolutamente! Adoro fazer cinema. Mergulhar intensamente numa personagem “naquele” período de rodagem realiza-me muito. Tenho pena que o nosso mercado seja pequeno, e as oportunidades e condições não sejam muitas. Mas tenho algumas ideias a serem trabalhadas…tudo a seu tempo.
Enquanto ator, que dificuldades ou virtudes (quem sabe) trará estas novas regras de segurança e sanitárias suscitadas pela pandemia no trabalho de atuação e envolvimento com outros atores e profissionais?
É muito difícil ver qualquer virtude, pois evitar a proximidade numa arte em que a emoção se traduz tantas vezes pelo contacto, chega a ser frustrante. Tal e qual como nos é difícil não abraçarmos a nossa família e amigos. E todos nós sentimos falta desse toque!