WHAT IS AND WHAT SHOULD NEVER BE
Certos rasgos de criatividade nos anos 80
Nos Estados Unidos da América, a década de oitenta foi o reflexo de uma economia pujante e de uma tentativa de sobreposição de um conceito cultural sob as restantes, mormente a russa, numa época de Guerra Fria. A um nível cinematográfico, assistimos a um virar de página relativamente aos anos que a precederam, através da construção de uma máquina comercial que pretendia levar os estratos mais jovens aos cinemas através, principalmente, de uma identificação recíproca entre os jovens da ficção e os jovens de carne e osso. Nesta época de emancipação dos brats (fedelhos, em português), a criatividade atingiu níveis esclarecedores até à data, envolvidos na vertigem do progresso técnico dos efeitos especiais e na descrição pormenorizada mas subentendida daquele modo de vida juvenil. Assim, as idas ao cinema em grupo com pipocas e refrigerantes (curiosamente sempre Pepsi), as sleepovers em casa de amigos de colégio, as tardes de domingo passadas no shopping mall, os miúdos populares vs nerds e geeks, os part-time de Verão, as corridas de skate, BTT e racing cars, etc, começavam-nos a chegar como sinal de modernidade. Ao construir estes filmes à volta de personagens adolescentes, a industria introduzia um novo conceito de estrela, adorados pelos seus actos praticados no grande ecrã (sempre com uma atitude de rebeldia e confronto geracional, como que dizendo: este é o mais recente e mais aceitável way of life norte- americano). Neste contexto, são exemplo filmes como “Breakfast Club” (1985), “Sixteen Candles” (1984), “St Elmo’s Fire” (1985), “Pretty in Pink” (1986), ou “Oxford Blues” (1984).
No entanto, e como esta normalidade não basta, outras narrativas baseavam-se em histórias em nada comuns e, muitas vezes, envolvendo personagens de outros mundos e dimensões temporais. Em “The Wraith” (1986), Charlie Sheen é um adolescente que volta à Terra para vingar a sua própria morte às mãos do líder de um gangue (Nick Cassavetes), contando com a ajuda de um automóvel imbatível que aparece e desaparece consoante a sua vontade; em “Night of the Comet” (1984), Catherine Mary Stewart e Kelli Maroney são duas valley girls que escapam à extinção da raça humana provocada pelo avistamento de um cometa (que afinal teve a influência de uma organização mais ou menos duvidosa); em “Chopping Mall” (1986), um grupo de adolescentes presos durante a noite num centro comercial é perseguido por uma série de robots pouco amigáveis; em “Frankenhooker” (1990), James Lorinz é um estudante de medicina que reconstrói o corpo da falecida namorada com partes dos corpos de prostitutas, transformando a sua própria amada numa mulher da noite.
Em todos estes, a suposta normalidade, a rebeldia e o factor de diferenciação estão lá: um vingador que viaja do além para salvar os jovens oprimidos de uma pequena vila, duas adolescentes que sobrevivem à Humanidade através de um modo de vida que esta mesma lhes impõe, um grupo de oito jovens que numa noite de rebeldia e de festa num estabelecimento comercial onde trabalham se vêm perseguidos por agentes do avanço tecnológico criados para os proteger (quem nunca imaginou, em miúdo, passar uma noite num centro comercial deserto e os mistérios que este encerra?), e um jovem estudante de medicina que não consegue aceitar a perda do amor da sua vida, tentando a todo o custo reave-lo.
Importa, pois, perguntar: o que fez o tempo a estes filmes? Quem somos nós passadas três décadas? A esta distância compreendemos, claramente, que os tempos mudaram. Embora os hábitos juvenis se mantenham (em parte) eles foram catapultados pelo avanço da tecnologia e o acesso individual facilitado a esta. Com a globalização, o estado norte-americano deixou de possuir o monopólio da influência mundial, e os países asiáticos lutam ombro-a-ombro com as marcas do Tio Sam. O acesso a estes meios de informação e comunicação possibilitou também a diferenciação – será mesmo assim? – entre os indivíduos, adoptando hábitos e comportamentos de pequenos grupos onde determinado número de pessoas possui os mesmos interesses e modo de vida. A distribuição audiovisual (do Cinema, em particular) alterou-se, e as idas aos cinemas deixaram de ser tão relevantes.
Quanto aos filmes propriamente ditos, a esta distância poderão parecer-nos, no mínimo, cómicos. Estamos já habituados a efeitos especiais ultra-naturalistas, cujos orçamentos surgem no topo dos gastos encarregues da produção. Mas porque ao contrário do que nos podem fazer crer – e quero acreditar que muitos leitores pensam como eu – os artefactos estilísticos não fazem um filme, recomendo que os conheçam.