Traições (Tromperie) é o último filme do realizador francês Arnaud Desplechin a chegar às salas de cinema depois do aclamado Roubaix, Misericordia-Roubaix ,Une Lumière, de 2019. E se no último filme o realizador explorava os problemas sociais de um dos bairros mais problemáticos de França, em Traições a realidade centra-se na cumplicidade de dois amantes em Londres.
O filme resulta de uma adaptação do romance Deception, de 1994, do escritor americano Philip Roth (editado em Portugal pela Dom Quixote com o título Engano). Acontece que as adaptações feitas dos romances de Philip Roth para filmes (The Human Statin- A condição humana, American Pastoral- Pastoral Americana, Indignation-Indignação) nem sempre foram bem recebidas para o público em geral e nem para os fãs de Roth ou para o próprio escritor. Aliás, no livro-biografia “Roth”, escrita por Blake Bailey, pode ler-se que para o próprio Roth as adaptações feitas no cinema o deixavam envergonhado, apesar de tentar ajudar os próprios actores sobre como trabalhar as suas personagens. De uma forma simpática, elogiava o trabalho das equipas mas o resultado ficava aquém das suas expectativas. (Deixo a nota que há a adaptação de The Plot Against America para mini-série, e que não deixa de ser um bom pedaço de entretenimento digno que a HBO se deve orgulhar de disponibilizar.)
Mas, voltando a Traições, o filme conta a história de um escritor americano chamado Philip, interpretado por Denis Podalydès, casado, a viver em Londres e que se refugia no seu escritório para trabalhar no seu romance. É lá que mantém os encontros com a sua amante inglesa interpretada pela bela Léa Seydoux e é a actriz que consegue segurar o filme com alguma dignidade até ao fim. Não é fácil retratar a intimidade, falar sobre ela e entender a cumplicidade de ambos, ao mesmo tempo que se tenta recriar um livro e manter um espectador atento. Já se sabia a responsabilidade que uma obra tão íntima pode trazer sempre que há um livro primeiro mas a vontade está lá e assistimos ao esforço, mas…aí está o problema para quem conhece ou não conhece a obra de Philip Roth. Os diálogos são pobres, desprovidos essencialmente da entrega do actor ao papel de Philip, pelo que não estou certa se Philip Roth gostaria de estar a assistir. Mas vale-nos a amante, Léa Seydoux, que no meio do seu casamento também sem fundo tenta encontrar através de Philip toda a forma de viver, ter prazer e ter intimidade sem arrependimento e culpa.
Apesar de ser um romance biográfico (não literalmente mas sabemos que sim), haveria material suficiente para o realizador adaptar mas não foi suficiente. Por mais que Arnaud Desplechin admire Philip Roth, não é fácil superar as expectativas. É difícil molhar as palavras quando a intimidade não corresponde da mesma forma ao prazer no grande ecrã. As melhores conversas ficam para o fim e é aqui que assistimos ao mais belo dos diálogos do filme. Viva a coragem de quem ainda tenta adaptar Philip Roth!