Neste domingo (1º), a 81.ª edição do Festival de Veneza apresentou “Ainda Estou Aqui”, o mais recente trabalho de Walter Salles. Baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva sobre a sua família, o filme assinala o regresso do realizador após uma pausa de 12 anos desde “Na Estrada” (2012).
A exibição foi recebida com uma ovação de 9 minutos e 46 segundos, e a imprensa internacional reagiu de forma muito positiva, apontando o filme como um forte candidato a uma nomeação para os Óscares.
A jornalista Mariane Morisawa, do portal brasileiro Terra, relatou que a sessão começou com atraso e teve uma plateia majoritariamente brasileira. Ela observou que, durante o último terço do filme, muitos espectadores estavam a chorar. No final da exibição, Walter Salles, Selton Mello e Fernanda Torres estavam visivelmente emocionados e não conseguiram conter as lágrimas.
Esta é a terceira vez que Salles participa do festival, que se realiza de 28 de agosto a 7 de setembro. Anteriormente, ele participou em 2001 com o longa “Abril Despedaçado” e, em 2009, foi agraciado com o Prémio Robert Bresson pelo conjunto da sua obra.
Ainda Estou Aqui
Estrelado por Fernanda Torres, Selton Mello e Fernanda Montenegro, “Ainda Estou Aqui” passa-se no Brasil de 1971, num contexto de crise e crescente controle da ditadura militar.
Baseado nas memórias de Marcelo Rubens Paiva sobre a sua mãe, Eunice Paiva, o filme conta a história verídica de uma mãe de cinco filhos que é forçada a tornar-se ativista após o seu marido ser sequestrado pela Polícia Militar e desaparecer sob a sua custódia.
O longa ainda não tem data de estreia definida.
Recepção da crítica em Veneza
Entre os aspetos destacados pelos críticos das principais publicações do setor, a atuação de Fernanda Torres foi particularmente salientada. Ela interpreta Eunice Paiva, a mãe do escritor Marcelo Rubens Paiva, num papel que é complementado pela interpretação de sua mãe, Fernanda Montenegro, que dá vida à versão mais velha da personagem.
Para Leila Latif do IndieWire “A atuação de Fernanda Torres como Eunice é tão espetacular quanto a sua filmografia sugere, destacando-se como uma das maiores atrizes do continente sul-americano em papéis em “Foreign Land” (também dirigido por Salles) e tendo ganho a Palma de Ouro de Melhor Atriz em “Love Me Forever or Never”. A sua Eunice possui uma força e um estoicismo fenomenais, o que torna cada momento de dor que transparece através das fendas da sua armadura ainda mais comovente”.
Em acréscimo a Latif, Stephanie Bunbury, do Deadline, vaticinou que o desempenho de Torres “É uma performance que deve catapultá-la para a corrida por prémios, 25 anos depois que sua mãe Fernanda Montenegro foi nomeada aos Óscares pelo filme inovador de Salles, “Central do Brasil””.
Acrescentou ainda: “A Fernanda mais velha aparece neste filme como Eunice em sua senilidade, quando ela estava vivendo com Alzheimer, mas ainda conseguia reconhecer uma fotografia de Rubens. Esta também é uma celebração cultural, embora de um tipo diferente: mãe e filha ícones do cinema brasileiro, aparecendo no mesmo filme”.
Wendy Ide, do ScreenDaily, também elogiou a brasileira, destacando que “a sua performance magnífica e intrincada conduz o filme”.
Ditadura militar
Além da atuação de Torres, o cenário do filme também atraiu a atenção dos críticos.
David Rooney, do The Hollywood Reporter, destacou: “Embora existam muitos filmes impactantes sobre os 21 anos de ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985, e regimes semelhantes na América do Sul, poucos capturam o espírito de protesto contra os abusos do governo militar com tanta intimidade quanto “Ainda Estou Aqui”. Esse aspecto é aprofundado por evidências ao longo do filme do investimento pessoal de Salles na história real da família Paiva depois que o patriarca Rubens (Selton Mello), um ex-deputado, foi levado de sua casa no Rio de Janeiro em 1971, ostensivamente para dar um depoimento, e nunca mais foi visto ou ouvido falar dele”.
Xan Brooks, do The Guardian, complementa, descrevendo o filme como “um drama sombrio e sincero sobre o desaparecimento de uma nação”.
Já Jessica Kiang, da Variety, observa que é um “retrato profundamente comovente da memória sensorial de uma família — e de uma nação — dilacerada. A trágica história do desaparecimento de Rubens Paiva em 1970, nas mãos da ditadura militar brasileira, é apresentada com beleza e dignidade, através dos olhos da esposa e dos filhos que enfrentaram essa dor.”