Xavier Dolan: Ama-me ou deixa-me

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“The Death and Life of John F. Donovan”, a sua primeira longa-metragem em inglês, chegará brevemente aos cinemas com Kit Harington como protagonista. O filme acompanha um ator de Hollywood que vê a sua vida transformada quando a sua correspondência com uma criança de 11 anos é exposta. Jacob Tremblay, Natalie Portman, Susan Sarandon, Kathy Bates e Adele integram também o elenco. Antes deste filme, Xavier Dolan realizou outros seis.

Aos 6 anos, Dolan viu “Titanic” e decidiu que queria dedicar a sua vida ao cinema. Realizou a sua sua primeira longa-metragem aos 20 anos de idade, tendo sido produzida, financiada e representada pelo próprio cineasta. “Como Matei a Minha Mãe” traz alguns dos elementos que seriam constantes na sua carreira: a homossexualidade e os conflitos familiares. O filme conquistou os críticos e o júri de Cannes e tornou-se num dos filmes mais vistos no Canadá. Foi distribuído em mais de vinte países e estreou em Portugal em 2010 no IndieLisboa.

Xavier Dolan apresenta-se como um cineasta prematuro, mas com uma metodologia meticulosa. Como uma peça de teatro, Dolan explora a profundidade cénica e a relação câmara-personagem. A música conquista também o seu lugar nas obras, com variações intensas de géneros, sensações e sentimentos. O preconceito incomoda e fere Dolan, refletindo-se na sua obra, que navega pelos vícios da sociedade.

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Hoje, com 29 anos, já são muitos os prémios e as nomeações que teve no Festival de Cannes. Foi com “Mamã” que Dolan ganhou o Prémio do Júri. Com “Tão Só o Fim do Mundo”, o realizador arrecadou o Grand Prix, o Prémio do Júri Ecuménico e a nomeação para a Palma de Ouro.

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Como Matei a Minha Mãe (2009) – O protótipo.

“Como Matei Minha Mãe” segue Hubert (Xavier Dolan) e a sua mãe Chantale (Anne Dorval) numa tempestuosa relação de amor-ódio, que perde peso no decorrer da longa. É um filme cru, com alguns problemas de realização, naturalíssimo para uma longa de estreia. Com uma trilha sonora bem escolhida e uma direção de arte astuta, o que falha, por vezes, é o próprio enredo, que se torna arrastado e desgastante. A obra de Dolan é relevante por trazer uma profundidade que faz com que o espectador se lembre da tempestade que foi a sua adolescência, onde a figura da mãe tanto toma o lugar de farol como de precipício. 

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Amores Imaginários (2010) – o Homem não foi feito para viver sozinho.

No seu segundo filme, Dolan traz uma pérola pop revestida com um estilo vintage, à luz de uma comédia leve e de entrevistas. O enredo centra-se na paixão platónica de Marie (Monia Chokri) e do seu melhor amigo Francis (Xavier Dolan) pela mesma pessoa, Nicholas (Niels Schneider),  um rapaz do interior que acaba de se mudar para Montreal. Ainda com alguns lapsos na cadência narrativa do filme e na forma, que cansa pela repetição, a evolução é evidente. 

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Laurence Para Sempre (2012) – É apenas natural.

Lançado em 2012, “Laurence Para Sempre” é um marco do cinema queer. Xavier Dolan voltava a realizar um filme escrito e produzido por si, assumindo também a montagem e os figurinos. Esta é a história de Laurence Alia (Melvil Poupaud), um professor de literatura, que vive com a companheira, Fred Belair (Suzanne Clément), uma assistente de realização. Os dois vivem um grande amor, eterno e absoluto, até que Laurence anuncia à namorada que deseja tornar-se uma mulher. É a afirmação de Xavier Dolan enquanto cineasta, agora dono de uma estética própria e de argumentos originais, questionando os valores da sociedade e o amor independente do género e as relações pessoais.

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Tom na Quinta (2013) – Os campos de milho que cortam como lâminas.

Um personal favourite, Tom na Quinta mistura o terror, o suspense, a paixão e a sensualidade no ecrã. Acompanhamos Tom (Xavier Dolan), que se aloja na casa de Guillaume, o seu namorado, e presencia o seu funeral. Mas quando Tom chega, apercebe-se de que ninguém sabia da relação que os unia e tem de vestir a pele de outra pessoa, mantendo a ideia que a mãe tinha de um filho heterossexual, muito por pressão de Francis (Pierre-Yves Cardinal) irmão do falecido. O filme explora a relação de abuso entre Tom e Francis, homofóbico, que só consegue mascarar o desejo que sente pelo protagonista através de danças, meias palavras, lutas corporais e ameaças de morte, aprisionando-o na quinta perdida no meio de nenhures, muito ao estilo das localidades rurais americanas. Ainda é um realizador em crescimento, demarcando-se da imagética hipster com que nos habituou nas obras anteriores.

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Mamã (2014) – Anyway, Here’s Wonderwall.

“Mamã” divide o Prémio do Júri do Festival de Cannes desse ano com “Adeus à Linguagem”, de Jean-Luc Godard, e Dolan mostra um filme de impactos, colisões e conflitos. Nesta ficção- científica, o governo canadiano aprova a lei S-14, que permite aos familiares abandonar os jovens problemáticos aos cuidados do governo a qualquer momento, sem os entraves da burocracia. Steve (Antoine-Olivier Pilon) é um adolescente violento que é expulso da escola, depois de incendiar a cafetaria. Recai sobre a sua mãe, a viúva Diane Després (Anne Dorval), mulher de emprego instável e não muito exemplar nos modos e gestos, a responsabilidade de ficar com ele a tempo inteiro. Fica aqui uma das cenas mais líricas do cinema desta década, ao som de “Wonderwall” dos Oasis.

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Tão Só o Fim do Mundo (2016) – A queda de um anjo?

Louis (Gaspard Ulliel) é um escritor que regressa a casa depois de 12 anos de ausência para contar à família que está à beira da morte que faz lembrar um Ulisses: o regresso de um bem-sucedido e transformado filho à casa de uma família mal-amada. Adaptado de uma peça de teatro escrita por Jean-Luc Lagarde, Dolan cria uma atmosfera opressiva e claustrofóbica, desdobrada em quatro blocos de texto, quase todos monólogos, nunca fluídos ou diluídos durante a longa. O seu estilo típico, com banda sonora recheada de êxitos pop, cores saturadas, e iluminação dramática talvez comece a tornar-se demasiado recorrente.

De jovem prodígio a enfant terrible, Dolan recebeu as piores críticas da sua carreira aquando da estreia da sua última longa: não houve grande consenso na atribuição do Grand Prix em 2016 a “Tão Só o Fim do Mundo” e o cineasta, entre lágrimas, chegou mesmo a dizer que pensou em não fazer mais cinema. Assiste-se à queda de um anjo e resta-nos questionar: será Dolan merecedor de todo o frenesim que recebeu de Cannes e do mundo?

Mas, como Ulisses, Dolan regressará à “joie de faire des films”. O bom filho a casa torna.

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