Somos atirados para a Roménia de 1987, ainda sob comando do regime comunista. Itens como sabão ou cigarros eram considerados luxos; o uso métodos contracetivos ou o aborto eram ilegais e o aborto chegava a dar pena de prisão. Era necessário recorrer ao contrabando para obter esses objetos, que são dados como adquiridos hoje em dia, mas também era preciso recorrer a meios ilícitos caso houvesse a necessidade de abortar – que é o caso de Gabita (Laura Vasiliu). Com receio e sobrecarregada por toda esta situação, pede ajuda à sua colega de quarto, Otilia (Anamaria Marinca), apesar de não vermos como esta conversa se passou. As primeiras falas da obra são “Ok” e “Obrigado”, o que sugere toda uma conversa e planeamento bastante anteriores ao momento do começo deste “4 Meses, 3 Semanas e 2 Sias” (2007).
O filme abre com um plano sequência com sensivelmente dois minutos, imediatamente seguido por um outro com duração um pouco superior. O uso deste recurso repete-se ao longo da obra, e a meu ver sempre acertadamente, porque acredito que o corte deve ser usado apenas quando estritamente necessário, e não sempre que uma personagem tem uma fala, o que altera imensamente o ritmo do filme, e principalmente o efeito que provoca no espectador. A escolha do realizador em utilizar longos planos de sequência dá a possibilidade de absorver o espaço, de olhar em todas as direções e recolher toda a informação possível, de estarmos no local com aquelas personagens: consegue verdadeiramente transportar-nos para a Roménia de 1987.
Há uma cena em que Otilia visita a casa do namorado, Adi (Alexandru Potocean), e aí há um plano sequência que tem duração superior a 7 minutos. Estão várias pessoas à mesa, a celebrar o aniversário da mãe de Adi, no entanto, a câmara está fixa e centrada em Otilia, que tem pouquíssimas falas neste espaço de tempo. O ambiente daquela celebração, onde se encontram vários médicos e pessoas com estudos, opõe-se às raízes de Otilia, cujos pais são pessoas de origens simples. É notório o aborrecimento e desagrado que isto lhe causa, mas Mungiu torna a situação muito mais rica, ao deixar que as expressões faciais e o silêncio da personagem falem mais alto do que qualquer linha de diálogo. Este ambiente festivo opõe-se também ao que se passa com Gabita, o que ajuda ao mal-estar visível na personagem principal durante esta cena.
É complicado fazer uma análise mais aprofundada do enredo do filme sem entrar em detalhes concretos e revelar pontos fulcrais da história. O que pode ser dito é que Mungiu criou personagens realistas, colocou-as num universo também real (e não muito distante no tempo) e estes fatores juntos criam um drama pesado. Talvez o único momento de humor (negro) seja no final, onde Gabita pede uma refeição e Otilia está sentada e olha diretamente para a câmara. Não existem close ups intensos nos momentos mais dramáticos e não há banda sonora para nos distrair do que realmente importa, do que se passa no ecrã. A câmara é preferencialmente usada à mão, aliás, é seguro afirmar que 90% do filme usa este método, mais uma contribuição para o sentimento de presença física nesta Roménia do período comunista, e por sua vez mais uma escolha inteligente de Cristian Mungiu.
Feito com um orçamento a rondar os 600.000 euros, de fazer inveja à grande maioria dos blockbusters nas dezenas ou centenas de milhões. Vencedor da Palma de Ouro em 2007, nomeado para o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e, surpreendentemente, nem sequer foi nomeado para o Óscar de melhor filme estrangeiro, o que levou a reformas na maneira como a categoria é adjudicada.
Se é verdade que no final estamos drenados emocionalmente, não é menos verdade que vale a pena fazer esse esforço e comprometer duas horas do nosso tempo para ver atentamente este filme, uma viagem à Roménia de outros tempos, que tem como base um tema ainda hoje controverso, mas no fundo coloca-nos a seguinte questão: quão longe irias por um amigo?