O mestre do suspense está de volta. A partir de 25 de Dezembro, o cinema Medeia Nimas acolhe uma das retrospectivas mais ambiciosas em Portugal nos últimos tempos, com 37 filmes, a mais completa homenagem ao cinema de Hitchcock desde o emblemático ciclo organizado pela Cinemateca e pela Fundação Gulbenkian em 1982.
Será uma oportunidade única para conhecer ou revisitar aquele que é considerado o realizador que todos reconhecem, mas cuja fórmula ninguém consegue reproduzir na totalidade. Nos anos 50, os jovens críticos dos Cahiers du Cinéma e futuros cineastas como Truffaut, Chabrol e Godard tratavam-no como uma divindade do seu Olimpo.
Esta retrospectiva percorre cinco décadas de criatividade hitchcockiana. Arranca com “Chantagem / Blackmail” (1929), último filme mudo e primeiro sonoro do realizador, apresentado nas duas versões.
Seguem-se os clássicos britânicos dos anos 30, de “O Homem que Sabia Demasiado” a “A Pousada da Jamaica”, e “Rebeca”, obra que o projetou em Hollywood e lhe garantiu o Óscar de Melhor Filme.
A programação inclui ainda títulos que continuam a fascinar o público: ” A Mulher que Viveu Duas Vezes”, “Psico”, “A Janela Indiscreta”, “Os Pássaros”, “Intriga Internacional”, bem como filmes menos conhecidos, mas de igual encanto, como “O Sr. e a Sra Smith”, “A Corda”, “Confesso!” e “Sob o Signo do Capricórnio”.
Como está dividida a retrospectiva?
A retrospectiva está organizada em duas partes.
A primeira parte do ciclo começa a 25 de Dezembro de 2025 e inclui filmes como “Chantagem” (1929), exibido nas versões muda e sonora, “O Homem que Sabia Demasiado” (1934), “Os 39 Degraus” (1935), “Desaparecida!” (1938), “A Pousada da Jamaica” (1939), “Rebeca” (1940), “O Sr. e a Sra. Smith” (1941), “Sabotagem” (1942), “Mentira” (1943), “A Casa Encantada” (1945), “Difamação” (1946), “Sob o Signo de Capricórnio” (1949), “Pânico nos Bastidores” (1950), “O Desconhecido do Norte-Expresso” (1951), “Confesso!” (1953), “Ladrão de Casaca” (1955), “A Mulher que Viveu Duas Vezes” (1958), “Psico” (1960), “Os Pássaros” (1963), “Marnie” (1964) e “Frenzy – Perigo na Noite” (1972).
A segunda parte do ciclo inicia a 22 de Janeiro de 2026 e apresenta “Valsas de Viena” (1934), “À 1 e 45” (1936), “Jovem e Inocente” (1937), “Suspeita” (1941), “Um Barco e Nove Destinos” (1944), “O Caso Paradine” (1947), “A Corda” (1948), “Chamada para a Morte” (1954), “A Janela Indiscreta” (1954), “O Terceiro Tiro” (1955), “Falso Culpado” (1956), “O Homem que Sabia Demais” (1956), “Intriga Internacional” (1959), “A Cortina Rasgada” (1966), “Topázio” (1969) e “Intriga em Família” (1976).
Todas as sessões serão exibidas em cópias digitais restauradas e os horários serão anunciados brevemente no site da Medeia Filmes.
O cinema de Hitchcock
Hitchcock sabia, como poucos, que o suspense verdadeiro germina da antecipação do perigo. Para ele, o público deveria estar um passo à frente das personagens, conhecendo segredos que estas ainda ignoravam, como quem descobre a trama antes do teatrólogo erguer o pano.
Em “Intriga Internacional” (1959), a memorável cena do avião agrícola a perseguir Cary Grant não é memorável apenas pelo ataque em si, mas pelo modo como a câmara nos revela a planura desolada da paisagem. Antes do primeiro disparo, o espectador já pressente que não haverá abrigo, e quando o avião se aproxima, o coração dispara como se fosse o próprio Grant a fugir.
O mestre do detalhe deliciava-se em brincar com a atenção do espectador. Em “Janela Indiscreta” (1954), a câmara aproxima-se das mãos de Grace Kelly a sinalizar para James Stewart. Sem uma única palavra, entendemos que algo grave se passou e que ambos correm perigo. Quando Lars Thorwald ergue o olhar e percebe que está a ser observado, a tensão explode, silenciosa mas inescapável, deixando-nos cúmplices desta dança de olhares e suspeitas.
Embora soubesse manipular o som com mestria, como os estridentes violinos de Bernard Herrmann em “Psico” (1960), Hitchcock considerava-se acima de tudo um contador visual de histórias. Aprendeu nos filmes mudos que a câmara podia ser mais que um simples observador; podia revelar segredos, estados de espírito e motivações ocultas. Movimentos ousados, cortes inesperados e planos subjetivos eram os seus encantamentos preferidos, capazes de transportar o espectador para dentro da mente das personagens, como se a própria tensão fosse palpável.
Em “A Mulher que Viveu Duas Vezes” (1958), o famoso zoom dolly confere-nos a vertigem do protagonista, combinando medo, choque e desorientação em simultâneo. Em “Janela Indiscreta”, passamos longos minutos espreitando com Jeffries, descobrindo pistas e pequenas tragédias domésticas como se fôssemos cúmplices de uma brincadeira perigosa.
Hitchcock transformava os planos em armadilhas delicadamente orquestradas. Os enquadramentos, os movimentos da câmara e os gestos das personagens eram calculados para prender o espectador ao ecrã, manter a sua atenção suspensa e fascinar pela pura alquimia do cinema, numa mescla de arte e perversidade que só ele sabia conjurar.

