“José e Pilar” é outro caso único do cinema português e uma surpresa para todos. Em Portugal, o género documental costuma ter algum sucesso em festivais nacionais e estrangeiros, mas por norma não isto não acontece com o público. Este documentário de Miguel Gonçalves Mendes conseguiu contrariar um pouco essa norma, chegando aos 18.088 espectadores (1). Segundo os dados estatísticos do ICA, este é o segundo documentário português mais visto em exibições comerciais desde 2004 (à frente está “Fados”, de Carlos Saura, com 34.151 espectadores). É um dos melhores documentários portugueses de sempre e um dos melhores filmes do ano. “José e Pilar”, que foi distinguido com o Prémio do Público na Mostra de Cinema de São Paulo 2010 e no DocLisboa 2010, é um olhar sobre a vida de um dos grandes criadores do século XX e a demonstração de que, como diz Saramago, “tudo pode ser contado de outra maneira”.
Com o documentário “Autografia/Um Retrato de Mário Cesariny”, Miguel Gonçalves Mendes recebeu o Prémio de Melhor Documentário Português no DocLisboa 2004. “José e Pilar” realizado por Miguel Gonçalves Mendes, resulta de uma co-produção da El Deseo (Espanha), associada ao realizador Pedro Almodóvar, da O2 (Brasil), produtora do realizador Fernando Meirelles e da Jump Cut (Portugal), do cineasta Miguel Gonçalves Mendes. Este documentário é um retrato intimista da vida do escritor José Saramago e da sua mulher, Pilar Del Rio. Uma história entre José e Pilar e sobre o amor que ambos tinham à vida.
Em “José e Pilar” é possível entrarmos no universo de Saramago e Pilar, acompanhando o dia a dia destas duas magníficas pessoas, que tem uma visão muito particular do mundo. O filme acompanha todo o processo de escrita do livro “A Viagem do Elefante”, ou seja, desde a primeira ideia (2006), até ao lançamento do livro e da primeira ideia para o livro de “Caim”, finais de 2008, passando pela fase da doença que deixou Saramago muito frágil e o atrasou na escrita do livro.
Contado em três actos, no primeiro vemos o árduo trabalho do casal, em constantes viagens de carro e de avião por todo o mundo, com conferências de imprensa, reuniões e sessões de autógrafos. Vemos a Biblioteca de Saramago, em Lanzarote, ser inaugurada e o processo de escrita do seu novo livro “A Viagem do Elefante”. No segundo acto, Saramago fica doente, devido à stressante vida que levava, com excesso de trabalho. Pilar cancela toda agenda de José, pois este encontrava-se muito mal. Saramago ficou internado no Hospital durante vários meses, tendo estado perto da morte. No terceiro acto, já recuperado e com força, Saramago, agarra-se energicamente à escrita do seu livro. Durante vários meses vemos Saramago a escrever o livro e à abertura da maior exposição alguma vez feita ao nosso Prémio Novel da Literatura. Em 2008, é lançado o livro, no Brasil e Saramago, durante a viagem de regresso a casa, tem outra ideia para o seu próximo livro, que seria “Caim”.
“José e Pilar” é um documentário tão verdadeiro, que ficamos mesmo a conhecer estas duas pessoas, que se amam. José Saramago é um homem muito inteligente, com um enorme sentido de humor e com uma grande vontade de viver e de mudar o mundo, e por isso, é um documentário optimista. Saramago, mesmo nos momentos mais difíceis da sua vida, nunca perdeu a esperança e o sentido de humor. Pilar Del Rio é uma mulher determinada e forte, sabe sempre o que quer e grande defensora dos direitos das mulheres. Dedicada ao seu marido, que tanto ama, acompanha-o para todo o lado. Os dois completam-se e formam uma dupla forte e única. Foram feitos um para o outro. Saramago sem Pilar não era Saramago e Pilar sem Saramago não era Pilar.
Com mais de 240 horas de filmagens Miguel chegou a 2h de um documentário, que a equipa de produção acompanhou o casal por países como Finlândia, Brasil e Portugal. O filme teve distribuição comercial em Portugal e no Brasil em finais de 2010 e em Janeiro de 2011 em Espanha e está a ser um sucesso. Este filme junta-se a uma curta lista de filmes portugueses que são consideradas obras-primas do cinema português.
O género documentário tem vindo a evoluir bastante em Portugal nos últimos dez anos, principalmente com festivais que divulgam e premeiam bastante este género, como o DocLisboa, que é hoje considerado um dos mais importantes festivais de cinema documental no mundo. São cada vez mais os que produzem documentários em Portugal, pela facto de ter menos custos, ser mais fácil o acesso a boas câmaras digitais e depois a edição, feita em computadores, e porque é um género que abrange de tudo um pouco. Tem lógica que assim seja, com as novas tecnologias é possível criar mais e melhores filmes em pouco tempo. Há trinta anos atrás já não era assim tão fácil, apesar de sempre se ter feito documentários em Portugal. No tempo do Estado Novo, este género foi usado com alguma frequência para a divulgação do regime salazarista. Hoje, o documentário português costuma abordar mais os temas sociais e culturais, como por exemplo, “Lisboa Domiciliária” (2009) de Marta Pessoa, “Vai Com o Vento” (2010) de Ivo Ferreira, “Pare, Escute, Olhe” (2009) de Jorge Pelicano e o mais recente, que estreou em Janeiro de 2011, “Complexo: Universo Paralelo” (2010) de Mário Patrocínio e Pedro Patrocínio. Todos estes filmes são de boa qualidade técnica e artística, uns mais conhecidos do que outros, pois infelizmente o público português não gosta de cinema português, muito menos de documentários.
1) Fonte do ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual) – “Filmes Nacionais Mais Vistos – 2004/2011” (dados até 26 de Janeiro de 2011)
Artigo escrito por Eduardo Magueta e Tiago Resende