Premios Sophia 35

Uma Academia para o Público. Uma Academia contra o Cinema.

O texto que se segue é escrito por um blogger, um cinéfilo e membro associado da Academia Portuguesa de Cinema (APC) que se sente desanimado e descrente numa Academia que não representa o cinema português. Este sentimento de revolta e desânimo que partilho aqui data dos Prémios Sophia 2015, quando a APC decidiu premiar com nove prémios o filme “Os Gatos Não Têm Vertigens”, de António-Pedro Vasconcelos. Este ano, a APC volta a premiar o mesmo realizador pelo filme “Amor Impossível”. Este filme, que contava com dezassete nomeações, venceu quatro prémios: Melhor Filme, Melhor Atriz (Vitória Guerra), Melhor Ator (José Mata) e Melhor Som. Contesto aqui a sua premiação na categoria de Melhor Filme e, não nas outras categorias, apesar de ter as minhas preferências, claro.

Os filmes de Vasconcelos são exactamente aquilo que ele tanto prega publicamente, a criação de uma relação próxima com o público. Mas enquanto ele opta por se relacionar com o público, está afastar-se do cinema. A sua relação com o cinema desapareceu depois de “Jaime” (1999), talvez um dos seus melhores trabalhos até hoje. “Os Gatos Não Têm Vertigens” e, agora, “Amor Impossível” são filmes sem cinema, mas são aquilo que o público quer ver. A APC está a premiar filmes que o público quer ver e isto está a tornar-se assustador.

O ano de 2015 trouxe-nos três extraordinários filmes portugueses, a trilogia de “As Mil e Uma Noites” de Miguel Gomes, “Montanha” de João Salaviza e “João Bénard da Costa: Outros Amarão as Coisas que Eu Amei”, de Manuel Mozos. Os três são filmes multi premiados em festivais internacionais e aclamados pela crítica nacional e internacional. No entanto, a APC não lhes reconhece qualquer premiação. “Montanha” ainda foi o único dos três a conseguir alguma coisa nos Prémios Sophia 2015, o prémio de Melhor Montagem.

O retrato intimo e realista de uma juventude perdida em “Montanha” e o épico social, uma epopeia portuguesa, sobre a crise de Portugal em “As Mil e Uma Noites” não foram suficientes para conquistarem os membros da APC? Melhor Argumento e Melhor Banda Sonora Original para “Capitão Falcão” (filme que conquistou seis prémios), porquê? Mas com que critério? Parece ser um absurdo!

A trilogia de Miguel Gomes não conseguiu se quer uma nomeação para Melhor Som, Melhor Fotografia ou Melhor Argumento. No entanto, “As Mil e Uma Noites” venceu o prémio de Melhor Design de Som (Vasco Pimentel e Miguel Martins) nos European Film Awards 2015 (Prémios do Cinema Europeu entregues pela Academia Europeia de Cinema). Mas para a APC o Melhor Som é o de “Amor Impossível”…

A APC não reflecte o cinema, mas sim, a vontade do público. Este ser anónimo e multicultural que não questiona a existência de cinema ou não numa peça filmica. Quanto mais próxima esta peça estiver de uma ideia de televisão, melhor e mais sucesso comercial vai ter. O cinema não existe nestes filmes!

Vejamos os filmes que venceram o Sophia de Melhor Filme nestas quatro edições dos Prémios Sophia: “Tabu” (2013), “A Última Vez que Vi Macau” (2014), “Os Gatos Não Têm Vertigens” (2015) e “Amor Impossível” (2016). A primeira edição correu muito bem. Não restam dúvidas que 2013 foi o melhor ano de nomeados para o Sophia de Melhor Filme (“Tabu”, “Florbela”, “Linhas de Wellington” e “Operação Outono”). Quatro extraordinários filmes que marcaram o cinema português entre 2012 e 2013. O vencedor acabou por ser “Tabu” de Miguel Gomes, que, a meu ver, foi o justo vencedor.

Na segunda edição, em 2014, venceu “A Última Vez que Vi Macau” (estavam nomeados “Até Amanhã Camaradas”, “Comboio Noturno para Lisboa”, “É o Amor” e “Quarta Divisão”). Não poderei tecer considerações em relação a este filme, pois ainda não tive oportunidade de o ver, mas vendo pela perspectiva da crítica nacional e internacional e conhecendo um pouco o trabalho dos realizadores João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, posso acreditar que foi também um justo vencedor.

Na edição de 2015 venceu então a ‘telenovela’ “Os Gatos Não Têm Vertigens” de Vasconcelos. Nesse ano, estavam nomeados “A Vida Invisível”, “O Grande Kilapy” e “Os Maias”. Este último, realizado por João Botelho, era, na minha opinião, o merecido vencedor como o Melhor Filme do ano. Mas houve uma grande ausência nessa edição. Onde estava o colossal “Cavalo Dinheiro” de Pedro Costa? O filme nem chegou a ser nomeado pois Costa certamente não se revê nesta Academia. Esta obra-prima de Pedro Costa deveria no mínimo ter sido nomeada e, no mínimo, ter ganho o prémio de Melhor Filme do ano. Este é mais um exemplo de um filme português que é reconhecido e apreciado lá fora e cá dentro é ignorado e esquecido.

Premiar os amigos é bonito, mas não numa cerimónia deste género. A Academia está a demonstrar-se fechada a um grupo de pessoas e a criar um sistema de avaliação pouco simpático e justo.O discurso banal de que os prémios, na maior parte das vezes, senão mesmo sempre, não valem de nada, são o que são, é verdadeiro. No entanto, este prémio Sophia é o mais ‘valioso’ do cinema português. Tem um sentimento e uma importância especiais. Não deixa de ser um prémio, um reconhecimento público.

Todos os membros da Academia Portuguesa de Cinema devem reflectir bastante sobre que Academia deve o cinema português ter. A Academia vai por um caminho e o cinema português vai por outro. Os dois caminham para uma separação que pode nunca mais ter retorno. No entanto, eu ainda acredito que os dois se podem voltar a unir.

Ainda há muito trabalho pela frente, pois este não é um problema apenas dos membros da APC. É um problema que atinge todos os portugueses, desde as distribuidoras de cinema, às exibidoras, ao Governo, ao sistema de educação e ao ICA. Há uma grande lacuna e preconceito no que diz respeito ao cinema português, que deveria começar a ser visto nas escolas, e na forma desonesta como os filmes são distribuídos nas nossas salas de cinema.

Não se trata aqui de valorizar filmes que são premiados em festivais e de menosprezar aqueles que não o são, ou se são filmes de muito público ou de um grupo pequeno de espectadores. Trata-se sim de pensar o cinema. De que cinema são feitos os filmes? De que cinema estamos a falar? Será este o caminho que a nossa Academia deve seguir?

Não pretendo criar guerras, divisões ou fragilizar ainda mais o nosso cinema. Estou certo que muitos não concordarão com o que penso, mas tinha que desabafar, pois acredito que a Academia irá conseguir criar a sua própria identidade. Acredito também que a Academia e o cinema português se vão unir e acredito que há espaço para todos os que querem fazer cinema em Portugal.

Não me revejo de todo com esta Academia, mas continuarei certamente a fazer parte dela, pois a sua existência é fundamental para todos. Este texto pessoal não vale nada mais do que apenas um desabafo de um cinéfilo, que sonha com uma Academia mais unida em relação ao cinema português.

Sophia de Melhor Filme:
2013 – Tabu, de Miguel Gomes
2014 – A Última Vez que Vi Macau, de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata
2015 – Os Gatos Não Têm Vertigens, de António-Pedro Vasconcelos
2016 – Amor Impossível, de António-Pedro Vasconcelos

Sophia de Melhor Realizador:
2013 – Vicente Alves do Ó, por Florbela
2014 – Joaquim Leitão, por Até Amanhã Camaradas
2015 – António-Pedro Vasconcelos, por Os Gatos não Têm Vertigens
2016 – Margarida Cardoso, por Yvone Kane

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