A ditadura do Brasil dos anos setenta é o palco do novo filme de Walter Salles – “Ainda Estou Aqui” – em que a vida de uma família do Rio de Janeiro é abalada pelo rapto repentino de Rubens Paiva, o pai da família, obrigando a mãe, Eunice Paiva, a assumir as rédeas da vida dos cinco filhos. A atriz Fernanda Torres (nomeada ao Óscar de Melhor Atriz Principal) dá vida à personagem principal e o filme conta ainda com mais duas nomeações aos Óscares – Melhor Filme Internacional e Melhor Filme.
No primeiro ato do filme, o espectador entra na casa daquela família feliz e observa tudo como se lá estivesse. A ditadura quase não se sente e a realização transporta-nos para o ambiente alegre do Rio de Janeiro que, apesar do regime autoritário, tenta manter o espírito acolhedor e a câmara de Salles procura, desde logo, alcançar um sentimento nostálgico através de alguns dos momentos retratados, nem que seja pelas simples semelhanças com momentos da infância de qualquer um. Os protagonistas não nos são estranhos. Podiam ser qualquer um de nós e nesta fase, é também o desempenho cru de todo o elenco que leva o público a criar as relações de empatia. É também neste primeiro ato que o protagonista aparenta ser Rubens Paiva (Selton Mello), o pai que assume uma relação de muita proximidade não só com as crianças mas também com a sua mulher, apesar do seu trabalho estar também bastante presente nas sequências iniciais. Este ambiente intimista criado por Walter Salles só é possível pela fotografia calorosa de Adrian Teijido, misturada com algumas imagens gravadas pela câmara de filmar analógica de uma das filhas do casal, contribuindo também para o retrato daquela comunidade, transportando-nos rapidamente para os anos setenta. Também a música, composta por Warren Ellis (que colabora frequentemente com Nick Cave), apesar de não assumir uma presença significativa, intensifica bastante a carga dramática das sequências mais emocionais. Por fim, é impossível não destacar a performance de Fernanda Torres. Haverá certamente um leque vasto de adjetivos para a descrever mas o seu trabalho neste filme é, numa primeira instância, magnético e o espectador raramente consegue desviar os olhos de Eunice. Teria sido certamente mais fácil para Fernanda Torres assumir uma prestação pouco subtil e deixar-se levar pelas emoções de uma mulher que perde o seu marido. No entanto, a atriz controla-as de forma magistral e transmite-as no ponto certo, dominando-as. O seu olhar transmite o mundo – a tristeza, a alegria, a revolta, a vingança, a ambição, a tragédia, o luto, a proteção, a garra e, acima de tudo, a vida. Mesmo que não seja para todos os gostos, a última longa-metragem de Walter Salles é o filme mais importante do ano.
“Ainda Estou Aqui” fez história com as suas três nomeações para os Óscares. Fernanda Torres repete a proeza da sua mãe, Fernanda Montenegro, vinte e cinco anos de pois. Mesmo que não vença, o filme será certamente relembrado como um dos melhores filmes de 2024.
