Existe uma ave que possui a capacidade de planar pelo denso oceano sem pisar, uma única vez, a terra firme por vários dias e com uma formidável envergadura – a maior das espécies pode atingir os 3,5 metros de diâmetro. Esta ave dá-se pelo nome de albatroz e a rejeição pelo solo e a opção pela deriva, tornou-a num símbolo de obstáculo, apropriando-se das metáforas de psicólogos, por sua vez extraídas dos poemas e lengalengas de marujos.
Em “Albatros”, o dito pássaro é uma entidade ausente, incorporada num polícia de província no Norte de França [Normandia] – Laurent (Jérémie Renier) – cuja vida passa por diversas transformações enquanto lida com os casos que aquela pacata região parece sustentar. Aos 50 minutos, o filme joga-se na deriva desses ventos, colocando o espectador como testemunho do ambiente familiar de Laurent e dos esporádicos trabalhos que tem que resolver em conjunto com a sua equipa. Tudo isto fomentando uma afinidade para com a personagem e as suas respetivas sombras, rompendo de seguida com a inserção de um conflito e a materialização do albatroz no protagonista. Sentindo-se nas asas desta “ave”, Laurent lança-se sem rumo pelo mar fora com a ambição de fugir aos seus próprios obstáculos – todos eles localizados em terra firme – através do seu veleiro.
No cinema de Xavier Beauvois é norma as personagens serem resilientes para com os seus próprios cenários, desde os monges que resistem em sair dos seus hábitos em “Dos Homens e dos Deuses” (2010) até ao seu anterior filme, “As Guardiãs”, onde em plena Segunda Guerra Mundial e na ausência dos homens, as mulheres tudo fazem para manter (quase inviolável) o seu quotidiano. Em “Albatros”, é o homem que se torna num opositor ao seu destino, aclamando uma artificial liberdade de fachada, sucumbindo à imperatividade do seu meio social.
Jérémie Renier conduz com satisfação essa vida reduzida num fado, numa escolha traiçoeira, trabalhando psicologicamente a sua personagem, ora determinada, ora segura, num velcro de desespero silencioso. Por sua vez, Beauvois não é um realizador dotado em condensar conflitos em aparatos dramáticos. Existe uma ressonância delicada e cuidada que apela à nossa sensibilidade e compaixão para com estas personagens. Através disso, mantém-se longe do espetáculo cinematográfico e o resultado é um filme humano à deriva das vontades dos “últimos Homens livres”.