Berlim 2019: Cinema e Política: Na alegria e na tristeza e no exercício da superação

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O dia inteiro da sexta-feira (15 de fevereiro) na Berlinale foi todo à volta do filme brasileiro a ser exibido na Mostra Competitiva. Mesmo fora da competição, sem estar na corrida pelos Ursos, o filme tornou-se um termómetro sobre a situação política no Brasil. A história do baiano que enfrentou os militares e suas barbáries durante a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985) angariou uma dinâmica incomensurável durante os primeiros dias do festival, tornando-se o filme mais aguardado da Berlinale.

A sexta-feira iniciou com uma mesa-redonda, organizada por agentes de promoção do filme. Aliás, esta Berlinale irá ficar na história, não “apenas” por ser a última edição liderada pelo Mr. Berlinale, mas por ter tido os piores e mais caóticos agentes de promoção.

Para inglês ver…

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A exigência da equipa foi que as entrevistas de, respetivamente 30 minutos com o protagonista de “Marighella”, Seu Jorge, e Wagner Moura, o realizador, fossem em inglês, arrancando toda a espontaneidade da retórica e do discurso dos dois brasileiros. A resposta ao meu email para o agente da empresa do Brasil, argumentando e reclamando sobre essa exigência, foi: “Os dois moram nos Estados Unidos e são fluentes em inglês. Como eles responderão a todos os outros veículos em inglês, seria estranho – e até certo ponto injusto – eles responderem apenas a algumas perguntas em português“.

A minha preocupação concretizou-se especialmente durante a entrevista de Seu Jorge que, para compensar a falta de fluência na língua estrangeira, fez uso de uma linguagem corporal espaçosa unida ao seu tradicional bom humor e ao pontual regozijo com tanto interesse mediático internacional. E esse interesse, em relação à sua interpretação primorosa, é uma consequência natural.

Já com Wagner Moura, a conversa fluiu bem, mas continua valendo. Essa estratégia mercantilista vai de encontro à temática do filme e à sua mensagem política.

Essência brasileira

Certa vez um crítico de música alemão disse-me: “As músicas brasileiras têm uma musicalidade muito alegre, mas, muitas vezes, o texto esconde muita tristeza”. Essa percepção cabe como uma luva para a mentalidade brasileira de nunca desistir, de sorrir quando o Brasil, mais uma vez, está dando porrada. O agrupamento de pessoas no saguão do cinema Berlinale Palast, segurando faixas vermelhas com as palavras “Lula Livre”, ou “Marielle, Presente!”, mostrava não-alegria, mas teimosia em expressar as suas vontades, as suas opiniões. A aparição do ex-deputado do PSOL na Câmara, Jean Wyllys, líder da temática do LGBT e inimigo número 1 do atual governo brasileiro, foi estrategicamente a melhor possível: Berlinale, festival político.

Cercado por brasileiras e brasileiros querendo tirar selfies e felizes pela surpresa e alívio, o sorriso largo é temporário. O filme exibe a luta armada contra a Ditadura Militar, a realidade do Brasil 2019 exibe um cenário da classe artística sendo descriminalizada, ameaças de morte ao deputado federal, também do PSOL, Marcelo Freixo e censura por parte da imprensa e do setor estatal cultural. Há 50 anos, Marighella era assassinado pela polícia. Em março de 2018, a vereadora Marielle Franco foi assassinada por milícias que, em sua maioria, tiveram formação e foram ativos nas forças militares. O Brasil de volta ao futuro.

Não há motivo nenhum para alegria, mas somente para alívio que Jean está vivo.

Eu ainda estou chegando aqui. Ainda estou muito sozinho”, disse ele em conversa rápida com a autora deste texto.

A Berlinale, mais uma vez, posicionou-se politicamente e Berlim torna-se, mais uma vez, um lugar de exílio para os que procuram um lugar no mundo, seja por motivos políticos, pessoais ou culturais.

Que pena que Jean Wyllys não desfilou pelo tapete vermelho! Seria um afronto para o atual governo e uma janela escancarada para a comunidade internacional para saber do abismo político em que se encontra o Brasil e que ainda serão muitas Marielles, muitos Jeans e muitas Marias mortas por feminicídio.

Resistência

Não faz muito tempo, eu, na cerimónia de encerramento do Festival “Caminhos”, em Coimbra, (25.11-01.12.) declarei que “fazer cinema no Brasil será uma atitude de superação e ainda mais de resistência”. E como a dinâmica na política pode ser Blitz, algumas semanas depois, isso já se tornou realidade.

Conversei com cineastas brasileiros. Todos temem uma redução radical do fomento no setor das Artes Visuais. O atual governo já vai de vento em popa estrangulando as pilastras da democracia: Cultura, Ciências, Educação. Setores onde são formadas opiniões críticas.

Até a tarde de sábado, Marighella não havia vencido nenhum prémio alternativo. Mas isso não importa. Desta vez, o que mais conta não é a obra cinematográfica, mas o que ela, tematicamente, representa.

Mais uma vez, a Berlinale honrou sua fama e postura de um festival político. O abraço forte e longo entre Wagner Moura e o diretor Dieter Kosslick no momento em que o elenco acabava de chegar aos seus assentos dentro do Berlinale Palast goza de máxima simbologia. Os artistas brasileiros não estão sozinhos e ninguém larga da mão de ninguém.

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