O produtor Luís Urbano, através de sua empresa em Lisboa, de nome mais que instigante “O Som e a Fúria” além de agitador cultural e workaholic, percebe o cinema como imprescindível fator social e político. Mesmo depois dos inúmeros prémios em festivais de categoria A (Berlim, Cannes e Locarno, só para citar alguns), ainda se comporta como operário incansável pela qualidade do cinema português, além de incentivar realizadoras como Salomé Lamas e projetos futuros com Ira Sachs e a brasileira Laís Bodanzky.
Luís conversou, em exclusivo, com o Cinema Sétima Arte sobre o desenvolvimento do cinema de autor português dos últimos anos, sobre a política cultural do governo passado, sobre a situação política do Brasil, revelou-se otimista e anunciou os seus próximos projetos.
Quando se trata de política cultural, Luís ganha o temperamento de um toureiro espanhol entrando para apostar tudo no ringue, ao mesmo tempo que tem sempre na manga um plano meticulosamente planeado como uma tese de química orgânica.
O país de dez milhões de habitantes tem marcado presença nos festivais de categoria A e somou uma mão-cheia de prémios e troféus nos últimos anos.
FL: Acha que esta fase do cinema português teve o seu pontapé inicial com o discurso do João Salaviza ao receber o prémio na Berlinale em 2012?
LU: Claro que o discurso de Salaviza contribuiu bastante, assim como o texto que eu e o Miguel (Gomes) escrevemos e que foi publicado no jornal “Público”, no qual dizíamos que iríamos a Berlim apresentar “Tabu” e que não trazíamos, na comitiva, ninguém do governo português, na época em transição. (o governo de Passos Coelho).
Nota da redação: em 2015, as esquerdas chegaram ao poder através da coligação de esquerda inédita encabeçada pelo Partido Socialista (PS), liderado por António Costa, que conta também com o Bloco de Esquerda (BE), o Partido Comunista de Portugal (PCP) e o Partido Ecologista Os Verdes (PEV).
Nos primeiros anos do novo governo, não sentimos mudança na atitude. Não se queria tomar posicionamento entre um tipo de cinema e outro, também estavam sem entender que todo o processo do cinema português e a sua presença ao nível classe A não era questão para, apenas, celebrar, mas para também aproveitar e dar mais força ainda no seu fomento através da criação de novos instrumentos. Agora, com Graça Fonseca, a nova Ministra da Cultura, estamos a perceber alguns sinais de que as coisas estão a melhorar.
FL: O que é preciso fazer/reformar na política de fomento?
LU: Precisamos de criar dinâmicas. Ou seja, ver uma lógica de estratégia de médio prazo e focarmo-nos na atratividade para angariar investimentos estrangeiros para Portugal muito para além da área do turismo. Temos de conciliar as duas coisas.
FL: Há dois anos fez uma grande mobilização, formulou uma carta assinada por muitos realizadores nacionais e internacionais para protestar contra a constelação dos grémios de júris que decidem sobre o fomento de projetos. (Ler carta aqui.) Está satisfeito com a atual situação do júri?
LU: Ainda não estamos totalmente satisfeitos. Essa situação tem de ser revista no próprio decreto da Lei do Cinema. Há uma emenda a ser apresentada ao Parlamento Português para resolver, finalmente, essa situação dos jurados. Eu diria que isto está bem encaminhado.
FL: Existe força política para implementar as mudanças necessárias?
LU: Eu acho que sim, até porque no caso específico dessa questão do júri, onde é preciso ver o papel do Estado, já não é uma coisa que temos de tentar formar um consenso entre o centro e a esquerda.
FL: Quando estive como membro do júri do recente festival “Caminhos” em Coimbra, um colega do júri mencionou que a nova geração de realizadores portugueses pega na câmara e começa a filmar. Será assim tão simples? A quantas anda o cinema de autor português?
LU: Está a andar com força. Há quem faça de forma mais simples, há quem faça de forma mais estruturada, como o caso das minhas produções (O Som e a Fúria), que são filmes mais pesados, envolvem estruturas e logísticas maiores. Quase ao mesmo tempo, produzi quatro filmes, duas coproduções.
FL: Tem uma relação muito forte com o cinema brasileiro. No filme de Helvécio Marins (Querência), que está a ser exibido na mostra “Fórum” da Berlinale, aparece nos créditos o seu nome e o da Som e a Fúria. Qual foi exatamente a sua contribuição?
LU: Eu e o Helvécio temos uma relação muito antiga e uma relação muito boa com a produtora dele. A minha contribuição nesse projeto foi o meu know-how, a minha perspetiva de como estava o trabalho de montagem. Convidei-o para montar o filme em Lisboa, no meu escritório, e sugeri o Telmo Churro como montador. Foi só isso. Não sou produtor associado nem produtor. Ajudei num momento de transição do próprio Helvécio de ir do Brasil para Portugal e passar mais tempo lá.
FL: Uma das primeiras medidas do novo governo de extrema-direita do Brasil foi extinguir o Ministério da Cultura de um país de proporção continental. Vê perigo agora que os brasileiros estão a ver a classe artística como inimiga? Haverá risco de haver uma quebra na tradicional e intensa parceria entre Brasil e Portugal?
LU: Será uma pena se isso acontecer. A produção cinematográfica brasileira está a passar por um momento de fulgor que acho que nunca aconteceu antes. Em termos de quantidade, em termos de novos autores, temas e diversidade. A ANCINE é um órgão de fomento que não depende tanto do Ministério da Cultura. Espero que continue com a força que tem tido nos últimos anos. Não seria “apenas” o Brasil que perderia caso houvesse uma estratégia de querer acabar com a produção audiovisual no país. O mundo inteiro perderia com isso! O Brasil está nos grandes festivais, é uma presença constante e não é uma presença em que são sempre os mesmos. É muito diversificada.
A parceria entre Brasil e Portugal no âmbito do cinema nunca viveu tempos tão bons como estes. Acredito que as instituições brasileiras irão resistir às tentações.
FL: E o facto de o recém-eleito presidente do Senado em Brasília (Davi Alcolumbre) ser um prolongamento do braço do governo Bolsonaro, deixa-o otimista, mesmo assim?
LU: Eu sou um otimista por natureza.
Projetos de Luís Urbano em pós-produção:
“Pedro”, de Lais Bodanzky
“Frankie”, de Ira Sachs
“Patrick”, de Gonçalo Wallington
http://www.augenschein-
“Technoboss”, de João Nicolau