Realizado em 2011 pelo sueco Göran Olsson, “Black Power 1967-1975” é um pedaço de história, mais concretamente a história dos E.UA. e a sua relação com os seus cidadãos negros. Nas décadas de 60 e 70, uma equipa de jornalistas suecos viajou para os E.UA. para acompanhar as questões raciais da época. O material gravado tinha como propósito único o de ser exibido na televisão sueca. Assim foi e assim ficou esquecido durante mais de três décadas na cave da Sveriges Radio, a rádio pública do país. O espanto de Olsson ao se deparar com rolos e rolos de filmagens em 16mm foi tanto que, segundo ele, não teve outra escolha senão divulgar estes tesouros até então caídos no esquecimento.
Cobrindo nove anos, Olsson montou então na forma de documentário – ou mixtape, de acordo com o título original do filme – o material filmado em película pela equipa sueca. Este inclui também narração e comentários de vários notórios ativistas negros, como é o caso do músico Harry Belafonte e da professora e intelectual Angela Davis, ainda hoje símbolo maior da luta negra contra a opressão.
Olsson começa por nos mostrar as diferentes filosofias da luta: a defendida por Martin Luther King, a favor da não-violência e da resistência passiva; e a promovida pelo ativista negro Stokely Carmichael, auto-descrito “mais novo e consequentemente menos paciente”. Carmichael era um orador fogoso, sem papas na língua. Num curioso momento, enquanto assistia a uma entrevista à sua mãe, interrompe o jornalista e pergunta-lhe se pode ser ele a entrevistar a mãe.
O filme viaja também às origens dos E.U.A., quando o primeiro europeu ali desembarcou. “O homem branco veio com duas grandes armas: uma era a Bíblia, a outra a arma de fogo. Se a Bíblia não te tornasse humilde, ele esmigalhava-te com a arma” afirma Lewis H. Michaux, morador do bairro nova-iorquino de Harlem e orgulhoso proprietário da maior livraria de livros negros do mundo.
Num dos momentos mais chocantes de “Black Power”, Angela Davis acusa o governo norte-americano de envolvimento na distribuição de drogas nas comunidades negras, por forma a recuar os seus impulsos militantes e revolucionários. Davis era (e é) uma firme lutadora pelos direitos dos negros, tendo sido, por isso, alvo de perseguição constante, tanto por parte do FBI, que em 1970 a colocou na infame lista dos “FBI’s Ten Most Wanted Fugitives”, como por parte da administração Reagan, para mostrar que suprimiriam qualquer tentativa de revolução negra. A entrevista a Davis na prisão, aquando da sua captura e aprisionamento pelo FBI, é talvez o momento mais famoso do documentário, frequentemente difundido nas redes sociais. Não alcançou esse estatuto por acaso, uma vez que constitui uma das partes mais interessantes do filme.
Porém, ocasionalmente, os documentaristas passam indevidamente do papel do investigador para o investigado: o filme é, como seria de esperar, contado do ponto de vista sueco, mas por vezes a equipa sueca coloca-se no centro da narrativa. Com que propósito? O âmbito é retratar a realidade da população negra ou examinar a atitude da Suécia para com os E.UA.? Ambos os temas são válidos, mas o primeiro enriquece o filme bem mais do que o segundo.
“Black Power 1967-1975” é um dos títulos mais frequentemente recomendados como texto educativo sobre o racismo nos E.U.A.. É um documentário acessível sobre um tema importante, acompanhado por palavras marcantes proferidas por figuras marcantes. Um filme que está no seu melhor quando os seus autores dão a palavra aos ativistas e historiadores negros que lançaram os alicerces para a luta atual.
Uma sugestão: “Black Power” encontra-se disponível na Filmin, plataforma portuguesa de cinema independente, e constituiria um óptimo double bill com o filme “4 Little Girls”, disponível na HBO Portugal. Realizado por Spike Lee em 1997, este é um documentário sobre o assassinato de quatro crianças negras, incidente este mencionado por Davis durante a entrevista atrás referida. Ambos os filmes são tão relevantes hoje como eram naquelas décadas, pois os problemas raciais infelizmente ainda são os mesmos.