Todos os anos se cumpre o ritual através do qual a indústria norte-americana de cinema procede à sua auto-avaliação: a noite dos Óscares. Paralelamente, há um outro ritual repetido há trinta e dois anos: um filme português concorre à nomeação para melhor filme estrangeiro e é devolvido, ingloriamente, à procedência.
Este ano não será exceção. Porém, tendo em conta que tem havido a percepção de que o cinema português tem vindo a atravessar um fase positiva em todos os aspectos, esta circunstância parece estar em contra-ciclo com a ordem atual das coisas. Mas é apenas uma sensação. Com o contexto devido, entende-se melhor o porquê de Portugal continuar ausente desta cerimónia.
Em primeiro lugar, os óscares são galardões muito diferentes dos prémios entregues nos festivais de cinema, nomeadamente naqueles focados no cinema de autor. Na verdade, tem muito mais que ver com os Globos de Ouro, da SIC, do que com Cannes ou Veneza. Enquanto que estes últimos, embora muito sensíveis a influências geo-políticas que pouco ou nada se ligam com o cinema, focam-se na celebração de um certo tipo de cinema com o qual se identificam, os Óscares possuem um pano de fundo diferente: não só são voltados para a o cinema americano (as categorias relacionadas com filmes estrangeiros são apenas para embelezar e estender a influência destes prémios algures para além da fronteira), como são o momento em que Hollywood olha para trás e escreve o seu presente e futuro.
O cinema internacional está, por isso, naturalmente ausente dos Óscares, seja qual for a tendência. Para além da falta de espaço (o prémio surge “ex-cathedra”, por parte de uma Academia que quer premiar algo que não inclui na sua competição – não é um processo de igual para igual) não há lugar para o cinema hollywoodesco feito fora do controlo dos EUA e também não há propriamente um particular apreço pelo cinema de autor. Os filmes que porventura querem competir nesta categoria, ficam, portanto, à mercê de um balanço complicado de agenda: não podem ser meros decalques do modelo americano e também não podem configurar expressões radicais e autorais.
Quanto ao cinema português, é verdade que nos últimos cinco anos tem somado vitórias importantes: tem vencido prémios, usufruído da estrutura logística e de recursos humanos que as televisões privadas colocaram em marcha desde os anos 90, e, não menos importante, tem-se agilizado ao nível das co-produções, o que tem permitido uma criação mais constante e mais diversificada, tanto para novos talentos como para os mais consagrados.
Todavia, todos estes ventos favoráveis não têm sido suficientes para levar a bom porto o cinema português na rota do cinema mainstream. Entende-se. Para isto contribuem essencialmente dois factores. Por um lado, o facto de não haver uma tradição de presença assídua do cinema português em pódios (muitas outras cinematografias têm conquistas muito mais constantes do que a portuguesa). Por outro, num mundo onde o mapa alternante da turbulência sócio-política e dos poderes económicos há muito que não para por estas bandas, também não há razões para olhar para Portugal. Vivemos num país pacato e discreto. E essa questão, por mais que se queira achar o contrário, não está dissociada do percurso histórico do cinema.
Com efeito, bastas vezes são fatores extra-cinematográficos que definem o destino dos prémios e do prestígio de diversas cinematografias. A vaga de interesse por filmes dos países periféricos permitiu que os “tigres asiáticos” ganhassem algum prestígio, bem como algum cinema latino-americano. Do mesmo modo, o rescaldo da segunda grande guerra colocou no centro os países mais afetados, como a França, a Itália e a Alemanha, quando esta “renasceu” económica e culturalmente no final dos anos 50. Também a Hungria, a Polónia e a Roménia gozaram momentaneamente de protagonismo quando os seus filmes pareciam ser janelas para observar o antes e o depois da URSS.
Não sendo um país “exótico”, Portugal não desperta qualquer tipo de interesse, e o pouco que possa haver nunca foi vendido a quem de direito de forma competente. 1974 e a última revolução de inspiração marxista na Europa já vão longe o suficiente e não há fraturas internas, guerras ou questões sociais/religiosas que justifiquem o interesse em Portugal por parte de terceiros – entenda-se dos países centrais e que dão as cartas; dos “polos de enunciação”, para usar o jargão sociológico.
Um olhar atento permite descortinar que todos os países com filmes pré-candidatos ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro se incluem numa destas categorias que elenquei. Sendo um país periférico sem no entanto o ser, Portugal permanece numa espécie de “limbo”, incapaz de criar a tradição de uma presença constante e sólida nas competições e nomeações de maior prestígio. O problema não é só do cinema. É do país. E, principalmente, de quem está do lado de fora.