“Faz-me Companhia”, que estreia esta quinta-feira (2 de julho), é a primeira longa-metragem escrita e realizada por Gonçalo Almeida. O filme foi exibido no ano passado no MOTELX- Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, que premiou, em 2017, a curta “Thursday Night”, do mesmo realizador.
Mais próximo do thriller psicológico do que do terror clássico, “Faz-me Companhia” conta a história de duas mulheres que são amantes e estão a passar alguns dias às escondidas numa casa de férias no Alentejo. No entanto, o que poderia ser um momento romântico à beira de uma piscina refrescante transforma-se numa experiência cruel.
No início do filme, a câmara acompanha Sílvia (interpretada por Cleia Almeida), que está grávida de um homem de quem já não gosta. Ela mente-lhe pelo telemóvel sobre a sua localização e só o facto de estar a falar com ele já a cansa. Sílvia coloca um vestido vermelho, passa maquilhagem, prepara o jantar e aguarda ansiosamente pela chegada de Clara (Filipa Areosa) à casa.
Quando Clara entra em cena, elas estão à beira da piscina à noite e sente-se logo que o ar ficou mais difícil de respirar. Não só porque ela fuma, mas por ela começar a encher Sílvia de histórias estranhas em relação à mãe (vê-se que Clara tem muitos problemas com a mãe) e questiona coisas existenciais. Pelos gestos de Clara, percebe-se que ela é alguns anos mais nova do que Sílvia e que talvez elas não estejam numa mesma sintonia. “Sim, mãe!”, ela chega a responder a Sílvia, quando cobrada sobre ir atrás de um trabalho.
O realizador, então, usa truques sonoros (como o barulho alto da bomba da piscina) e visuais para ambientar o enigma. Alterna uma cena de sexo com uma cena da água da piscina a ficar aos poucos mais ensanguentada. Sangue também começa a escorrer do nariz de Clara após a primeira noite na casa em que ela apresenta um tipo de sonambulismo. Sangue escorre do nariz dela sempre que fica mais nervosa, quase como a Millie Bobby Brown em “Stranger Things”.
Num artigo publicado em março deste ano no Guardian, a jornalista e crítica de cinema Miriam Balanescu diz-nos que “o facto de o stress induzir sangramentos nasais é parcialmente um mito cinematográfico”. Os “sangramentos nasais estão a tornar-se um dispositivo inesperado em filmes que procuram complicar nossas narrativas românticas simplificadas”, diz ela. Portanto fica ambíguo se o repetitivo sangramento nasal de Clara é causado por uma força paranormal ou por um problema de saúde (ou pelos dois?). Também é possível fazer uma conexão com o sangue que vem da menstruação, afinal Sílvia não sangra por estar grávida e todo o derramamento vem de Clara.
As mentes confusas e a falta de comunicação entre elas sobre o que aquele relacionamento pode vir a ser são os elementos principais desse mistério realizado por Gonçalo Almeida. A ausência de um maior contexto do que foi aquela relação no passado pode deixar os espectadores confusos quando a trama escala rapidamente para a tragicidade. Talvez o realizador aprimore esse aspeto nos próximos trabalhos, mas há de se reconhecer o arrojo de jogar com um género cinematográfico delicado como este.