“A Mãe é Que Sabe” (2016) é a primeira longa metragem de Nuno Rocha, que provou que, nem sempre é preciso carregar uma bagagem de experiência às costas para fazer um bom filme.
Tal como o título sugere, o fio condutor de toda a narrativa é a figura maternal. Esta é invocada logo no início do filme, quando de um fundo negro irrompe a voz de Ana Luísa, que se recorda nostalgicamente de Josefa (Joana Pais de Brito), a sua mãe que já partiu.
A ação central passa-se numa data especial, o aniversário do pai de Ana, um viciado em futebol e ferrenho adepto do Belenenses. Este é o típico dia com o qual qualquer espectador se consegue identificar, é um momento tradicional em que toda a família de reúne, convive, partilha e recorda. A memória tem, assim, um papel fundamental, que se espelha ao longo de todo o filme e que salienta avidamente a sua importância no modo como os indivíduos se relacionam uns com os outros. É graças à memória que este filme se torna tão imersivo e nostálgico, criando um ritmo próprio, que é inevitavelmente influenciado por esta memória que aparece quando menos se espera, levando atrás de si uma torrente de sentimentos e emoções que fortalecem autenticamente a história.
Ana (Maria João Abreu), a personagem principal é também a narradora, contando-nos a sua vida até àquele momento através dos seus pensamentos flutuantes que a transportam inconscientemente para outra dimensão tão longínqua, mas simultaneamente tão nítida – o passado – que neste caso se divide em duas grandes fases: a infância e a adolescência.
Os flashbacks são múltiplos e minuciosamente incorporados no presente, de forma a preencher possíveis lacunas de curiosidade, saudade, mágoa e inquietação que vão surgindo durante as conversas à mesa. Porém, esta capacidade memorial em Ana Luísa é fascinante e permite-lhe literalmente recuar no tempo e alterar o passado, o que acarreta consequências inevitáveis. A caminhada mental de Ana interliga os anos 80 e 90, que progressivamente perturbam o presente, conferindo uma dinâmica muito cativante ao enredo.
Embora se trate de uma comédia, esta não cai no estereótipo de utilizar uma linguagem ordinária, onde o riso é motivado pelas asneiras ou pelos trocadilhos habituais sem graça. Bem pelo contrário, o riso aparece de forma subtil e elegante, contrastando muitas vezes com momentos comoventes, sem que estes se cruzem ou sequer aproximem da fronteira do ridículo.
Ainda que não possa ser considerado um filme excepcional, a simplicidade de “A Mãe é que Sabe” é bastante agradável, podendo ser vista tanto por uma pessoa de 60 anos, como por uma criança de 10.
Em suma, é uma ótima escolha para ver em família, uma vez que a ideia fundamental do filme é transversal a qualquer idade, género ou cultura. O amor é um sentimento universal e imprescindível ao ser humano, seja ele o amor filial, carnal ou a própria amizade, e este filme ilustra e enfatiza a importância de o valorizarmos, de o respeitarmos e de o compreendermos em todos os dias da nossa vida.
“Quando alguém nos ama sabe bem, sabe mesmo bem”. Este é o mote final do filme, que remata com a dupla consciência de que as pessoas que nos amam verdadeiramente sabem o que é melhor para nós, sendo que a sensação de nos sentirmos amados é uma das melhores do mundo.
Esta concepção, ainda que seja aparentemente vulgar, é crucial para a nossa civilização, especialmente numa era em que a palavra “amor” é alvo de constantes deturpações. Assim, o contributo desta longa metragem pode por um lado parecer insignificante, mas por outro é de uma relevância gigantesca, visto que carrega consigo um significado digno de ser relembrado e valorizado.
Realização: Nuno Rocha
Argumento: Nuno Rocha
Elenco: Bruno Cabrerizo, Dalila Carmo, Filipa Areosa, Filipe Vargas, Manuel Cavaco, Maria João Abreu, Ricardo Azevedo
Portugal – 2017
Comédia
Sinopse: A família de Ana Luísa reúne-se em casa para festejar o aniversário do pai. Enquanto os convidados se sentam à volta da mesa vão partilhando pequenas recordações sobre o passado, em que todas têm um denominador comum: a falecida Josefa, mãe de Ana Luísa. Ao ouvir as histórias, Ana Luísa apercebe-se do impacto que a sua falecida mãe teve sobre as suas escolhas de vida e imagina o que teria acontecido se tivesse seguido outros caminhos, tomado outras opções e dito o que ficou por dizer. Ao mesmo tempo, um evento astrofísico de origem desconhecida provoca a alteração do espaço-tempo, permitindo a algumas pessoas, um pouco por todo o mundo, acederem a universos paralelos. Ana Luísa é uma delas, e terá, assim, a oportunidade de alterar todo o seu passado. Só que para isso terá de abdicar de todo o seu presente…