A cineasta africana Sarah Maldoror morreu aos 91 anos.
“Se eu não me interesso pela minha própria história, quem vai se interessar?”, interrogava-se a realizadora numa entrevista em 1977. “Creio que é necessário defendermos a nossa própria história, dá-la a conhecer, com todas as nossas qualidades e defeitos, as nossas esperanças e desesperos. As mulheres africanas devem estar em todo o lado [no cinema]. Devem estar nas imagens, atrás da câmara, na sala de montagem e envolvidas em todas as fases de produção de um filme. Devem ser elas a falar sobre os seus problemas”.
Nascida em 1938 em Gers, França, Sarah Maldoror foi nome artístico que adoptou em homenagem ao livro de poesia “Os cantos de Maldoror”, do escritor Lautréamont. A pioneira do cinema africano começou a sua carreira no teatro, tendo fundado, em 1956, a Les Griots, a primeira companhia de atores africanos e caribenhos em Paris. A razão por detrás disto era para pôr fim aos papéis de serva e tornar conhecidos artistas e escritores negros, e a sua primeira produção foi fiel a este conceito, “A tragédia do Rei Christophe”, de Aimé Césaire, fundador da corrente literária do século XX, que tinha como propósito a exposição cultura africana e do movimento anticolonialista.
A formação de Sarah Maldoror em cinema foi feita em Moscovo, para onde se mudou em 1961, onde frequentou a Academia de Cinema de Moscovo, tendo trabalhado com o cineasta senegalês Ousmane Sembène, precursor do cinema africano. Do que aprendeu na experiência russa, a realizadora tirou um método de trabalho: “Estar sempre pronta a descobrir o que pode estar por trás da nuvem.”
Foi casada com o poeta e político Mário Pinto de Andrade, fundador e primeiro presidente do Movimento Popular para a Libertação de Angola, com o qual, depois da estadia soviética, se junta aos pioneiros dos movimentos de libertação africanos, na Guiné, Argélia e Guiné-Bissau.
Em 1968, realizou o seu primeiro filme, “Monangambé”, inspirado no romance “O Fato Completo de Lucas Matesso”, do escritor e nacionalista angolano José Luandino Vieira, nessa altura preso no campo de concentração do Tarrafal, Cabo Verde. Maldoror contactou o Chicago Art Ensemble, um célebre grupo americano de jazz e estes, comovidos com as imagens e a luta de libertação de Angola, aceitaram fazer gratuitamente a banda musical do filme.
Mais tarde, em 1972, filmou a sua longa-metragem “Sambizanga”, inspirada no romance ‘A Vida Verdadeira de Domingos Xavier’, novamente do escritor José Luandino Vieira. O filme aborda a guerra colonial portuguesa, desde o início, em Angola, e conta a história de Maria, que procura Xavier, o seu homem, sem saber que ele já tinha sido torturado e morto.
A sua cinematografia inclui documentários como “Máscara das Palavras” (1986), dedicado ao poeta Aimé Césaire e ao líder senegalês Leopold Senghor, poeta da negritude e membro da Academia Francesa.
“A Sarah Maldoror…
Que,
Câmara no punho,
Combate a opressão,
A alienação
E desafia
A Estupidez humana”
Homenagem antiga de Aimé Césaire à realizadora
Maldoror foi a cineasta homenageada no primeiro Festival Internacional de Cinema de Luanda, em 2008, e nessa altura pode revisitar Angola, o país que ocupou grande parte da sua obra, abordando questões como o racismo, o género, o papel da mulher na luta pela libertação e o património cultural africano.
No ano passado, o seu trabalho foi alvo de uma retrospetiva no Museu Rainha Sofia, em Madrid.
As duas filhas de Sarah e de Mário, Annouchka e Henda, anunciaram hoje a morte de sua mãe aos 91 anos, vítima do novo coronavírus, e convidam-nos a todos para nunca deixarmos de estar atentos à nuvem.