A equipa do Cinema Sétima Arte repete a tradição, ao reunir-se para eleger a lista dos melhores filmes do ano. Como resultado das listas de cada um dos membros (Cátia Santos, Cláudio Azevedo, Francisco Quintas, Lígia Maciel Ferraz, Luís Barros, Maria Moura Baptista, Maria Inês Gomes, Mariana Azevedo, Tiago Resende, Vanderlei Tenório, e Wellington Almeida) o filme eleito como o melhor do ano de 2023 é o ternurento “Aftersun”, de Charlotte Wells, um dos filmes mais aclamados do ano sobre a complexa relação entre um pai e a sua filha.
Protagonizado por Paul Mescal e Frankie Corio, “Aftersun” é a grande estreia na realização da escocesa Charlotte Wells. O filme transporta-nos, de uma forma muito sensível, íntima e nostálgica para o mundo de afectos e memórias que povoam a relação entre um pai e uma filha. Os fantasmas interiores de Calum vão coabitando com os momentos de ternura que passa junto da filha. A forma do filme encarna todas as emoções que as personagens vivem, a sua ternura e fragilidade. E o seu movimento é suave, tão suave que, no final, as imagens parecem desvanecer como se todo o filme fosse um leve sopro.
O filme do ano para o Cinema Sétima Arte lidera de forma isolada com 58 pontos, seguido pelo documentário brasileiro sobre a memória de uma cidade e das suas salas de cinema “Retratos Fantasmas”, de Kleber Mendonça Filho, com 45 pontos. A lista coletiva inclui, pela primeira vez, dois filmes em ex aequo: na quarta posição, com 34 pontos cada, encontram-se “O Sol do Futuro”, de Nanni Moretti, e “Dias Perfeitos”, de Wim Wenders; e no sétimo lugar com 26 pontos cada, “Tár”, de Todd Field, e “Trenque Lauquen”, de Laura Citarella.
Ao todo foram submetidos a votação 71 filmes, dos quais, “Os Fabelmans”, “Fechar os Olhos”, “O Rapaz e a Garça”, “Falcon Lake”, “Samsara”, “Os Espíritos de Inisherin”, “May December”, “O Pub The Old Oak” ou “Ice Merchants” foram algumas das preferências da equipa do Cinema Sétima Arte.
Os critérios para a eleição dos 10 melhores filmes do ano de 2023 consideram filmes estreados em Portugal no ano de 2023, quer em salas de cinema, quer em festivais de cinema nacionais, quer em plataformas streaming disponíveis nacionalmente, até ao dia 28 de dezembro.
No mundo do cinema, 2023 foi e será sempre associado a uma palavra, “Barbenheimer”: a estreia em simultâneo de “Barbie” e “Oppenheimer” desencadeou um fenómeno global na internet. O filme de três horas Christopher Nolan foi o terceiro mais rentável nas bilheteiras mundiais, mas foi “Barbie”, de Greta Gerwig, que bateu vários recordes de bilheteira, como por exemplo a estreia mais lucrativa de sempre de uma mulher realizadora, ao ultrapassar os mil milhões de dólares de receitas.
Foi a boneca dos anos 1960 que “salvou” as salas de cinema mundiais, liderando bilheteiras na maioria dos países. Em Portugal, “Barbie” foi o filme mais visto, com mais de 893 mil bilhetes vendidos, seguido por “Velocidade Furiosa X”, “Oppenheimer”, “Avatar: O Caminho da Água” (apesar de ter estreado em dezembro de 2022) e “Super Mario Bros. O Filme”. Segundo dados do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), as salas de cinema em Portugal registaram 12 milhões de bilhetes vendidos, acima dos 9,6 milhões registados em 2022, o que significa um crescimento de 25% face ao ano passado. As salas de cinema registaram praticamente o mesmo número de espectadores que em 2014 (de 12,1 milhões), mas ainda assim distante dos 15,5 milhões de espectadores registados em 2019.
No caso do cinema português, “Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó”, de Manuel Pureza, foi o filme português mais visto de 2023, com cerca de 118 mil espectadores. O sucesso televisivo da RTP, que passou para o grande ecrã em agosto de 2023, ocupa agora o ranking dos 20 filmes portugueses mais vistos de sempre (2004/2023). “Um Filme do Caraças” foi visto por 24 mil espectadores, seguido por “Mal Viver” (17 mil) e “Ice Merchants” (13 mil). Não obstante, a quota de espectadores que vê cinema português é a mais baixa dos últimos cinco anos. Segundo os dados provisórios do ICA, o cinema português teve, até novembro de 2023, uma quota de mercado de apenas 2,7%, o que representa 309 mil bilhetes vendidos por filmes nacionais. Ou seja, apenas 2,7% pagou para ver em sala obras de produção nacional.
Em jeito de retrospetiva, elencamos alguns dos acontecimentos cinematográficos que marcaram o ano: “Ice Merchants”, de João Gonzalez, fez história ao tornar-se no primeiro filme português a ser nomeado para os Óscares, na categoria de Melhor Curta-metragem de Animação. Não ganhou, mas fez história e é o filme português mais premiado de sempre. O realizador João Canijo venceu o Urso de Prata – Prémio do Júri, no Festival de Berlim, pelo filme “Mal Viver”, a primeira parte de um díptico com a longa-metragem “Viver Mal”. Ambos foram vistos por mais de 20 mil espectadores nas salas de cinema em Portugal. O Sindicato dos Argumentistas e dos Atores de Hollywood fizeram uma greve histórica contra os grandes estúdios (incluindo os de streaming), que paralisou a produção de filmes e séries nos EUA, exigindo aumentos salariais e proteção no uso da Inteligência Artificial, entre outras reivindicações. A greve durou 146 dias (argumentistas) e 118 dias (atores); A atriz Michelle Yeoh fez história ao tornar-se a primeira mulher asiática a ganhar o Óscar de Melhor Atriz, pela sua interpretação em “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”. Esta foi a primeira nomeação aos Óscares e à primeira arrecadou o prémio. O filme conquistou, no total, 7 estatuetas douradas. O ano revelou a fratura na estrutura da Disney e sua subsidiária Marvel, e essa fissura, que começa a manifestar-se, é evidenciada pela “fadiga do super-herói”, algo que, em retrospectiva, não deveria surpreender absolutamente ninguém. Fundada em 2012 por três amigos em Nova York, o estúdio A24 recebeu 18 nomeações aos Óscares 2023 e teve nove vitórias, e o estúdio tornou-se na primeira produtora independente da história a vencer todas as categorias principais do maior prémio de cinema.
Destaque ainda, em tom de balanço do ano, para algumas personalidades do universo cinematográfico que morreram em 2023: o ator sul-coreano Lee Sun-kyun, o ator norte-americano Ryan O’Neal, ator norte-americano Matthew Perry, o ator e comediante Paul Reubens (Pee-Wee Herman), a atriz Josephine Hannah Chaplin, a atriz alemã Margit Carstensen, o ator israelita Chaim Topol, a cantora Tina Turner, o músico e compositor japonês Ryuichi Sakamoto, o realizador espanhol Carlos Saura, o realizador iraniano Ebrahim Golestan, e o realizador norte-americano William Friedkin, entre outros.
Estes são os dez melhores filmes do ano mais votados pela equipa do Cinema Sétima Arte:
1. Aftersun, de Charlotte Wells
2. Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho
3. Mal Viver/Viver Mal, de João Canijo
4. O Sol do Futuro, de Nanni Moretti / Dias Perfeitos, de Wim Wenders
5. Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese
6. Céu em Chamas, de Christian Petzold
7. Tár, de Todd Field / Trenque Lauquen, de Laura Citarella
8. As Bestas, de Rodrigo Sorogoyen
9. Pacifiction, de Albert Serra
10. Close, de Lukas Dhont
[divider]LISTAS INDIVIDUAIS[/divider]
Lista de Cátia Santos
1. Pacifiction, de Albert Serra
2. O Céu em Chamas, de Christian Petzold
3. Tár, de Todd Field
4. Trenque Lauquen, de Laura Citarella
5. Mal Viver/Viver Mal, de João Canijo
6. O Sol do Futuro, de Nanni Moretti
7. A Visita e um Jardim Secreto, de Irene M. Borrego
8. As Bestas, de Rodrigo Sorogoyen
9. Falcon Lake, de Charlotte Le Bon
10. Saint Omer, de Alice Diop
Menções honrosas:
– Ice Merchants, de João Gonzalez
– Body Buildings, de Henrique Pina
Este é, figurativamente, um ano de fantasmas e ilusões, mesmo que não estejam todos presentes nesta lista. Não que os outros anos não tenham sido e que o cinema não seja arte por excelência para lidar com ambos, mas o meu ano de cinema é um de desejadas ilusões, de escape à realidade. Os três primeiros filmes da minha lista são o reflexo disso mesmo. O primeiro porque é uma alegoria da antiga ordem mundial que, alheia ao que se passa à sua volta, se tenta manter relevante; o segundo porque finge calor onde só há gelo; o terceiro porque sonha, dentro da actual cultura de cancelamento, um mundo onde também as mulheres possam ser tão poderosas que cheguem ao ponto de poderem ser canceladas – provocador! “Trenque Lauquen” continua nessa senda, enrodilhado na sua trama circular, muito ao jeito daquela magia pouca realista da América Latina, e tão ao jeito de um magnífico escape à realidade. Se “O Sol do Futuro” parece aqui não ter lugar, mas pense-se no quanto ele imagina um desejado mundo onde não há streaming, o cinema se faz à antiga e as pessoas ainda sabem um pouco sobre a sua História. Um outro tipo de ilusão, saudosista, suspirando por coisas que já não voltam, tentando escapar ao esquecimento. Os restantes filmes giram em torno, de uma maneira ou de outra, de fantasmas e do desejo que os seus protagonistas e/ou realizadores têm de se manter à tona, permanecer relevantes. Alguns lidam com inquietações mais pessoais, como “A Visita e um Jardim Secreto”, outros com questões de justiça e de luta contra moinhos de vento, como “As Bestas” ou “Saint Omer”. Outros, ainda, são mesmo sobre fantasmas “reais”, como “Falcon Lake” ou “Mal Viver / Viver Mal”, ou giram em torno da alegoria do amor infinito e eterno, possível no imaginário de “Ice Merchants” ou na beleza etérea e minuciosa de “Body Buildings”. 2023 é um ano pessoal de fantasmas e ilusões desejadas como escape criativo e não uma desculpa para não estar no mundo. É que o mundo tornou-se num sítio um pouco escuro, valha-nos a arte do cinema para imaginar outros mundos.
Lista de Cláudio Azevedo
1. Céu em Chamas, de Christian Petzold
2. Os Fabelmans, de Steven Spielberg
3. Saint Omer, de Alice Diop
4. Aftersun, de Charlotte Wells
5. Tár, de Todd Field
6. O Sol do Futuro, de Nanni Moretti
7. Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho
8. Nunca Chove Na Califórnia, de Jamie Dack
9. A Romancista e o Seu Filme, de Hong Sang Soo
10. Mal Viver/Viver Mal, de João Canijo
Menções honrosas:
– O Pub The Old Oak, de Ken Loach
Os três primeiros filmes que encabeçam a minha lista destacam-se de alguma forma dos restantes; foram os filmes de 2023 que verdadeiramente me tocaram. E, quando tive que redigir este texto e os coloquei juntos, notei que existe algo que os aproxima.
Em “Os Fabelmans”, o poder contemplativo do cineasta aparece como tendo a sua génese no olhar encantado da criança. Spielberg, num primeiro momento e de uma forma muito directa, aponta o olhar infantil como motor criativo mais original; talvez por ser aquele que se aproxima mais do olhar primitivo que absorvia a imagem viva. Porém, este olhar inocente e encantando sofre uma metamorfose e transforma-se no olhar que passa a levar dentro de si a chama do amor, do ciúme e do desejo; um olhar que já sente a violência com que os signos embatem na sensibilidade.
É esta força de atracção, que existe entre o olhar e os signos que vão gravitando ao seu redor, que Christian Petzold conseguiu trabalhar tão bem no seu filme, “O Céu em Chamas”. O realizador alemão introduziu delicadamente um mundo de gestos e olhares por entre o fluxo retórico do filme com a mesma minúcia e precisão que o artesão coloca um barco dentro de uma garrafa. Leon (Thomas Schubert) e Nadja (Paula Beer) comunicam mais pelo que não é dito, pelo que reprimem e guardam. Petzold faz questão que ambas as personagens preservem o seu mistério interior até ao final e para isso teve que escapar ao cliché que culminaria na envolvência sexual do casal, momento que dissiparia toda a energia interior acumulada. É esta reserva de energia que preserva o mistério e oferece uma força renovada aos dois olhares que se cruzam no final do filme. O génio de Petzold não reside apenas na subtileza da sua realização, reside na forma como tudo nela concorre para manter viva a chama erótica.
Algo similar acontece no último filme de Alice Diop. As palavras emanam num ritmo quase ininterrupto. E, para que as personagens não se afogassem nesta torrente, Diop colocou o corpo de Laurence Coly (Guslagie Malanda) com a mesma rigidez escultórica dos modelos bressonianos. A sua inexpressividade joga entre o psicologismo de uma frieza de personalidade e a imobilidade de um corpo que se tornou ecrã. A imobilidade, os silêncios e os olhares de Coly resistem ao seu julgamento com mais força do que as suas próprias palavras. Diop, ao trabalhar tão bem a superfície do seu filme, oferece a cada palavra um peso muito concreto, como se elas passassem por um processo de sublimação que as solidificasse e as retirasse do fluxo vaporoso que se dissiparia no ar.
Lista de Francisco Quintas
1. Oppenheimer, de Christopher Nolan
2. Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese
3. Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, de Kemp Powers, Joaquim Dos Santos, Justin K. Thompson
4. Great Yarmouth – Provisional Figures, de Marco Martins
5. John Wick: Capítulo 4, de Chad Stahelski
6. O Conde, de Pablo Larraín
7. Barbie, de Greta Gerwig
8. Os Demónios do Meu Avô, de Nuno Beato
9. Napoleão, de Ridley Scott
10. Missão: Impossível – Ajuste de Contas Parte Um, de Christopher McQuarrie
Menções Honrosas:
– Pôr do Sol – O Mistério do Colar de São Cajó, de Manuel Pureza
– O Assassino, de David Fincher
A sétima arte pós-pandemia de Covid-19 vai ser um assunto muito denso para os historiadores de Cinema do futuro. Na minha opinião, 2023 deverá ser o último ano de um massivo e prolongado “escoamento” de produtos para os variados serviços de streaming, enquanto os estúdios tradicionais vergam a mola para não desfalecer em prejuízo, com gigantes orçamentos que pretendem resgatar as pessoas para as salas de cinema. Para não falar do abalo que a indústria do entretenimento levará à conta das greves de guionistas, atores e artistas de efeitos visuais. Apesar de Hollywood não representar o cinema de todo o mundo, é importante tirar notas do que acontece por lá. A maioria dos títulos da minha lista de preferências são prova de que o público continua, genuinamente, a valorizar a experiência coletiva de assistir a um filme em grande tela com um sistema de som que jamais terão em casa. Outros, por sua vez, evidenciam a rica (e subvalorizada) saúde do cinema português. Se a minha lista continuasse por mais 5 ou 10 filmes, tenho a certeza de que constariam mais filmes nacionais. Enquanto espetador, isso deixa-me orgulhoso. Ao contrário do que muitos já proclamaram – “o cinema morreu” –, todos os anos evidenciam que a sétima arte terá pernas para andar por muito tempo. Para a posteridade.
Lista de Lígia Maciel Ferraz
1. Aftersun, de Charlotte Wells
2. Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho
3. Rua dos Anjos, de Renata Ferraz
4. Trenque Lauquen, de Laura Citarella
5. Os Espíritos de Insherin, de Martin McDonagh
6. Rodeo, de Lola Quivoron
7. Para Sempre Mulher, de Kinuyo Tanaka
8. A Visita e um Jardim Secreto, de Irene M. Borrego
9. Close, de Lukas Dhont
10. A Voz das Mulheres, de Sarah Polley
Menções honrosas:
– O silêncio é um corpo que cai, de Agustina Comedi
– Las Leonas, de Isabel Achaval/ Chiara Bondì
Fazer uma lista de melhores filmes é sempre uma tarefa que revela uma falta. Escolher dez é deixar de fora tantos outros e, havendo o recorte de filmes estreados neste ano, não entram os favoritos que revi, os clássicos que vi pela primeira vez, e nem os que, devido à investigação, assisti e agora não saem de mim. Ao perceber os dez melhores que ficaram, penso na minha relação com o próprio cinema. Os festivais continuam a ser a minha época favorita do ano, quando assisto a filmes como se não tivesse contas a pagar ou prazos a cumprir. O tempo para fora da sala de cinema para que dentro dela ande no ritmo do meu pulso. Foi nesse contexto que me envolvi com “Rodeo”, “A Visita e um Jardim Secreto” e “Las Leonas”. Graças ao streaming pude assistir a filmes belíssimos no conforto do meu sofá (um novo que adquiri este ano justamente para ver filmes com mais dignidade), na hora e no dia em que me davam mais jeito. Foi assim com “Close”, “Trenque Lauquen” e “O Silêncio é um Corpo que Cai”. Para acompanhar minimamente a temporada de premiações do início deste ano, fui ao cinema assistir a “Os Espíritos de Insherin”, “A Voz das Mulheres” e “Aftersun” – filmes com os quais afeiçoei-me facilmente. Este último sendo o responsável pelo efeito raro de assistir duas vezes o mesmo filme num curto espaço de tempo e de me emocionar singularmente. Mas o meu ano fílmico ainda se fez por outros contextos. A estreia de “Retratos Fantasmas” e a oportunidade de assistir a uma homenagem ao cinema na sala lotada do Cinema São Jorge com o Kleber Mendonça Filho a apresentar a própria sessão foi, no mínimo, comovente. Depois, assistir à potência da partilha e dos encontros em Rua dos Anjos e ouvir (e estar próxima) de Renata Ferraz alegra-me não apenas por ver o carácter coletivo da criação cinematográfica como por experienciá-la através da investigação. Por fim, o ciclo de filmes dedicado à obra de Kinuyo Tanaka, um deleite cinematográfico, felizmente – pelos motivos errados – foi inédito em Portugal e pode entrar nesta lista, representado por Para Sempre Mulher. De modo que todas as palavras aqui usadas não dão conta de explicar o meu afeto pelos filmes e pelo cinema em si, encerro este texto falho com os votos de renovação para mais um cinema de afetos para o ano.
Lista de Luís Barros
1. Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese
2. Aftersun, de Charlotte Wells
3. Mal Viver/Viver Mal, de João Canijo
4. May December, de Todd Haynes
5. Ice Merchants, de João Gonzalez
6. O Sol do Futuro, de Nanni Moretti
7. As Bestas, de Rodrigo Sorogoyen
8. Rebelde, de Adil El Arbi, Bilall Fallah
9. A Conspiração do Cairo, de Tarik Saleh
10. O Azul do Cafetã, de Maryam Touzani
Menções honrosas:
– Chile, 1976, de Manuela Martelli
– Farta de Mim Mesma, de Kristoffer Borgli
2023 foi um ano de marcos e acontecimentos importantes para a sétima arte. A nível internacional, fenómenos como “Barbenheimer” levaram milhões às salas de cinema, contribuindo assim para uma recuperação positiva do número de espectadores pós-pandemia; a nível nacional, foi um ano histórico para o cinema português, pois, para além do Urso de Prata que João Canijo trouxe de Berlim, “Ice Merchants” tornou-se o primeiro filme português a ser nomeado aos Óscares da Academia. Confesso que compor esta lista não foi uma tarefa fácil; considerei “Os Assassinos da Lua das Flores”, de Martin Scorsese, como o melhor filme de 2023, não só pela sublime realização, estrutura narrativa e interpretações dos protagonistas, mas também por abordar um tema de importância social e política. O cinema tem também este papel, o de dar voz e destaque àqueles que são silenciados. Neste ponto, destaquei também na minha lista outros filmes que, através de narrativas pessoais, abordaram temas sociais importantes, sendo eles, “As Bestas” de Rodrigo Sorogoyen, “Rebelde” de Adil El Arbi e Bilall Fallah, “A Conspiração do Cairo” de Tarik Saleh e “O Azul do Cafetã” de Maryam Touzani. “Aftersun” de Charlotte Wells, “Mal Viver” e “Viver Mal” de João Canijo e “May December” de Todd Haynes destacaram-se ao explorar temas complexos de relações interpessoais, familiares e psicológicas. Como grande fã de Nanni Moretti, destaquei a sua última obra, ‘O Sol do Futuro’, na qual Moretti faz uma reflexão sobre o papel da arte e do cinema na política e sociedade italiana. Para menção honrosa, considerei os filmes “Chile, 1976” de Manuela Martelli e “Farta de Mim Mesma” de Kristoffer Borgli.
Lista de Maria Moura Baptista
1. Dias Perfeitos, de Wim Wenders
2. O Sol do Futuro, de Nanni Moretti
3. Mal Viver/Viver Mal, de João Canijo
4. Reino Animal, de Thomas Cailley
5. Aftersun, de Charlotte Wells
6. O Rapaz e a Garça, de Hayao Miyazaki
7. Tár, de Todd Field
8. Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho
9. Céu em Chamas, de Christian Petzold
10. Os Espíritos de Inisherin, de Martin McDonagh
Menções Honrosas:
– Orlando, Minha Biografia Política, de Paul B. Preciado
– Ice Merchants, de João Gonzalez.
Olhando em retrospetiva para este ano de cinema, confesso que senti alguma dificuldade em posicionar os 10 “mais” que de alguma forma, ou por algum motivo, tiveram destaque na minha pessoa de 2023. Iniciando num ponto de vista mais global e descendo até ao particular, acredito que a minha lista se poderá caracterizar pela variabilidade de temáticas e, acima de tudo, por uma cinematografia que prima pela graciosidade em conformidade com o argumento e realização.
O novo filme de Wim Wenders encontrou-me já no final do ano, e, quando acreditava já ter definido o melhor, fui surpreendida. “Dias Perfeitos” teve de ser a minha escolha para filme do ano. Já rendida a outros trabalhos de Wim Wenders, a sua nova longa-metragem foi, no final do meu ano, uma lufada de ar fresco e conforto. Poder acompanhar Hirayama no seu dia-a-dia e na sua vida perfeita, completou-me como um filme já não o fazia há bastante tempo. Cinematografia, de Franz Lustig, absolutamente arrebatadora, banda sonora nostálgica, argumento coerente e uma performance surpreendente de Kōji Yakusho, cativou-me e comoveu-me desde o início, até ao último minuto.
Não ficando necessariamente atrás, o regresso de Nanni Moretti ao grande ecrã, em “O Sol do Futuro”, transporta muito do que já é seu para um contexto sociocultural e político que parece indicar já não ter lugar para o realizador e para os seus pensamentos. Em harmonia com um argumento quase perfeitamente construído, perpetra a minha escolha para um dos filmes do ano, considerando-o, uma das longas-metragens essenciais para a compreensão do mundo na atualidade. Na Lista – 10 Melhores Filmes Ano, “Mal Viver”, de João Canijo, foi uma escolha lógica para um ano de cinema que transbordou o nome do realizador no cinema nacional e internacional. Um filme absolutamente extraordinário, repescando o talento de Leonor Teles, numa cinematografia deslumbrante que “dança” com um elenco de luxo, oferecendo uma grande obra ao cinema português.
Seguem-se “Reino Animal” de Thomas Cailley, pela sua originalidade e critica social subtil e “Aftersun” de Charlotte Wells pela construção transparente de uma relação complexa e real de um pai e uma filha. Destacando, evidentemente, “O Rapaz e a Garça” e o regresso de Miyazaki e a sua animação de culto, que enriquece, novamente, o universo da animação mundial, fugindo ao convencional.
Na minha lista de melhores do ano, seguem-se os gigantes de “Tár” de Todd Field, o filme documentário de Kleber Mendonça Filho, “Retratos Fantasmas”, uma surpresa de Christian Petzold, “Céu em Chamas” e, finalmente, “Os Espíritos de Inisherin” de Martin McDonagh. Para menções honrosas escolho dois filmes, Orlando, Minha Biografia Política, de Paul B. Preciado e, claro, Ice Merchants de João Gonzalez.
Lista de Maria Inês Gomes
1. Dias Perfeitos, de Wim Wenders
2. Trenque Lauquen, de Laura Citarella
3. Fechar os Olhos, de Victor Erice
4. O Rapaz e a Garça, de Hayao Miyazaki
5. Os Espíritos de Inisherin, de Martin McDonagh
6. Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho
7. Toda a Beleza e a Carnificina, de Laura Poitras
8. Terra de Deus, de Hlynur Pálmason
9. Evil does not Exist, de Ryusuke Hamaguchi
10. O Azul do Cafetã, de Maryam Touzani
Menções honrosas:
– EO, de Jerzy Skolimowski
– O Que podem as Palavras, de Luísa Sequeira / Luísa Marinho
O movimento nostálgico por parte da sétima arte, em recuperar a sua história e a sua essência (porventura assombradas pela digitalização e o consumo on demand), que, a meu ver, ficara evidente em 2022, perpetuou-se neste ano de 2023. Se, em 2022, as homenagens ao valor da sala de cinema e à criação analógica do objecto fílmico consubstanciaram-se com Spielberg em “The Fabelmans“, Chazelle em “Babylon“, e até Iñárritu, num tom mais futurista, em “Bardo“, a vontade de olhar pelo retrovisor mantém-se e essas mesmas homenagens reflectem-se no pódio das minhas escolhas. Algo de contemplativo, num elogio à demora e ao analógico, fazem coincidir os “Dias Perfeitos” preenchidos pelos rituais, bem como as cartas e as descobertas compiladas nas histórias dentro de histórias da cidade de “Trenque Lauquen”, a par do atormentado realizador que vê, sem “Fechar os Olhos”, a foto que o seu amigo actor guarda consigo uma vida inteira de desaparecimento, e nela toda a dissolução entre a identidade e a memória. O elogio mais evidente e mais caloroso à sétima arte reservei-o para “Retratos Fantasmas”, e na senda de documentários preciosos que vêm manter vivos pedaços do arquivo da História, as histórias de vida das artistas Nan Goldin (em “Toda a Beleza e a Carnificina”), bem com as três Marias por detrás das Novas Cartas Portuguesas, ilustram “O Que Podem as Palavras”, as do activismo, e as da luta feminista em prol da equidade e da justiça (e tais testemunhos de tais valores não podem ficar fora da grande tela).
Por grande admiração ao realizador japonês, não posso deixar de fora o regresso de Hamaguchi em “Evil does not exist” (que no mês de Janeiro estreia nas salas de cinema nacionais), bem como a menção horrosa a “EO”, por não deixar de fora a inspiração bressoniana por parte de Jerzy Skolimowski. Outro dos regressos que incluo é o de Hayao Miyazaki , que, através das viagens de “O Rapaz e a Garça”, por entre mundos de realidade e de fantasia, faz-nos sempre querer regressar à inevitável dor do nosso. E se ambos os japoneses, Miyazaki e Hamguchi, questionam a origem natural da existência, “Terra de Deus” procura fotografar, estrondosamente, a busca pelos fundamentos morais da espiritualidade.
A pretexto de desencavar povos em guerra ou profundamente conservadores nas suas tradições, as histórias aparentemente simples, banais ou insólitas, como a amizade entre dois homens em “Os Espíritos de Inisherin”, e o trio amoroso em “O Azul do Cafetã”, trazem à tona o essencial (e que por isso resiste a qualquer datação): a sobrevivência do amor e do afecto sobre qualquer forma de conflito. Estamos sempre a precisar disso.
Lista de Mariana Azevedo
1. As Bestas, de Rodrigo Sorogoyen
2. Dias Perfeitos, de Wim Wenders
3. Aftersun, de Charlotte Wells
4. Passages, de Ira Sachs
5. Asteroid City, de Wes Anderson
6. Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese
7. Tár, de Todd Field
8. O Céu em Chamas, de Christian Petzold
9. May December, de Todd Haynes
10. O Maestro, de Bradley Cooper
Menções honrosas:
– Oppenheimer, de Christopher Nolan
– John Wick: Capítulo 4, de Chad Stahelski
Às vezes nem sabemos explicar como é que há filmes que passam ao lado da crítica e do público em geral ou se somos nós que continuamos virados para o lado errado. É certo que houve um momento que me virei para o lado certo e dei por mim a não tirar o filme “As Bestas” da cabeça desde o início do ano. O filme é de 2022, mas teve a sua estreia em Portugal em 2023, daí constar nesta lista e mais do que a tempo para balanços de 2023.
Realizado pelo espanhol Rodrigo Sorogoyen, conta-nos a história de um casal francês que se mudou para uma pequena aldeia na Galiza com o intuito de terem uma vida tranquila enquanto cuidam da sua horta e recuperam as casas em ruínas em volta. Depressa a tranquilidade acaba quando os dois irmãos vizinhos resolvem intrometer-se na vida do casal. E é aqui que o filme começa, porque o nível alto de tensão é extraordinário sem qualquer efeito especial ou música de suspense como num bom legítimo filme de terror. A questão é que não é preciso e isso é que torna este filme de uma competência inatingível. O nível de violência não explícita é tal que envergonha qualquer gore. As magníficas paisagens da Galiza perdem-se para o conflito entre o casal e os dois irmãos dando lugar a diálogos cínicos e pouco demagógicos que fomentam o confronto e se aproveitam da fragilidade humana. Um óptimo trabalho de actores e de argumentistas (o próprio realizador e Isabel Peña).
Como se fez tanto neste filme com tão pouco?
Lista de Tiago Resende
1. Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho
2. O Pub The Old Oak, de Ken Loach
3. Mal Viver/Viver Mal, de João Canijo
4. Fechar os Olhos, de Victor Erice
5. Close, de Lukas Dhont
6. O Sol do Futuro, de Nanni Moretti
7. 20.000 espécies de Abelhas, de Estíbaliz Urresola
8. Tori e Lokita, de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne
9. As Bestas, de Rodrigo Sorogoyen
10. Ursos Não Há, de Jafar Panahi
O Cinema é, entre muitas coisas, a imagem cinematográfica que conta a nossa memória colectiva. Preservar essa memória passa necessariamente pela conservação dos filmes e de um lugar para os projetar e experienciar. A minha lista dos melhores filmes a que assisti em 2023 passa muito por essa ideia de memória que deve ser preservada. Até porque, sem memória, não há futuro, e 2024, mesmo sendo o ano do 50.º aniversário da Revolução dos Cravos, avizinha-se ser um ano em que apenas o cinema nos poderá dar alguma luz de esperança.
O filme do ano, para mim, é a carta de amor ao cinema que Kleber Mendonça Filho realizou, “Retratos Fantasmas”. Uma homenagem ao próprio cinema, mas também à cidade do Recife e às salas de cinema, agora espaços fantasmas, onde restam as memórias desses lugares idílicos. O documentário de Kleber é transversal a muitas outras cidades um pouco por todo o mundo. Também em Portugal, as cidades foram perdendo as suas salas de cinema, os espectadores e os hábitos mudaram. O filme de Kleber, que reflete também como as salas de cinema permitiram o modo como pensamos e organizamos as cidades, é de certa forma um filme sobre resistência, de algumas salas de cinema que resistem ao tempo e que souberam adaptar-se às mudanças.
“Fechar os Olhos”, o quarto filme de Víctor Erice, é também ele uma memória de um certo cinema que envelheceu, mas que foi preservado e soube adaptar-se aos novos tempos. Como afirma uma das personagens a certa altura do filme, há que saber envelhecer, “sem medo e sem esperança.” Erice faz essa reflexão de forma sublime.
Em sentido oposto, surge o segundo melhor filme que vi em 2023, provavelmente o último filme de Ken Loach, “O Pub The Old Oak”, um filme sobre resistência que carrega alguma esperança. O belíssimo filme de Loach faz uma reflexão sobre a nossa sociedade, o sentido de comunidade e a esperança na humanidade. Nos tempos que vivemos, com os populismos da extrema-direita a espalharem-se na Europa, nunca o racismo sistémico esteve tão visível. O mais recente filme do cineasta britânico é bastante claro e não cria falsas esperanças. O que mais precisamos, cada vez mais, é de solidariedade entre nós, entre povos.
Outros acontecimentos cinematográficos do ano foram, por exemplo: o belíssimo díptico de João Canijo, “Mal Viver / Viver Mal”, sobre amores incondicionais nas relações entre mãe(s) e filha(s); o contagiante filme político “O Sol do Futuro”, outro sinal de esperança de Nanni Moretti; o cru “Tori e Lokita”, dos irmãos Dardenne, um olhar desolador, mas real, sobre o racismo e a nossa escassez de humanidade; o doce e sensível primeiro filme da espanhola Estíbaliz Urresola, “20.000 espécies de Abelhas”, sobre identidade de género; a segunda longa-metragem de Lukas Dhont, “Close”, comovente filme com uma mensagem forte sobre a masculinidade tóxica e uma crítica à sociedade patriarcal; ou os filmes de denúncia como “Toda a Beleza e a Carnificina”, de Laura Poitras, ou “Ursos Não Há”, do cineasta iraniano proibido de fazer filmes Jafar Panahi.
Menções honrosas:
– Toda a Beleza e a Carnificina, de Laura Poitras
– Falcon Lake, de Charlotte Le Bon
Lista de Vanderlei Tenório
1. Aftersun, de Charlotte Wells
2. Close, de Lukas Dhont
3. Asteroid City, de Wes Anderson
4. Os Fabelmans, de Steven Spielberg
5. Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho
6. Pearl, de Ti West
7. A Voz das Mulheres, de Sarah Polley
8. Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese
9. Aos Nossos Filhos, de Maria de Medeiros
10. Saltburn, de Esmeralda Fennell
Menções honrosas:
– O Filho, de Florian Zeller
– Com Amor e Raiva, de Claire Denis
Gostaria que cada um de vocês desenvolvesse suas próprias interpretações sobre minha seleção. Portanto, optarei por não elaborar sobre todas as minhas escolhas. Irei concentrar meu comentário nos dois primeiros filmes, “Aftersun”, de Charlotte Wells, e “Close”, de Lukas Dhont, respectivamente.
O atrativo irresistível de “Aftersun” reside em sua delicadeza, na sensibilidade sutilmente desvendada pela realização de Charlotte Wells. Esse encanto é especialmente atribuído aos dois personagens e aos intérpretes que lhes dão vida. Em conjunto, pai e filha prendem a atenção do público a cada movimento, levando-o a refletir sobre a profunda cumplicidade entre eles. É um encontro de almas, onde as palavras se tornam dispensáveis. Os olhares, sorrisos e abraços comunicam tudo. No entanto, mesmo assim, os primeiros desentendimentos emergem como uma disputa silente. Despida de qualquer excesso lírico ou manifestação sentimental exagerada, Wells contenta-se em relatar objetivamente as ações de seus personagens, proporcionando a revelação gradual do mistério subjacente. Nessa trajetória, à medida que se encaminha para o desfecho, o filme entrelaça diversas camadas; ele se despedaça sob uma luz cintilante que separa os corpos e embaralha as fronteiras entre diferentes tempos e espaços. A distinção entre passado e presente se esvai, deixando-nos em uma incerteza envolvente. Isso é intencional, gerando uma comoção com o objetivo de nos libertar, envolvendo nossa essência e cativando nossa alma finita. No fim, a história de um jovem pai e sua filha vai além da busca por compreensão, transformando-se em permitir-se ser conduzido pela emoção. É possível que seja exatamente por essa razão que a narrativa conquistou instantaneamente o público. Trata-se de uma história que captura o coração, a mente e a alma, mantendo-nos sem fôlego até a conclusão final. Tudo isso com a intenção de preservar o sentimento como uma lembrança derradeira.
É aterrorizante e emocionante abrir-se para alguém ou algo novo. E, talvez, não seja tão fácil mergulhar profundamente. Esses são alguns dos dilemas abordados no sensível “Close”, realizado por Lukas Dhont e representante da Bélgica na categoria de Melhor Filme Internacional nos Óscares de 2023. Ao explorar a amizade e o amor na adolescência, “Close” revela-se como um estudo elegante, poético e empático. Neste contexto, a amizade se desenha como uma série de desafios à nossa confiança mútua, submetida a avaliações repetidas até encontrar sua solidez ou, eventualmente, sua ruptura. Ainda que essa perspectiva possa parecer um tanto sombria, “Close” surge como a antítese disso. Com interpretações poderosas dos estreantes Eden Dambrine e Gustav De Waele, o segundo filme de Dhont evoca uma narrativa de crescimento pessoal que permanece na memória. Aqui, em particular, Dhont explora temas como a perda, o luto, a culpa e a amizade de forma delicada e, às vezes, dura. Sua abordagem é ao mesmo tempo dolorosa e bela, conseguindo capturar a complexidade e a intensidade dessas experiências na vida da dupla.
Lista de Wellington Almeida
1. Samsara, de Lois Patiño (IndieLisboa)
2. Super Natural, de Jorge Jácome
3. Falcon Lake, de Charlotte Le Bon
4. Pacifiction, de Albert Serra
5. May December, de Todd Haynes
6. Mal Viver/Viver Mal, de João Canijo
7. EO, de Jerzy Skolimowski
8. A Invenção do Outro, de Bruno Jorge (Cine Eco Seia)
9. Creatura, de Elena Martín Gimeno (Leffest)
10. Our Body, de Claire Simons (IndieLisboa)
Menções honrosas:
– Passages, de Ira Sachs (Queer Lisboa)
– Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho
Um dos maiores acontecimentos cinematográficos do ano chegou discretamente a Portugal, com apenas duas sessões no IndieLisboa, lá pelo final de abril. Ainda sem data para estreia comercial no país, este é um filme que tem de se entrar às cegas, sem saber muito bem para onde está sendo conduzido e exclusivamente no grande ecrã. Refiro-me ao sensacional “Samsara” do galego Lois Patiño que, em pleno 2023, conseguiu redefinir o cinema e desafiar a maneira como o compreendemos. Assim, meio que sem querer, o filme nasceu quase como um manifesto de resistência, uma obra que tanto resiste às políticas limitadoras do streaming como também às convenções rígidas de fazer e experienciar cinema.
No entanto, é muito difícil discorrer sobre o filme sem entrar em pormenores que possam estragar a essência do plano em que ele foi concebido: uma experiência que só pode ser vivenciada em sala e, sobretudo, na companhia de outras pessoas, para que o seu efeito de catarse coletiva possa fazer sentido.
“Samsara” propõe um olhar meditativo sobre a filosofia budista da encarnação, explorando a vida como um eterno ciclo de morte e renascimento. Para se aprofundar nessas questões, o filme desmantela a sua própria estrutura narrativa e reinventa-se, desafiando (e literalmente convidando), o espectador a participar ativamente na sua construção.
O filme de Patiño, que dividiu com “Orlando, Minha Biografia Política” o prémio especial do júri da seção Encounters na última Berlinale, é uma das coisas mais geniais e revigorantes do cinema contemporâneo. Um pequeno fragmento de poesia metafísica, não apenas engendrado como uma experiência sensorial, mas também como um convite às possibilidades de um renascimento, seja ele do cinema ou da própria existência.