A equipa do Cinema Sétima Arte volta a reunir-se para um balanço anual e para compor a lista dos melhores filmes do ano, tendo contado com a participação de nove membros do site (Cátia Santos, Cláudio Azevedo, Lígia Maciel Ferraz, Luís Barros, Mariana Azevedo, Pedro Ferreira, Tiago Resende, Vanderlei Tenório, e Wellington Almeida). O melhor filme do ano para a equipa do Cinema Sétima Arte é “Vidas Passadas”, da cineasta sul-coreana-canadense Celine Song, nomeado para dois Óscares em 2024, baseado na experiência pessoal da realizadora, que faz um retrato dos choques culturais e das realidades migratórias.
Com 37 pontos, este romance moderno sobre o primeiro amor de infância e que questiona o destino ocupa assim o primeiro lugar da lista de 2024. Segue-se, com menos um ponto, o vencedor da Palma de Ouro da 76.ª edição de Cannes, “Anatomia de Uma Queda”, de Justine Triet, e logo a seguir, com 35 pontos, o documentário do ano e candidato favorito aos Óscares, “No Other Land”, de Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor e Hamdan Ballal, sobre o conflito israelo-palestiniano.
Desde 2016 que o Cinema Sétima Arte reúne a sua equipa para criar uma lista coletiva e esta é a quarta vez que o melhor filme do ano é realizado por uma mulher, depois de “Aftersun”, de Charlotte Wells (na lista de 2022), “First Cow”, de Kelly Reichardt (na lista de 2021) e “Retrato de Uma Rapariga em Chamas”, de Céline Sciamma (na lista de 2020).
A lista coletiva deste ano inclui doze filmes, três dos quais em ex aequo na nona posição, com 19 pontos cada: “A Substância”, de Coralie Fargeat, “Os Delinquentes”, de Rodrigo Moreno, e “Baan”, de Leonor Teles. Ao todo foram submetidos a votação 54 filmes, dos quais, “Conclave”, “O Mal Não Está Aqui”, “Grand Tour”, “Fire Supply”, “Juror #2”, “Bowling Saturno” ou “Challengers” foram algumas das preferências da equipa do Cinema Sétima Arte.
Os critérios para a eleição dos 10 melhores filmes do ano de 2024 consideram filmes estreados em Portugal no ano de 2024, quer em salas de cinema, quer em festivais de cinema nacionais, quer em plataformas streaming disponíveis no país, até ao dia 26 de dezembro.
Num breve balanço deste ano cinematográfico destacamos três momentos memoráveis: as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril assinaladas em dezenas de sessões realizadas por todo o país, em cineclubes, mostras e festivais de cinema; o prémio Cristal de Melhor-Curta-Metragem do Festival de Annecy atribuído a Laura Gonçalves e a Alexandra Ramires pela curta “Percebes”; e o prémio de Melhor Realização no Festival de Cannes a Miguel Gomes, por “Grand Tour”.
Quanto aos resultados de bilheteira nas salas de cinema nacionais, torna-se claro que a pandemia da COVID (em 2020) deixou marcas profundas na exibição cinematográfica em Portugal. Segundo os dados do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), em 2024 registaram-se, até ao momento, 68 milhões de euros em receitas e 11 milhões de espectadores. Um número inferior a 2023 (12,3 milhões de espectadores) e muito distante de 2019 (15,5 milhões). Depois de três consecutivos com uma tendência de crescimento, entre 2021 e 2023, este ano regista-se mais uma queda.
Apesar de o número total de espectadores ter diminuído, a quota de espectadores viram cinema português aumentou de 2,7% (329 mil espectadores, em 2023) para 4,5% (505 mil espectadores este ano). O aumento de espectadores do cinema nacional aparenta ser uma boa notícia, mas não passa de uma grande ilusão, pois apenas dois filmes portugueses foram vistos por mais de 100 mil espectadores: “Balas & Bolinhos: Só Mais uma Coisa” (248.693 espectadores) e “Podia Ter Esperado por Agosto” (102.732 espectadores). Juntos representam cerca de 70% da venda de bilhetes do cinema nacional (totalizam 351,425 espectadores). As restantes 68 produções nacionais estreadas este ano foram vistas apenas por 30% dos espectadores (cerca de 153 mil espectadores). Ou seja, andamos a ver menos cinema em sala e é uma falácia achar-se que vemos o nosso próprio cinema. Com cerca de 70 produções nacionais estreadas nos cinemas, apenas duas tiveram mais de 100 mil espectadores, apenas seis por mais de 10 mil espectadores e 42 foram vistas por menos de mil espectadores. Estes números deviam levar-nos a refletir sobre que cinema andamos a ver e que políticas de educação e promoção para o cinema português deveríamos ter.
O ano de 2024 ficou ainda marcado pelo estrondoso sucesso do filme da Pixar “Divertida-Mente 2”, que bateu todos os recordes de bilheteira, tornando-se no filme mais visto do ano e o mais visto desde 2004, visto por mais de um milhão de espectadores, segundo dados do ICA. O filme de animação ultrapassou assim “O Rei Leão”, que liderava o ranking dos filmes mais vistos desde 2019. Quanto aos restantes filmes mais vistos este ano juntam-se “Deadpool & Wolverine” (com 611 mil espectadores), “Gru – O Maldisposto 4”, “Vaiana 2”, “Isto Acaba Aqui”, “Todos Menos Tu”, “Dune – Duna: Parte Dois”, “O Panda do Kung Fu 4”, “Gladiador II” e “Balas & Bolinhos: Só Mais uma Coisa”, que ocupa o décimo lugar do ranking geral e o primeiro lugar dos filmes portugueses.
Destaque ainda para algumas personalidades do universo cinematográfico que morreram em 2024: o cineasta português António-Pedro Vasconcelos, o ator francês Alain Delon, a atriz espanhola Marisa Paredes, atriz italiana Sandra Milo, o ator e humorista Richard Lewis, o argumentista e produtor Norman Lear, o ator norte-americano James Earl Jones, as atrizes norte-americanas Shelley Duvall e Gena Rowlands e a atriz britânica Maggie Smith.
Estes são as escolhas do ano mais votados pela equipa do Cinema Sétima Arte:
1. Vidas Passadas, de Celine Song
2. Anatomia de Uma Queda, de Justine Triet
3. No Other Land, de Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal
4. Folhas Caídas, de Aki Kaurismäki
5. Anora, de Sean Baker
6. A Zona de Interesse, de Jonathan Glazer
7. Culpado – Inocente – Monstro, de Hirokazu Koreeda
8. Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo, de Radu Jude
9. A Substância, de Coralie Fargeat
9. Os Delinquentes, de Rodrigo Moreno
9. Baan, de Leonor Teles
10. Tudo o Que Imaginamos como Luz, de Payal Kapadia
LISTAS INDIVIDUAIS
Lista de Cátia Santos
1. Os Delinquentes, de Rodrigo Moreno
2. A Substância, de Coralie Fargeat
3. Culpado – Inocente – Monstro, de Hirokazu Koreeda
4. Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo, de Radu Jude
5. As Três Filhas, de Azazel Jacobs
6. Flow, de Gints Zilbalodis
7. Os Excluídos, de Alexaner Payne
8. O Sabor da Vida, de Anh Hung Tran
9. Desconhecidos, de Andrew Haigh
10. Vidas Passadas, de Celine Song
Menções honrosas:
– Emilia Pérez, de Jacques Audiard
– American Fiction, de Cord Jefferson
A escolha de um conjunto de filmes como sendo os melhores de um dado ano é sempre imperfeita. Representa igualmente os filmes que não foram vistos e as projeções que fazemos sobre aqueles que foram vistos. As minhas escolhas para 2024 talvez reflictam um ano algo Neptuniano para mim – fiquei rendida aos títulos que mais se dedicaram à vida, às suas ilusões, mas também à sua capacidade de ver por entre o caos. “Os Delinquentes” é o exemplo máximo desta descrição – um heist movie que se enreda numa espiral de personagens que aparenta ser a reflexão umas das outras no espelho. Esta foi a minha maior e melhor ilusão. Por oposição (será?), “A Substância” é um murro descarado no estômago que esconde uma cruel realidade – a de ser-se mulher madura no mundo das aparências. Corrijo – a de ser-se mulher no mundo de sempre. “Culpado – Inocente – Monstro”, um belíssimo e insidioso filme sobre a dúvida e as perspectivas, surpreendeu-me pela sua amargura enquanto navega com mestria pelas motivações que só cada um de nós conhece. “As Três Filhas”, um título da Netflix, um claustrofóbico filme sobre a dor da perda, sobre o que não se disse e não se fez, mas também sobre o que se pode curar para seguir em frente. Belíssimas actrizes num filmes que se passa praticamente todo dentro de esquálidas quatro paredes e sobrevive de uma escrita sólida e uma fotografia simultaneamente nostálgica e esperançosa. “Flow” é arte em movimento, mas também um tratado lindo sobre unir os opostos na adversidade. Sem uma única palavra, destrói por completo as expectativas de um filme animado ter de ser da Disney ou da Pixar ou qualquer outro grande estúdio e mostra como a criatividade pode estar ao serviço da arte sem se recorrer a fogos de artifício. Sobre “Os Excluídos” muito se falou, tanto para o bem como para o mal, mas o que é certo é que esta história sobre gente que não tem para onde ir na altura do Natal é mais um dos exemplos de como não é preciso inventar a roda para trazer sentimento para um filme. Certo que vive de alguns clichés românticos, mas a presença fantástica de Paul Giamatti e a sintonia com os restantes actores lhe traz algo de novo e fresco, cheio de humor negro. “O Sabor da Vida” e “Desconhecidos” representam lindamente o pendor romântico de que fui tomada – e de que, na verdade, sou tomada muitas vezes. Duas histórias de amor para sempre, lindamente filmadas, rédea solta para explorar pelas imagens a devoção entre duas pessoas, embora em tempos e cenários completamente diferentes. Uma palavra para o conjunto magnífico de actores que trouxeram à vida os dois casais. Por último, uma menção para a surpresa que representou para mim “Emilia Pérez”, eu que fujo de musicais como o Diabo foge da cruz. Gostei da sua negritude, do modo como aborda um tema presente e importante de uma forma, no fundo, invulgar. Duvido que se tenha feito ou se volte a fazer um filme sobre um gangster transgénero que muda duplamente de vida depois da sua transição – uma dupla e completa metamorfose. E “American Fiction” porque para além de criativo e vivo traz um Jeffrey Wright absolutamente delicioso às voltas com a fama que alcança quando escreve sobre tudo aquilo que detesta na sociedade que explora os negros e o seu talento criativo. Para além disso, a par de Wright está um elenco de luxo que, normalmente, povoa as séries mais populares dos tempos recentes e mostra como faz muito mais do que só séries.
Lista de Cláudio Azevedo
1. Armadilha, de M. Night Shyamalan
2. Folhas Caídas, de Aki Kaurismäki
3. Culpado – Inocente – Monstro, de Hirokazu Koreeda
4. Juror #2, de Clint Eastwood
5. Anora, de Sean Baker
6. Ferrari, de Michael Mann
7. Conclave, de Edward Berger
8. Assassino Profissional, de Richard Linklater
9. Guerra Civil, de Alex Garland
10. Vidas Passadas, de Celine Song
Menções honrosas:
– Anatomia de Uma Queda, de Justine Triet
“Trap”, de M. Night Shyamalan, foi, para mim, a melhor surpresa cinematográfica de 2024. É difícil expressar o que o filme possui que o faça destacar-se. Num primeiro olhar, quando o vemos apenas na sua superfície, aparenta ser um filme mais ou menos banal, com uma premissa aparentemente simples, uma ida, em família, a um concerto da estrela pop do momento. Porém, a trama vai-se tecendo com uma enorme subtileza, intensificando a luta entre dois engenhos que se opõem: o engenho de captura versus o engenho de fuga. Aos poucos, a máscara do protagonista vai caindo até ficar a nu, quando este começa a agir, cada vez mais, de acordo com o seu instinto de sobrevivência aliado ao seu crescente poder de manipulação. É no sentimento que temos ao ver o cerco criado pela armadilha a apertar cada vez mais e a encurralar o protagonista que reside o poder do filme. Não se trata de um filme que pretende desvendar quem cometeu o crime, mas de acompanharmos o criminoso na sua luta por sobrevivência, colocando todo o seu engenho e poder de improviso em acção na busca por uma via de escape de uma armadilha aparentemente inescapável. Vemos todo o seu poder de dissimulação, a forma como usa a sua máscara de bonomia para alcançar os seus fins mais perversos; vemos a ambiguidade que existe no jogo que precisa fazer entre o colocar e o fazer cair a sua máscara para alcançar todos os fins. Neste filme, parece encaixar perfeitamente e tornar muito claro o pensamento de Kafka: “O mal conhece o bem, mas o bem não conhece o mal”.
Lista de Lígia Maciel Ferraz
1. Fire Supply, de Lucia Seles
2. Reas, de Lola Arias
3. Latino Bar, de Paul Leduc
4. Tudo o Que Imaginamos como Luz, de Payal Kapadia
5. Bird, de Andrea Arnold
6. Vidas Passadas, de Celine Song
7. Anatomia de Uma Queda, de Justine Triet
8. O Dia que te Conheci, de André Novais Oliveira
9. No Other Land, de Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal
10. Eu Não Sou Tudo o Que Quero Ser, de Klára Tasovská
Menções honrosas:
– Folhas Caídas, de Aki Kaurismäki
– A Quimera, de Alice Rohrwacher
Fazer uma lista de melhores filmes estreados no ano é mais eleger como melhores aqueles que mais me emocionaram do que definir critérios objetivos sobre o que faz de um filme o melhor. Inesperadamente, os meus melhores deste ano trouxeram-me alegria. “Reas”, “Fire Supply” e “O Dia que te Conheci” botaram um sorriso no meu rosto logo na primeira cena e mantiveram-se até a última, e consigo recuperá-lo só de me lembrar deles. Ao contrário desses, “No Other Land” deixou-me com um nó no pescoço e no peito tão necessário quanto difícil de desatar. Frequentemente entro numa imersão contemplativa com filmes que sussurram as suas inquietações em mim – foi o que aconteceu com “Bird”, “Vidas Passadas” e “Tudo o Que Imaginamos Como Luz”. A música e os corpos dançantes também entram como uma componente que mobiliza os meus sentimentos numa sala escura, e “Reas” e “Latino Bar” definitivamente comoveram-me pelas suas intensidades. Muitas vezes sou atraída por filmes com personagens peculiares e encontros esquisitos e “Folhas Caídas”, “Fire Supply” e “A Quimera” não me decepcionaram em nada. “Vidas Passadas” e “Anatomia de Uma Queda” resistiram ao tempo e permaneceram vivos em mim do início ao fim de 2024, tanto pelas franquezas quanto pelas habilidades narrativa e estética. Ouvir cineastas nas sessões dos seus filmes quase sempre intensifica a experiência do próprio filme. Neste ano, a chegada repentina da fotógrafa Libuse Jarcovjakova e da cineasta Klára Tasovskáno no fim da sessão de abertura do IndieLisboa deixou “Eu Não Sou Tudo o Que Quero Ser” ainda mais vivo. A conversa com Lola Arias após a sessão de “Reas” no Leffest tornou o seu comprometimento político inspirador e a sua obra mais potente. E ouvir Lucía Seles falar antes da sessão de “Fire Supply” no Doclisboa não só me abriu para o universo particular do filme, mas também despertou em mim uma vontade adormecida de escrever desenfreadamente. Foi um ano delicioso.
Lista de Luís Barros
1. Bye Bye Tibériade, de Lina Soualem
2. Anatomia de Uma Queda, de Justine Triet
3. Grand Tour, de Miguel Gomes
4. Baan, de Leonor Teles
5. A Zona de Interesse, de Jonathan Glazer
6. Motel Destino, de Karim Aïnouz
7. O Quarto ao Lado, de Pedro Almodóvar
8. Folhas Caídas, de Aki Kaurismäki
9. François Truffaut, My Life, a Screenplay, de David Teboul
10. Vidas Passadas, de Celine Song
Menções honrosas:
– A Substância, de Coralie Fargeat
– O Corno do Centeio, de Jaione Camborda
Fazer uma lista com os melhores do ano nunca é tarefa fácil. No topo da lista, considerei “Bye Bye Tibériade”, de Lina Soualem, como o melhor de 2024. O documentário estreou na primeira edição do Festival de Cinema Árabe de Lisboa e explora os laços familiares e memórias íntimas de Hiam Abbass, atriz palestiniana que partiu para França ainda jovem para perseguir o sonho de ser atriz. O filme, para além de uma estrutura narrativa e realização sólidas, capta de forma importante a luta pela autodeterminação do povo palestiniano através do olhar de quatro mulheres, de quatro gerações de uma família. Num ano em que o genocídio contra o povo palestiniano se agravou, não poderia deixar de considerar este filme como um dos mais importantes do ano.
Logo a seguir, “Anatomia de Uma Queda”, de Justine Triet, vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 2023, um filme sublime com diálogos soberbos e atuações marcantes. Miguel Gomes surpreendeu com “Grand Tour”, uma jornada cinematográfica que saiu galardoada na última edição do Festival de Cannes, e, ainda no cinema português, “Baan”, de Leonor Teles, trouxe uma visão sensível e marcante sobre questões de identidade e pertença.
Destaquei “O Corno do Centeio”, de Jaione Camborda, nas menções honrosas, co-produção portuguesa e primeiro filme galego a vencer a Concha de Ouro em San Sebastián, pelos temas de sororidade, autonomia corporal e resistência que aborda.
Lista de Mariana Azevedo
1. Folhas Caídas, de Aki Kaurismäki
2. Tera Queimada, de Thomas Arslan
3. Anatomia de Uma Queda, de Justine Triet
4. Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo, de Radu Jude
5. Juror #2, de Clint Eastwood
6. A Substância, de Coralie Fargeat
7. Vidas Passadas, de Celine Song
8. A Quimera, de Alice Rohrwacher
9. Ferrari, de Michael Mann
10. Challengers, de Luca Guadagnino
Menções honrosas:
– Conclave, de Edward Berger
– Armadilha, de M. Night Shyamalan
No ano passado pela mesma altura olhava para o que 2023 tinha sido pobre em bons filmes. Tive dificuldade em ser justa no rigor dos meus critérios, coisa que não aconteceu em 2024. Este ano tivemos bom cinema, tão bom até que a nossa lista se destaca no feminino. Protagonistas ousadas, melancólicas, perversas e até em busca do elixir da juventude. O meu destaque vai para “Fallen Leaves” de Aki Kaurismäki, um filme com uma história simples que nos conta tudo nos olhares e nos silêncios. Às vezes não é preciso mesmo muito para termos um grande filme mas pensar que tudo isto não deu trabalho é do maior engano. Outro filme que mereceu o meu olho clínico com astigmatismo foi “Terra Queimada”. Da Alemanha chegou um daqueles noir que já não nos lembramos que ainda se fazem, e ainda bem que este género voltou nem que seja neste acto isolado. Para não me alongar nas justificações de cada uma das minhas escolhas, deixo também a menção para o “Juror #2” de Clint Eastwood. Não sei se é a sua despedida ou não, e mesmo não sendo um “Grand Torin”o, que elegância na hora de terminar porque um homem também chora.
Lista de Pedro Ferreira
1. Vidas Passadas, de Celine Song
2. No Other Land, de Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal
3. Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo, de Radu Jude
4. A Zona de Interesse, de Jonathan Glazer
5. Anatomia de Uma Queda, de Justine Triet
6. Baan, de Leonor Teles
7. Geração Low-Cost, de Julie Lecoustre, Emmanuel Marre
8. American Fiction, de Cord Jefferson
9. Guerra Civil, de Alex Garland
10. Challengers, de Luca Guadagnino
Menções honrosas:
– Joy, de Ben Taylor
Lista de Tiago Resende
1. No Other Land, de Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal
2. Tudo o Que Imaginamos como Luz, de Payal Kapadia
3. Culpado – Inocente – Monstro, de Hirokazu Koreeda
4. Desconhecidos, de Andrew Haigh
5. Anora, de Sean Baker
6. Quatro Filhas, de Kaouther Ben Hania
7. Baan, de Leonor Teles
8. O Mal Não Está Aqui, de Ryûsuke Hamaguchi
9. O Quarto ao Lado, de Pedro Almodóvar
10. Os Delinquentes, de Rodrigo Moreno
Menções honrosas:
– A Flor do Buriti, de Renée Nader Messora, João Salaviza
– Geração Low-Cost, de Julie Lecoustre, Emmanuel Marre
No seguimento do que escrevi na lista do ano passado, a propósito da importância da preservação da nossa memória coletiva e de como o cinema contribui de múltiplas formas para essa construção da memória, também o cinema político e militante permite-o fazer e permite-nos refletir sobre que sociedade somos e a que queremos construir. Cada vez mais é esse cinema que me entusiasma, cinema de resistência, cinema de denúncia, cinema com olhar humanista, cinema militante. “No Other Land” é esse cinema militante, que nos inquieta. O documentário atual e corajoso “No Other Land”, filme que impressionou o Festival de Berlim, mas que por cá apenas foi possível ver em alguns festivais e mostras de cinema e mais recentemente disponível em streaming na Filmin, não deixa ninguém indiferente. Ou pelo menos não devia, pois a indiferença aos valores humanistas e a um genocídio é uma opção política de quem a toma. Realizado pelos israelitas Yuval Abraham e Rachel Szor e pelos palestinianos Basel Adra e Hamdan Ballal, este documentário mostra a perspetiva de um povo que resiste e sobrevive há décadas, sob a ocupação israelita da Cisjordânia. Mostra portanto aquilo que não vemos nas televisões e que os governos ocidentais optam por esconder. A coragem de quem luta todos os dias contra a opressão, de quem luta para defender a sua terra, a sua casa, a sua família e a sua vida, deve ser reconhecida e este filme fá-lo magnificamente através da imagem e do som. O povo da Palestina não pode perder a esperança e nós também não. Este ano, o cinema da Palestina ganhou bastante visibilidade por cá, com a exibição de inúmeras obras do cinema palestiniano em festivais e mostras de cinema por todo o país. E o cinema da Palestina é sobretudo cinema militante e cinema político. Mas há mais cinema político nesta minha lista, mesmo que seja de forma camuflada, em filmes como “Desconhecidos” ou em “Tudo o Que Imaginamos como Luz”, pois o amor e as suas múltiplas formas continuam a ser um ato político. É também política a crise da habitação ou a gentrificação dos centros urbanos em “Baan”, ou o direito a morrer com dignidade em “O Quarto ao Lado”, as diferentes perspectivas do bullying durante a infância em “Culpado – Inocente – Monstro”, a sociedade patriarcal e a pobreza em “Quatro Filhas”, o trabalho sexual em “Anora”, ou o direito a uma vida boa, sem a submissão ao salário e ao emprego, em “Os Delinquentes”.
Lista de Vanderlei Tenório
1. Conclave, de Edward Berger
2. Guerra Civil, de Alex Garland
3. A Sala de Professores, de İlker Çatak
4. Vidas Passadas, de Celine Song
5. A Zona de Interesse, de Jonathan Glazer
6. Folhas Caídas, de Aki Kaurismäki
7. Anora, de Sean Baker
8. Anatomia de Uma Queda, de Justine Triet
9. Challengers, de Luca Guadagnino
10. A Substância, de Coralie Fargeat
Menções honrosas:
– Memória, de Michel Franco
– Imaculada, de Michael Mohan
Para evitar a repetição de análises ou balanços sobre o ano cinematográfico, algo já amplamente abordado pelos meus colegas, concentro o meu comentário nos filmes que ocuparam os dois primeiros lugares do meu top e o quinto lugar: os thrillers políticos “Conclave”, de Edward Berger, e “Guerra Civil”, de Alex Garland, além do drama histórico “A Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer.
As tensões e alianças ocultas servem de pano de fundo para o thriller político “Conclave”, de Edward Berger, onde a política e as intrigas internas da Igreja são retratadas de forma hipnotizante. O filme tem despontado como um dos grandes favoritos da temporada, destacando-se por uma das atuações mais marcantes da carreira de Ralph Fiennes. Nomeado para quase todos os prémios de melhor ator, Fiennes já é considerado uma aposta segura para figurar entre os cinco nomeados ao Óscar na categoria de melhor ator.
Um detalhe em particular chamou-me a atenção na produção de Berger: o questionamento de fé do Cardeal Lawrence. Essa crise íntima funciona como uma provação pessoal, profundamente conectada à sua escolha de vida como religioso e ao fardo de um possível papado. Essa dimensão emocional traz uma camada adicional de profundidade ao filme, suavizando, em certos momentos, a rigidez da tensão gerada pelo processo de eleição do novo papa. A fé, seja em um poder superior, na humanidade ou em nós mesmos, é frequentemente o que dá sentido às nossas vidas. Perder essa fé pode ser uma experiência arrasadora, e isso é evidente no arco de Lawrence. Embora a perda da fé seja um sentimento universal, ela torna-se ainda mais dolorosa e corrosiva para alguém em uma posição de liderança religiosa, quase como uma via-crúcis.
Todavia, o que torna a marcha de Lawrence solene é a sua capacidade de reconectar-se consigo mesmo ao longo do conclave. Ele reencontra gradualmente o seu senso de fé, redescobre as suas crenças e encontra uma nova perspectiva. É nesse processo de religação que o personagem se humaniza, revelando que, mesmo diante de dúvidas profundas, a fé pode ser restaurada.
Em segundo lugar, está “Guerra Civil”, de Alex Garland, um thriller que, como o título sugere, explora uma guerra civil devastadora nos Estados Unidos, em um cenário distópico, marcado por uma polarização política extrema. Através da jornada de quatro jornalistas pelo interior do país, somos levados a testemunhar o desenrolar desse conflito, que vai além das questões do cenário político atual dos EUA, fazendo paralelos com os conflitos globais, incluindo aqueles no Médio Oriente, América Central e África.
Esta odisseia, liderada por Kirsten Dunst no papel da fotojornalista Lee Smith, fez-me revisitar algumas percepções que tenho sobre a minha profissão. Além das narrativas sobre conflito armado e polarização política, o filme traz exactamente essa reflexão sobre o impacto da nossa motivação pela profissão e como, ao longo dos anos, ela vai permeando a nossa vida, chegando ao ponto de nos deixar em dúvida sobre a nossa identidade sem ela, causando até mesmo um sentimento de vazio, em que não sabemos distinguir o que somos do que é a nossa profissão. É uma fronteira delicada entre quem nos tornamos com a nossa profissão e o estereótipo de nascer destinado a ela ou transformar-se ao longo do caminho.
Por fim, “A Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer, que é um drama que rompe com a abordagem tradicional de ficcionalização do Holocausto. Em vez de criar personagens inventados, o filme centra-se em figuras reais: Rudolph Höss, comandante de Auschwitz, e a sua esposa Hedwig, interpretados por Christian Friedel e Sandra Hüller. A narrativa explora a vida familiar dos Höss, que residem numa casa próxima do campo de concentração. A rotina doméstica — com filhos e afazeres quotidianos — contrasta brutalmente com o genocídio que ocorre a poucos metros dali, para lá do muro do jardim.
Por meio da perspectiva do comandante, o filme confronta-nos com a normalização do horror, a desumanização das vítimas e a indiferença da população alemã. Este não é um filme para ser assistido de forma despreocupada, com pipoca e refresco, como se fosse mero entretenimento. É um retrato necessário e lídimo da banalidade do mal, exigindo de nós uma reflexão profunda. Entrementes, obriga-nos a encarar a realidade de como algo tão terrível como o Holocausto pôde acontecer e incita-nos a ponderar sobre o que podemos fazer para evitar que tragédias semelhantes se repitam.
Lista de Wellington Almeida
1. Anora, de Sean Baker
2. No Other Land, de Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal
3. Bowling Saturno, de Patricia Mazuy
4. O Mal Não Está Aqui, de Ryûsuke Hamaguchi
5. A Zona de Interesse, de Jonathan Glazer
6. Reality, de Tina Satter
7. Os Delinquentes, de Rodrigo Moreno
8. Vampira Humanista Procura Voluntário Suicida, de Ariane Louis-Seize
9. O Meu Bolo Favorito, de Maryam Moghadam, Behtash Sanaeeha
10. Crossing – A Travessia, de Levan Akin
Menções honrosas:
– Aqui, de Bas Devos
– A Sala de Professores, de Ilker Çatak