«Patrick»: O Insustentável Dilema de Ser e de Querer

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“Patrick” prescreve-se como uma reflexão identitária que, por sua vez, desconstrói ideias estabelecidas de maternidade/paternidade. A longa-metragem de estreia de Gonçalo Waddington é essa tese transcrita num conflito dramático da personagem-título (Hugo Fernandes), jovem parisiense (assim nós cremos) que após ser detido pelas autoridades é confrontado com um trágico e repreensivo passado.

Porque afinal Patrick é Mário, uma criança portuguesa desaparecida que tem, por fim, a oportunidade de reencontrar-se com a sua família “original”. Só que o hiato não foi generoso, enquanto o pai (Adriano Carvalho) prosseguiu com a sua vida, não escondendo o facto ao seu reavido filho, por outro lado, a mãe (Teresa Sobral) é atormentada por essa luta de reconhecimento a um encarado desconhecido. No meio, surge-nos a prima (Alba Baptista), que se assume como uma possível catarse às memórias perdidas de Mário/Patrick e a sua luta existencial que encontra assimilada no desajeitado uso do português – língua obsoleta que oculta o tal representativo Mário.

Mesmo sabendo à partida que a dicotómica persona estabelecerá as duas línguas como armas numa evidenciada batalha de identidades, “Patrick” (o filme) é preenchido, maioritariamente, por silêncios na sua chegada ao território português. Porque a luta é interna, emudecida, e, sobretudo, interpretativa pelas suas contrariedades para com as diferentes causas comuns.

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Em Portugal, as “assombrações” do caso Rui Pedro (desaparecido na zona de Lousada, em 1998, até hoje um mistério sem resolução) são invocados como supostas inspirações, valendo a Waddington o trunfo da abordagem psicológica para uma realidade alternativa, e, nesse sentido, transportando as ideias ao campo do afeto e a definição deste em oposição ao tempo e contacto. É um filme provocador, sem com isso insinuar uma aura de delinquência ou anarquia formal, porque “Patrick” coloca o espectador em modo voyeurista, uma passiva e tímida espécie de “curioso” mórbido.

Gonçalo Waddington (que zelosamente foi um dos argumentistas de “Mosquito”, que também desconstrói campos sagrados da identidade portuguesa) avança desde o primeiro momento sorrateiramente à sua intriga, valendo num travelling ondulante, inicialmente rasteiro, que contorna o corpo de Patrick, estabelecendo o inaugural e cuidadoso contacto com o invólucro de carne e osso onde decorrerá a dita psicanálise. Como “comparsas” do “crime”, o ator, agora convertido a autor por inteiro, confia na fotografia do cada vez mais ascendente Vasco Viana (“Um Fim do Mundo”, “Montanha”) para criar um contraste visível entre a Paris luxuriosa e pecaminosa, e sobretudo moderna e “aberta”, para com a ruralidade portuguesa, sombria e “fechada” à mercê do seu constante receio às duvidas existencialistas que serão impostas.

No fundo, é isto, “Patrick” é um dos episódios (e bem fortalecidos, aliás), de como o cinema português recente deseja rebelar contra as suas próprias idiossincrasias.

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