“Something You Said Last Night” inaugura 20.ª edição do IndieLisboa com a melhor das subversidades

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O IndieLisboa está de volta para a sua vigésima edição com toda a pompa e circunstância e, no seu discurso de apresentação, a organização fez questão de frisar a pertinência do festival no panorama do cinema e dos festivais de cinema a nível nacional ao longo destas duas décadas.

Ao mesmo tempo, o Indie é o símbolo dos festivais da cidade de Lisboa e voltou a 27 de abril para a sua sessão inaugural, entre outras tantas sessões que decorreram no mesmo dia.

Contudo, a escolha de “Something You Said Last Night” diz muito daquilo que o festival representa para lá do cinema, constituindo-se como um farol no que respeita à sociedade civil e àquilo que realmente lhe importa.

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Tal como a realizadora do filme Luis De Filippis destacou na breve apresentação antes do filme, o facto de “Something You Said Last Night”, um filme centrado numa personagem transgénero, ser filme de abertura de um grande festival internacional de cinema não é tão comum como o público possa pensar e é extremamente importante.

No contexto mais lato, a decisão torna-se ainda mais relevante, tendo em conta o tumulto por que os direitos das pessoas transgénero passam internacionalmente, para além do estigma que ainda povoa muitas mentes. Por isso, a decisão simbólica de escolher “Something You Said Last Night” para inaugurar o festival é tanto um “ato de cinema” como uma tomada de posição e o tomar o pulso àquilo que move as pessoas, que lhes é próximo e importante.

“Something You Said Last Night” não poderia ter lançado melhor as “fundações” desta edição, um filme sensível e delicado que escolhe olhar para a realidade das pessoas transgénero num contexto otimista sem, no entanto, se tornar num conto de fadas.

Renata, a sua personagem principal, é uma aspirante a escritora cuja vida se vem desmoronando e que, entretanto, vai de férias de verão com a família. No meio de todo o seu tumulto, o que o filme acaba por mostrar é muito simplesmente uma família normalíssima em que a mãe, uma canadiana de ascendência italiana, é até o que mais destoa pelo excesso habitual do sangue latino.

Todos os membros da família passam pelas suas próprias crises pessoais, por entre decisões a serem tomadas e o desejo de viver a vida tal como ela se lhes vai oferecendo, especialmente no caso de Renata e da irmã Sienna, os membros mais novos.

O olhar sensível de Luis De Filippis transforma toda a dinâmica de família integrando Renata com a normalidade que lhe é devida e apenas em momentos de confronto com alguns membros da comunidade exterior é que se sente vir à tona a tensão gerada pela incompreensão.

Apesar de tudo, o filme opta não segue a via da confrontação física e deixa-se ficar pela jornada de descoberta pessoal focada em Renata, mas também no crescimento das relações emocionais com os pais e a irmã.

Desta simplicidade, nasce um filme que tem tanto de simples como de objetivo e muito determinado naquilo que quer mostrar. Nesse sentido, é um filme motivador que não envereda pelos lugares comuns e a atriz Carmen Madonia, na pele de Renata, uma estreante, é absolutamente determinante nesse controlo emocional.

Aliás, é uma estreia muito auspiciosa que deu nas vistas aquando da passagem e estreia mundial do filme pelo Festival Internacional de Cinema de Toronto, e que esconde uma longa preparação da atriz juntamente com a realizadora especificamente para este papel.

Renata é sobretudo uma observadora atenta do que a rodeia, ao mesmo tempo que tenta dissolver os novelos de dúvida e angústia da sua própria vida. E Carmen Madonia é impressionante na expressividade que criou para Renata, que, muitas vezes, perdida nas suas muitas emoções e conflitos não sabe quais as palavras certas para usar: não sabe como pedir desculpa e parece até não saber o quanto é amada.

O núcleo familiar é, contudo, um enorme pilar de apoio emocional, o que acaba por destoar um pouco do modo como as famílias das pessoas transgénero são normalmente retratadas, longe do conflito, da afronta e da marginalização.

Esse amor, latente até mesmo quando a família parece agredir-se, é uma bênção, uma esperança, uma motivação e um exemplo onde quem não compreende por vir a poder compreender. Nesse aspeto, a simplicidade de “Something You Said Last Night” acaba por ser tanto um trunfo como o seu calcanhar de Aquiles.

Para quem não vive a realidade de Renata, pode parecer que nada se passa e que o espetador apenas assiste ao desenrolar daquela semana de férias sem incidentes ou acontecimentos marcantes. O facto de não existirem incidentes e de se tratar um filme focado no amor faz dele algo muito maior do que aparenta.

Renata, no mundo tal como é conhecido, é o alvo de legisladores ignorantes, de egos frustrados, da incompreensão e da ignorância e o facto de poder viver a sua vida preocupando-se apenas com as suas dores normais de crescimento e evolução pessoal é algo de verdadeiramente assinalável.

“Something You Said Last Night” é um filme silenciosamente subversivo, a que acresce uma realização subtil e delicada que se perde de forma genuína nos pequenos gestos, num abraço apertado, na tolerância, no amor, na aceitação, na satisfação da família que se senta apenas para estar junta.

Uma pequena pérola que estabelece da melhor forma aquilo que verdadeiramente importa e como a sociedade se deve comportar perante o modo como as pessoas escolhem viver a sua vida: com tolerância e compreensão, longe das ideias feitas sobre aquilo que o outro deve ser.

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“Something You Said Last Night” inaugura 20.ª edição do IndieLisboa com a melhor das subversidades
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