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“You Resemble Me”: A empatia com a radicalização de uma mulher árabe

"You Resemble Me" (2021), de Dina Amer "You Resemble Me" (2021), de Dina Amer

O Festival Olhares do Mediterrâneo abriu a sua 10.ª edição neste último dia 9 de novembro, em Lisboa, no Cinema São Jorge, com o filme “You Resemble Me”, de Dina Amer. Um drama produzido por Spike Lee e Spike Jonze, com coprodução entre o Egito, a França e os Estados Unidos.

O filme conta a história de Hasna, uma jovem árabe e muçulmana que vive em Paris e desde cedo tem a sua vida marcada pelas violências familiares, sociais e culturais. A vida adulta cheia de instabilidades emocionais e financeiras é consequência dos traumas vividos na infância, principalmente após ter sido levada a um lar temporário e separada da sua irmã. A radicalização junto ao Estado Islâmico parece ser o único caminho possível que Hasna encontra para sentir-se verdadeiramente acolhida e para redimir-se do sentimento de culpa e daquilo que considera pecado. No entanto, isso será apenas mais uma violência da qual será vítima.

A motivação de Dina Amer em contar essa história vem do fato de que Hasna existiu. Hasna Aït Boulahcen foi tratada pelos media como uma das responsáveis por ataques terroristas que levaram à morte de 137 pessoas, em 2015, em Paris. A realizadora, egípcia-americana, trabalhou como jornalista em Nova York e esteve em Paris para cobrir os ataques. Amer contou, no Sundance Film Festival, que na altura reportou, como todos os outros, a notícia falsa de que Hasna Boulahcen era uma mulher-bomba. Porém, quando foi esclarecido que, na verdade, Hasna foi vítima ao servir de bode expiatório ao seu primo, um líder da jihad islâmica, Amer sentiu que essa história precisava ser apropriadamente contada por si, num filme. “You Resemble Me” é a sua primeira longa-metragem.

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Assolada pelos traumas da infância, Hasna torna-se uma adulta com a identidade e o sentimento de pertença fragilizados. No entanto, ser uma mulher árabe é um aspeto incontornável na sua vida. O seu rosto não esconde a sua origem. Para proteger-se das diversas violências que a cercam, Hasna incorpora diferentes personas. Quando os ataques aconteceram, a imprensa divulgou fotos de três mulheres diferentes como se fossem a mesma. Amer aproveita este cliché ocidental de achar que todos os árabes são iguais para recorrer ao deepfake e desenvolver a personagem de Hasna adulta a partir da atuação de três atrizes diferentes, uma delas sendo a própria realizadora. Às vezes Hasna precisa dissociar-se de si mesma e parecer menos árabe, com olhos claros, nariz fino e cabelos lisos; ou parecer mais feminina, com maquilhagem e um jeito dócil.

"You Resemble Me" (2021), de Dina Amer
“You Resemble Me” (2021), de Dina Amer

O filme incorpora o documental na ficção ao recorrer às imagens de arquivos e à entrevista à família de Hasna. Durante as filmagens, a realizadora conversou com a mãe de Hasna, que identificou na realizadora a própria filha. A semelhança física, no modo de rir e no jeito de caminhar fez Dina Amer perceber que Hasna se parecia com ela não só fisicamente, mas também se identificava com as angústias em precisar adaptar-se ao mundo ocidental.

Mesmo a violência sendo o eixo central na vida de Hasna, o filme constrói um espaço diegético acolhedor quando evita imagens violentas. As escolhas estéticas promovem um olhar íntimo e humanizado ao enaltecer a ternura na relação entre as irmãs e no convívio com crianças e ao deixar de fora quando Hasna é violentada e quando o prédio em que está é explodido. Ela não foi acolhida pela família, nem pelo Estado e nem pela religião. Tinha apenas a si mesma, e, no exercício de relembra-se quem era, sentia-se cada vez mais perdida.

O filme pode ser dividido em três partes (a infância, a vida adulta e os depoimentos das pessoas reais) e três atrizes interpretam a mesma personagem quando adulta. Essas escolhas formais dialogam com a recusa a um esquema maniqueísta que divide bom e mau, oriente e ocidente. “You Resemble Me” promove um exercício de empatia ao apresentar não apenas os contextos nocivos em que Hasna cresceu, mas ao complexificar a própria personagem.

Nos tempos que correm em que os palestinianos sofrem com os ataques de Israel, é urgente acolhermos histórias como as de Hasna para evitar cairmos na armadilha imperialista que vê na existência dos povos árabes uma ameaça constante. Do mesmo modo, o filme ajuda-nos a compreender minimamente como a falta de acolhimento básico, seja no âmbito cultural, social ou familiar, pode levar uma mulher a seguir caminhos que violentam, antes de tudo, a si mesma.

É importante ainda ressaltar não apenas a relevância do filme para os dias que correm, como também a existência de um festival como o Olhares do Mediterrâneo. O festival é o primeiro internacional em Portugal dedicado exclusivamente ao cinema realizado por mulheres e tem no seu cerne a disseminação da diversidade cultural e artística do Mediterrâneo, alinhado à promoção de atividades que geram debates e reflexões acerca dessas realidades complexa. A 10.ª edição acontece entre os dias 9 e 16 de novembro, em Lisboa, no Cinema São Jorge, na Cinemateca Portuguesa, no ISCTE e no Goethe Institut.

Fonte: https://www.theguardian.com/film/2023/jan/25/europes-first-female-suicide-bomber-hasna-ait-boulahcen-paris-attacks-dina-amer

"You Resemble Me" (2021), de Dina Amer
“You Resemble Me”: A empatia com a radicalização de uma mulher árabe
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