“About Time” – Temos todo o tempo do mundo?

Não adianta lutar contra o que é inevitável, pois a vida, na sua essência, segue um rumo que não pode ser mudado, por mais que o desejemos
OS FILMES MAIS ESPERADOS DE 2019 12 1 1 OS FILMES MAIS ESPERADOS DE 2019 12 1 2
"About Time" (2013), de Richard Curtis

No mundo atual, o tempo governa as nossas vidas, regulando as nossas rotinas, compromissos, futilidades e outros detalhes que consomem o nosso dia a dia. Sob esta ótica, muitos poderiam sentir-se inclinados a vê-lo como um inimigo implacável, sempre a pressionar-nos. Todavia, esta visão ignora as pequenas alegrias que permeiam as nossas vidas — a poesia, a música e a arte em geral. Estas expressões dialogam com a nossa sensibilidade, são parte essencial da nossa existência e lembram-nos, todos os dias, da nossa humanidade.

Pois é, amigo, sabemos que, a cada dia, o tempo nos rouba um pouco mais. Mas anima-te. Parafraseando a emblemática canção “Tempo Perdido”, do brasileiro Renato Russo: embora todos os dias, ao acordarmos, não o tenhamos completamente, ainda o temos. Nesta dualidade, encontramos força. Sim, apesar de o tempo escapar entre os nossos dedos, voar para longe como a brisa e desmoronar como falésias junto ao mar, ainda temos todo o tempo possível. A nós cabe aproveitá-lo da melhor maneira.

Mas, imagina só: e se, depois de todo este discurso de autoajuda que fiz agora, te dissesse que existe a possibilidade de mudar tudo ao teu bel-prazer? Sei que podes estar cético ao ler isto, mas tenho uma proposta para te fazer. Fecha os olhos, respira fundo e visualiza o seguinte: Imagina-te a reviver cada momento do teu dia, não apenas como um mero espectador, mas como um participante ativo, explorando diversas perspectivas e versões de ti próprio. Com o poder de analisar as tuas decisões, percorrer diferentes caminhos e absorver aprendizagens com os teus erros, sem temer as consequências.

banner janeiro 2025 1 3
Publicidade

Certo, realizaste o exercício de visualização. Agora, pergunto-te: o que farias com essa habilidade? Como te sentirias diante de tudo isso? Embora pareça absurdo, é apenas mais um dia comum para Tim Lake, protagonista de “Dá Tempo ao Tempo” (About Time, no original), de Richard Curtis. Tim e os homens da sua família possuem uma característica especial: conseguem voltar no tempo e reviver o dia presente. Este poder, que para uns pode ser uma bênção e para outros, uma maldição, oferece-lhes a chance de refazer passos, corrigir erros e analisar situações sob diferentes perspectivas.

A capacidade dos Lake de viajar no tempo é fascinante, mas vem com suas próprias limitações. Ao contrário de outras representações fictícias, eles não podem retroceder para mudar o curso da história, como evitar eventos como a ascensão de Hitler ou a chegada do homem à Lua. Sua habilidade se restringe ao presente dia, seguindo regras estritas e inegociáveis. Assim, a viagem no tempo para os Lake não se trata de reescrever o passado, mas sim de revisitar e reconsiderar o presente. À primeira vista, isso pode parecer monótono.

Todavia, é precisamente aí que reside o encanto para um jovem solteiro e azarado como Tim — e como eu. Pois, veja bem, é natural que Tim, como qualquer gajo da nossa idade, use essa habilidade para conquistar mulheres. Ou, pelo menos, tente. Imagine poder corrigir uma palavra mal colocada durante um encontro, reviver uma noite de amor que não foi satisfatória ou simplesmente ter tempo para lavar a louça e agradar à sua amada.

À luz disso, a máxima “Se não tentares, nunca saberás se daria certo ou não” torna-se um mantra para o nosso jovem viajante do tempo. Ele prefere arriscar tentando do que se arrepender por não ter feito nada. Todavia, essa filosofia enfrenta seu primeiro revés com sua paixão por Charlotte. As tentativas fracassadas de conquistá-la ensinam-lhe a primeira regra inegociável de sua peculiar herança familiar: nem todas as viagens no tempo podem fazer alguém se apaixonar por você.

Logo depois, ele, que é advogado, decide mudar-se para Londres. Lá, passa a viver com Harry, um dramaturgo rabugento e amigo de seu pai. Os primeiros dias na terra de Sua Majestade são monótonos, marcados pela rotina e pela ausência de uso de seu peculiar dom de viajar no tempo.

Numa certa noite, em busca de algo diferente, Tim decide sair com o seu amigo metido a galã Jay. Escolhem um restaurante bastante invulgar, onde a experiência decorre em completa escuridão, sendo os empregados de mesa, todos cegos, responsáveis por proporcionar aos clientes uma vivência sensorial única, simulando o que é estar no lugar deles.

Nesse ambiente peculiar, Tim conhece Mary, uma americana espontânea, acompanhada da sua amiga Joana, uma espécie de Gisele Bündchen com o humor mordaz da atriz brasileira Susana Vieira. Entre risadas contagiantes, Mary fala incessantemente sobre a sua franja, que, segundo ela, está demasiado curta, enquanto divaga sobre a simplicidade do quotidiano e as efemeridades da vida.

Nem é preciso dizer que o que aconteceu ali foi algo ancestral, quase mítico, como o que, há milénios, conhecemos como amor à primeira vista — ou, neste caso, a primeira fala. Após saírem do restaurante, Tim e Mary finalmente se olham com mais atenção, e, como seria de esperar, Tim fica completamente encantado. Ele percebe de imediato que o seu peculiar dom de viajar no tempo finalmente encontrará uma nova e inesperada utilidade. Antes de se despedirem, Mary, num gesto espontâneo, dá-lhe o seu número de telefone.

A partir desse momento, começam a surgir os episódios típicos de qualquer relação saudável: o primeiro encontro verdadeiro, com conversas longas e risos genuínos; o primeiro beijo, aquele que, de algum modo, fica gravado em nós para sempre; a primeira noite juntos, repleta de ternura e atenção; a convivência partilhada, com pequenas desavenças sobre coisas simples, que, por vezes, se tornam quase uma guerra; o dia a dia vivido em conjunto, com os seus altos e baixos, sorrisos, abraços e cafés; a apresentação às famílias e amigos; o pedido de casamento, simples, mas genuíno; e, finalmente, a celebração do casamento, num dia chuvoso, ao som da eterna balada italiana “Il Mondo”, de Jimmy Fontana. E tudo isso, claro, ajustado, repetido e ligeiramente mudado pelas inúmeras e constantes viagens no tempo de Tim.

Como qualquer casal — hoje uma minoria. Tim e Mary decidem, então, ter o seu primeiro filho. No entanto, nem tudo é como um comercial de margarina. A grande regra da herança patriarcal revela-se: quando nasce um segundo filho ou filha de um portador do dom de viajar no tempo, este não pode alterar a sua própria realidade sem gerar consequências indesejadas.

Desiludido, Tim questiona o pai sobre o sentido de possuir esse dom, se não pode mais mudar tão drasticamente o tempo. O pai, com suavidade, explica-lhe que, com o tempo, ele entenderá que este dom não serve para mudar tudo, mas sim para melhorar as pequenas coisas. No caso do seu pai, um professor universitário já aposentado, o dom foi utilizado para ler livros e, num momento mais grave, para prolongar a sua vida durante um câncer terminal — um câncer que ele manteve oculto da família por anos. Contudo, o verdadeiro teste do poder da sua “síndrome de Marty McFly” não vem do pai, mas sim da sua irmã Kit Kat, uma personagem excêntrica e difícil de ignorar com seus tons de roxo. Embora seja leve e resolvida, Kit Kat tem uma tendência para se envolver com homens problemáticos e não está totalmente preparada para a vida adulta. Em uma das muitas brigas com o namorado tóxico, ela sai de casa e acaba se acidentando.

Tim tenta impedir o acidente, mas, ao intervir, depara-se com uma grande surpresa: ações mais extremas geram consequências mais impactantes no presente. Ele altera o acidente, evita a tragédia, mas, ao fazer isso, cria uma nova realidade — uma onde a sua família é composta por pessoas diferentes. Neste momento, Tim apercebe-se de que já não pode alterar a sua vida de forma tão drástica. Infelizmente, vê-se obrigado a deixar a sua irmã passar pelo acidente, compreendendo que nem todos os aspectos da vida podem ser controlados.

O nascimento do segundo filho de Tim marca também o fim da possibilidade de seu pai adiar a morte, pois, a partir desse momento, o câncer terminal não poderá mais ser retardado. É então que surge uma das cenas mais emocionantes do filme: sabendo que o tempo está contra eles, Tim e seu pai decidem quebrar a regra e voltar à sua infância, por um dia, para passar uma última tarde juntos. A sequência culmina numa despedida profunda, com o enterro de seu pai embalado pela comovente “Into My Arms”, de Nick Cave — a música que ele pediu que tocasse em seu funeral.

Após a morte do pai, ele passa a encarar a vida de forma diferente, decidindo vivê-la de modo mais autêntico, sem tentar mudar o que já não podia ser alterado. A perda trouxe-lhe uma lição profunda: é inútil resistir ao inevitável, pois a vida segue o seu curso, independentemente dos nossos desejos. A verdadeira felicidade não está em corrigir o passado ou em idealizar um futuro perfeito, mas em viver plenamente o presente.

O segredo está em encontrar beleza nas pequenas coisas do dia-a-dia, em aceitar os momentos como eles são. Não é preciso sonhar com mudanças grandiosas ou perseguir ideais distantes; frequentemente, a felicidade reside na simplicidade e na capacidade de valorizar o agora. Quando vivida com atenção e gratidão, a vida já nos oferece tudo o que precisamos para sermos felizes.

Tal como expressa a música final do filme, “The Luckiest”, de Ben Folds, ele finalmente entende que todos os caminhos errados, os tropeços e as quedas o conduziram exactamente até este ponto. No fim, percebe que, de facto, é o mais afortunado.

Skip to content