São duas horas de aperto no peito mas, acima de tudo, o carrossel de emoções que o filme nos traz. A história não é uma novidade e por isso o risco de spoiler é nulo. Um drama histórico-biográfico com argumento de Murilo Hauser e Heitor Lorega, baseado na autobiografia homónima de 2015 escrita por Marcelo Rubens Paiva. A trama retrata a história autobiográfica de Marcelo Rubens Paiva com enfoque na vida da sua mãe, Eunice Paiva, uma advogada que acabou por se tornar ativista política na sequência da prisão e consequente desaparecimento do seu marido Rubens Paiva pela ditadura militar brasileira. O realizador Walter Salles mostra como o horror de uma ditadura pode invadir um núcleo familiar sem aviso prévio e instalar-se. A família, em geral, é a chave de um filme que, ao contrário de muitos sobre as ditaduras latino-americanas, mantém o seu foco doméstico.
O filme abre num contexto familiar, descontraído, sabendo previamente da história – de uma familia a recompor-se e a tentar ter alegria e harmonia num país que está a ser esmagado por uma das mais violentas ditaduras militares da História. A realização do filme faz isso tão bem que a certa altura parece que aquela história tem tudo para correr bem. Contagia-nos ao ponto de esquecer a realidade, até ao momento em que a realidade entra pela porta da frente e rapidamente tudo se desmonora. Saímos de um mergulho silencioso para o ruído à superfície. Apesar de ser um filme longo as velocidade cénicas estão bem medidas, os saltos temporais bem executados e encaixados na narrativa.
Depois da estreia internacional de Walter Salles, em 1998, com “Central do Brasil”, que rendeu uma indicação ao Óscar para Fernanda Montenegro que agora com 90 anos, aparece no final deste filme, num papel que a obriga a falar apenas através dos seus olhos expressivos. A conexão e o percurso que “Ainda Estou Aqui” está a ter é assim ainda mais pungente. Fernanda Montenegro aparece como a versão idosa e enferma da protagonista – uma mulher de força e resistência silenciosas interpretada pela filha de Montenegro, Fernanda Torres, com extraordinária graça e dignidade diante do sofrimento emocional. Fernanda Torres é tremenda num papel difícil. Ela transmite todas as emoções com tantas nuances que é preciso estar sempre a observar o rosto e a linguagem corporal dela para decifrar verdadeiramente todos os sentimentos que ela encarna. É um desempenho extraordinariamente subtil que eleva o filme e a tensão que está a fervilhar por todo o lado, especialmente na primeira metade do filme.
“Ainda Estou Aqui” é uma carta de amor à força e resiliência de Eunice, mulher, mãe, lutadora, amante, esposa, que se desmorona silenciosamente e se recompõe pelo bem da sua família. Confundimos lágrimas com sorrisos, memórias com ausências e levamos para casa uma lição para que não se deixe este tipo de histórias repetirem-se. Seguimos sempre com um sorriso e com pensamento aberto, porque esses nenhuma ditadura nos pode tirar!
“Eu vim de longe, de muito longe, o que eu andei para aqui chegar”
