“Alice et le Maire”, “Alice e Presidente” em português, não poderia ser outra coisa senão um filme francês. Ou seja, na própria forma, no tom, nos maneirismos e diálogos cortados a bisturi, esta fábula política sobre a mudança de paradigma da esquerda francesa. Apresentado pela primeira vez na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, esta segunda longa-metragem de Nicolas Pariser escreve o seu caminho ao explorar os bastidores de uma instituição política para melhor desenhar o caráter humano.
Após trinta anos de vida política, Paul Theraneau, Presidente da Câmara da cidade de Lyon começa a sentir o cansaço de uma já longa carreira política mas insiste em não desistir e tenta chegar a novas ideias. Para remediar a situação, contrata uma jovem e brilhante filósofa (Alice). Neste filme, tudo passa pelo olhar atento, divertido e irónico de Alice sobre a vida política da Câmara. Ela observa as posturas, as atitudes, a defesa dos pontos de vista. São vários os frames de reacção, com um sorriso malicioso da jovem que mostram ao espectador essas imagens modernas e ridículas da burocratização da política assim como a entrega aos gabinetes de comunicação que moldam, ou tentam moldar as ideias. Os diálogos, extremamente cuidados tanto retórica política como na filosófica, por abundantes e submersos de referências acabam talvez por cansar um pouco, mesmo que tragam reflexões importantes sobre a democracia e a impotência de quem a exerce. A fluidez da realização não consegue compensar a dinâmica cinematográfica e esse abrandamento do desenrolar da história.
Mesmo para o público francês, mais interessado e contextualizado tentar num filme de ficção uma análise ampla da crise de identidade da esquerda francesa terá provavelmente pouca ressonância e sucesso com quem está a ver. Ganharia, a meu ver, em providenciar algo mais genérico sobre os desafios apresentados à política europeia com a globalização, o peso dos media e das redes sociais na opinião pública, a emergência de uma nova extrema-direita populista e a resposta e gestão das esquerdas a este desafio. O filme não sendo propriamente optimista com a sociedade atual e com o mundo político que nos governa, abre portas ao desejo de voltar a pensar e à importância de nos cultivarmos para continuar a acreditar, a indignar-nos em vez de nos resignarmos, e quem sabe um dia, juntos, mudar o mundo?
“Alice e o Presidente” deixa mesmo assim algumas perguntas importantes e decisivas até no contexto actual da vida política nacional de vários países europeus: o que é ser um político hoje, e um político de esquerda? Quais são as raízes e os valores dos partido socialistas/ sociais-democratas? Por que é que é tão difícil atribuir credibilidade aos políticos em geral?