Em matéria de Leos Carax, era o que esperávamos e igualmente o que não esperávamos. Passo a explicar, do realizador dos ecléticos exercícios como “Holy Motors”, “Má Raça” e “Os Amantes da Ponte Neuf”, era mais que expectável algo que saísse da sua errante trajetória artística, que não fizesse “pandã” com o gesto anterior, e nisso foi concretizado em forma de musical. O que não esperávamos era ver um Carax fascinado aos elementos que compõem a convencionalidade, territórios escassamente evadidos no género em questão.
O resultado, esse, é um autêntico cuscuz, fervido em água e sal e servido como acompanhamento. Quanto a tal acompanhamento, deparamos com a mais valia de “Annette”, os momentos “fora da caixa” que desafiam ainda mais a própria credibilidade do musical e o gosto generalizado de quem os consome. Seja sexo oral, valsas furiosas ao sabor das ondas, ou o propositado uncanny valley (vale da estranheza) numa das personagens, artifícios e artificialidades que colocam Adam Driver e Marion Cottilard (um portento casal), em na coreografia estabelecida do cinema de Carax, os romances autodestrutivos.
As consequências são levadas ao extremo numa sintonia composta pelos Sparks, reunindo paixões, ódios, a comédia como escudo de uma sociedade consciente, ou meramente consciente da sua consciência, e até espaço para emaranhados meta, na sua formalidade ou na sua temática (o #metoo referido como uma faca de dois gumes). O realizador sempre desejara elaborar um convicto musical, nunca o escondeu na sua filmografia, principalmente nos sketches aprimorados do anterior “Holy Motors”, porém, nunca prevíamos a sua cedência pelo encanto do mesmo e uma maior hesitação à bizarria com que anseia (julgamos nós) romper.
Mesmo assim, tendo em conta que “Annette” é até à data o seu filme mais acessível e o mais “americanizado” (não tento com isto soar um termo pejorativo, mas no sentido do seu virtuosismo), a estranheza, mais do que um “vale”, é uma dança que cadenciamos em ritmos diferentes.