Em “Bad Luck Banging or Loony Porn”, a questão não se resume a “mau porno”, ao invés disso, como a atualidade transformou-se em “pornografia rasca”. A mais recente longa-metragem de Radu Jude (cineasta que tem dado cartas na pós-vaga romena e realçando um cinema muito crítico à história do seu país) venceu o último Festival de Berlim (mesmo que virtual) com distinção, provando além de mais estar ao desencontro do dito radicalismo que muitos querem vender perante o seu formalismo algo tosco, é um cinema que fala na contemporaneidade por vias de uma ridicularização cruel.
O filme inicia assim como um choque frontal. Pornografia explícita e real frente aos nossos olhos, o dispositivo narrativo que culminará toda esta paródia tragicómica de perspetiva quase apocalíptica. Como tal, seguimos a professora Emi (Katia Pascariu), de uma reputada escola, que irá enfrentar o dia mais desafiante da sua vida. Em plena pandemia, ela será sentenciada por um bando de pais raivosos, com a responsabilidade de ditar o seu futuro. O porquê? Porque a nossa protagonista é estrela de um filme de sexo caseiro com o seu marido, que por obra, ainda desconhecida, “cai” na internet à mercê de qualquer um, principalmente dos seus alunos.
“Bad Luck Banging or Loony Porn” aborda uma suposta “obscenidade” para a confrontar com outras presentes, e cada vez mais, na nossa sociedade. Enquanto Emi é atacada pela sua exposição sexual, os argumentos vindos destes encarregados são recheados de discursos extremistas, misóginos, anti semitista, homofóbicos e com algumas teorias da conspiração à mistura. Porém, o alvo é a sexualidade da mulher (e podemos colocar em letra maiúscula porque as nossas mencionadas sociedades “modernas” lidam mal com a libertação sexual, muito mais proveniente da área feminina), o resto, esse caldeirão de perversidades, mau-caracteres e gestos antiéticos são banalizados.
O que resta é uma reação, um impulso aos estímulos que mantêm viva uma sociedade decadente, ainda conservadora e reprimida. “Não há revolução sem revolução sexual”, os ecos do tão atípico “W.R. – Os Mistérios do Organismo” (Dusan Makavejev, 1971), mencionada invocação pelo próprio Jude, inserem-se como um espirito condenado por um fantasiado armagedão. O Mundo à beira do seu ponto final, não por culpa de um vírus, mas por culpa da nossa natureza, rude e apática (mesmo que a palavra empatia seja a segunda mais pesquisa na internet na Roménia, um passo atrás de “felácio”, segundo o dicionário de idiossincrasias romenas que surge como interlúdio dos seus atos narrativos).
Aproveitando o “palanque”, esse dicionário assumido, irónico e mórbido, gostaria de transcrever a passagem de “Cinema”, o qual essa mesma definição invoca a lenda de Perseus, guerreiro mitológico grego, e o seu encontro com a temível rainha das górgonas, Medusa. Como bem sabem, a outrora mais bela mulher do mundo, castigada pelos deuses e reduzida a uma hedionda criatura, tinha como habilidade (talvez seja mais maldição) de transformar carne em pedra através de um simples olhar. Perseus conseguiu o feito de dizimar a tal criatura, utilizando um escudo espelhado. Graças a esta ferramenta, o herói pôde enfrentar Medusa sem olhar diretamente para esta. A lição retirada é a seguinte – o Cinema reflete os horrores do mundo para nós, o qual somos demasiado amedrontados para o olhar na sua realidade.
“Bad Luck Banging or Loony Porn” é, isso mesmo, um espelho da nossa contemporaneidade.