“O Barão” é um filme tão surpreendente e interessante como a própria história por de trás do filme. Se recuarmos cerca de 70 anos no tempo, estamos perante um Portugal muito diferente dos dias de hoje, um país escuro, abafado e retardado. Foi nos anos 40 que uma equipa americana de cinema se refugiou em Portugal e realizou um filme de terror baseado na novela homónima de Branquinho da Fonseca e no conto “O Involuntário”, do mesmo autor, “O Barão”. De dia filmavam a versão americana e à noite a versão portuguesa. O filme foi censurado, os americanos foram obrigados a sair do país e os atores portugueses foram enviados para o campo de concentração, o Tarrafal, tendo morrido na frigideira. Depois do 25 de Abril o filme foi descoberto e recuperado, no cine clube do Barreiro, pelo realizador Edgar Pêra. Só esta impressionante história dava origem a outro filme.
Edgar recriou todo o filme a preto e branco, de uma maneira bastante rara, num estúdio, tal como os estúdios da Universal e RKO fizeram, durante os anos 30 e 40, os filmes de terror de série B. É neste género de filmes que se encontram as referencias de Edgar, com alguma fantasia, contornos de expressionismo alemão e crítica política, à mistura, num tom musical e por vezes cómico.
O filme retrata a vida de um barão (Nuno Melo), ditador e cruel que controlava e aterrorizava os habitantes duma região montanhosa, isolada do resto do país. Um barão salazarista que é facilmente comparado ao Drácula e ao Nosferatu. Aliás, toda a história do filme nos faz lembrar os clássicos “Nosferatu” (1922) e “Drácula” (1931). Ora percebe-se porque é que o filme foi censurado pelo regime de Salazar, para além de quase todos os diálogos serem ataques diretos à ditadura, à opressão e à censura, há uma frase que fica nas nossas cabeças durante e depois do filme – “Aqui quem manda sou eu”, diz o Barão. O filme está de tal maneira tão bem escrito que podemos usa-lo como uma metáfora para qualquer ditadura.
Edgar Pêra não se contentava em contar esta simples história de forma fácil, pelo que usou constantemente uma montagem muito experimentalista. Todo o filme é uma experiência de sons e imagens. O filme perde-se um pouco em alguns momentos com tantos “fades” e imagens sobrepostas, tornando a cena um pouco redundante. No entanto não deixa de ter uma composição de imagem diferente do habitual, com uma excelente fotografia a preto e branco, com jogos de sombras, como se tratasse de uma peça de teatro.
Até as legendas em inglês são diferentes. Penso que nunca vi um filme com umas legendas tão interpretativas e dinâmicas. É de destacar ainda os momentos musicais, que dão um tão mais leve ao filme, quase como uma breve pausa para o espectador poder descansar, depois de ter assistido a imagens “estranhas” e “pesadas”. Mas não é só Edgar Pêra que surpreendeu neste filme é também o “Barão”, soberbamente interpretado por Nuno Melo.
É de lamentar que o filme não tenha tido muito público nos cinemas. Um filme que os portugueses nem sequer deram a oportunidade de o ver, mas já é costume o nosso público dizer mal do nosso cinema sem o ter visto. Este filme não é uma obra-prima, mas é um bom filme que deve ser visto. De qualquer forma, “O Barão” viajou por vários festivais nacionais e internacionais antes de ter estreado nos cinemas, razão que também explica a falta de público nas salas.
Um filme raro na nossa cinematografia, por diversas razões, que merece especial atenção. Uma delas por ser a preto e branco, que é pouco usual nos dias de hoje. O cinema português nunca investiu muito neste género de filmes, talvez porque não haja um grande público. Não é um filme para todos, é um filme de género, para um grupo restrito de fãs deste tipo de filmes. Mas ainda bem que ele foi feito, pois comparado com o resto do cinema feito no nosso país, encontramos pouca variedade nos géneros. “O Barão” é um filme peculiar que ficará registado na história como mais um grande avanço para o cinema português.
Realização: Edgar Pêra
Argumento: Edgar Pêra
Elenco: Nuno Melo, Marina Alburqueque
Portugal/2010 – Terror
Sinopse: A história de um vampiro marialva que aterrorizava os habitantes duma região montanhosa. O Barão é um camaleão emocional. Ora se apresenta dócil, ou irascível, um homem-javali, “uma pura besta”. Vive um amor aprisionado, dentro e fora de si. Um amor inatingível. Um ideal corrompido. Idalina, criada aristocrata paira pelo castelo.