Experiência(s) do Cinema #1

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Como se escreve sobre cinema? Foi a pergunta que imediatamente se seguiu ao entusiasmo com que aceitei o convite para aqui deixar o meu contributo. Não é necessária uma pesquisa muito exaustiva para encontrar uma profusão de sítios que nos guiam passo a passo à redacção de uma crítica a um filme. Certamente, tudo tem o seu lugar e qualquer aproximação é naturalmente válida, mas quanto a mim pouco ou nada motiva redigir uma recensão em torno de uma obra, isto é, não me trás aqui a intenção de escrevinhar uma sinopse alargada de um filme, nem tão pouco o julgamento do seu suposto valor e digo-o sem qualquer desdém pois procuro este tipo de revisões amiúde, com o intuito de escolher filmes para assistir.

Sendo assim, proponho empenhar-me em trazer à discussão reflexões desorganizadas sobre a experiência de ver cinema. Devo confessar tratar-se de uma opção algo egoísta, no sentido em que me interessa particularmente compreender como o espectador vê (lê?) um filme, dado o meu interesse em realizar, e digo-o no sentido de perceber como comunicar e não no de agradar. Idealmente, gostava de abrir um diálogo franco entre quem vê e quem quer fazer, entre quem conhece os artifícios da linguagem e entre quem afortunadamente tem um olhar inocente e de um certo encantamento para com a imagem em movimento. Naturalmente, não trago aqui nada profundamente inovador, não ouso pensar ser o primeiro a querer reflectir sobre como (ou se) o espectador tem consciência do som, da cor ou da montagem por exemplo, e de como essa (in)consciência modifica o seu entendimento da narrativa, da construção do realizador, porém pretendo procurar fazê-lo despojadamente, isto é, sem encerrar-me num discurso de especialista, conceito que desaprecio na verdade, sendo certo, também,  não haver escapatória a certa terminologia nem ao recurso a autores fundamentais no estudo das questões a ser tratadas.

Para quem estuda fotografia é incontornável esbarrar com a obra de Roland Barthes A câmara clara onde, sucintamente, elabora dois conceitos que denomina por studium e punctum, e que para ele são aspectos maiores na definição do interesse do espectador numa imagem. O primeiro diz respeito ao contexto cultural e técnico da imagem, o segundo ao que nos atrai nela, ao lado emocional se quisermos. Será que podemos discutir estes conceitos relativamente ao cinema, e se sim, em que medida o seu carácter audiovisual nos obriga a uma desconstrução tal que eventualmente esmoreça as intenções do realizador? Pode um plano, um som, o gesto de um actor absorver-nos a tal ponto que tudo resto passa para segundo plano, mesmo a compreensão mais elementar da narrativa? Até que ponto é essencial o conhecimento do contexto histórico-social em que um filme é feito para a sua compreensão, ou simplesmente entramos no domínio de graus de leitura? Enquanto amador de cinema, são este tipo de questões que me perseguem e talvez o exemplo perfeito seja o filme “La Jetté” (1962) de Chris Marker. Trata-se de uma curta-metragem que retrata o hipotético cenário de uma III Guerra Mundial, e onde um grupo de sobreviventes através de experiências de viagens no tempo procura salvação. O filme é evidentemente muito mais que isto, e um dos seus aspectos caracterizantes é o seu dispositivo formal assente no uso de fotografia e exploração de um cuidado desenho de som. Seria de supor que que aquilo que mais me atrai no filme se trata de uma das fotografias, talvez o olhar da mulher na primeira imagem no aeroporto até por ser aquela que o personagem principal procura reviver nas suas incursões ao passado, todavia são os poucos segundos do filme onde é usada imagem em movimento que me persegue e talvez se deva ao despertar que aquele abrir de olhos me sugere. Estes dois segundos podem bem ser a resposta à minha dúvida quanto à desconstrução que um punctum no cinema poderá obrigar, e se em vez de diminuir o entendimento do todo não se trata do momento fundamental para a experiência cinematográfica que Chris Marker me oferece.

Se nos basearmos neste exemplo, a ligação emocional a uma parte do filme não parece comprometer a compreensão do mesmo, parece até potenciar a reflexão em torno dele, todavia seria obviamente redutor e prematuro tirar conclusões a partir de uma obra apenas. “La Jetté” serve como um ponto de partida para a discussão que aqui pretendo lançar. De uma forma algo formatada, podemos perfeitamente balizar a experiência cinematográfica entre a possível identificação de um punctum e a contextualização histórico-social do filme. Neste sentido, o meu contributo no Cinema 7ª Arte será a procura e o debate daquilo que me atrai enquanto espectador-informado e a reflexão em torno da experiência do espectador-deslumbrado nas infinitas possibilidades oferecidas pelo cinema.

Experiência(s) de Cinema #1

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