No passado domingo (5), um marco histórico encheu de orgulho os brasileiros, despertando uma emoção que remeteu aos dias de jogos da selecção em Mundiais de Futebol e aos ternos momentos das Olimpíadas, quando torcemos pelos atletas com todo amor e devoção. A atriz Fernanda Torres foi consagrada nos Globos de Ouro, vencendo na categoria de Melhor Atriz em Filme de Drama pela sua performance no drama histórico “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles.
Ela superou um elenco de concorrentes de peso, incluindo Angelina Jolie, Tilda Swinton, Kate Winslet, Nicole Kidman e Pamela Anderson. Este feito, que ocorre quase 30 anos depois de sua mãe, Fernanda Montenegro, ter sido nomeada por “Central do Brasil” — também realizado por Salles — não apenas celebra o talento da família, mas também consagra Fernanda Torres como a primeira brasileira — e representante da lusofonia — a conquistar um dos prémios mais prestigiados do cinema internacional, além de fortalecer sua candidatura aos Óscares.
Em seu discurso, visivelmente emocionada, Torres expressou gratidão a Walter Salles, ao marido Andrucha Waddington, à mãe Fernanda Montenegro e aos seus filhos.
Com um sorriso surpresa, iniciou dizendo: “Meu Deus, eu não preparei nada, não sabia se estava pronta. Este foi um ano extraordinário para as atrizes. Há tantas aqui que eu admiro profundamente.” O momento, marcado pela humildade e sinceridade, reforçou ainda mais o impacto da sua conquista histórica.
Ela prosseguiu: “E, claro, quero agradecer ao Walter Salles, meu parceiro e amigo. Que trajectória, Walter! Também quero dedicar este prémio à minha mãe. Vocês não fazem ideia… Ela esteve aqui há 25 anos. Isto é uma prova de que a arte permanece ao longo da vida, mesmo em momentos difíceis, como os que Eunice Paiva enfrentou.”
Encerrando o seu discurso, Torres recordou a nomeação da mãe, há 25 anos, por “Central do Brasil”: “Vocês não imaginam o quanto isto significa para mim. Por isso, dedico este momento à minha mãe, à minha família, ao Andrucha, ao Selton [Mello], aos meus filhos e a todos. Muito obrigada aos Globos de Ouro, ao Michael Barker [director da Sony Pictures Classics], à Mara e a tantas outras pessoas. Muito obrigada!”
Orgulho da mãe
Na segunda-feira (6), durante uma entrevista ao canal GloboNews, Fernanda Montenegro emocionou-se ao comentar a vitória de Torres nos Globos de Ouro. Com a voz embargada, a veterana atriz revelou que já pressentia o triunfo da filha.
“A gente — no caso, eu digo ‘a gente’, mas na verdade eu sabia que ela ia ganhar. Que mistério é esse, eu não sei, mas eu sabia que a minha filha ia ganhar esse prémio. E ganhou.”
Na ocasião, ela leu uma carta em homenagem à filha. Confira abaixo:
Outros brasileiros na premiação
Além de Fernanda Torres, outros quatro brasileiros já foram nomeados aos Globos de Ouro.
Sônia Braga, uma das mais icónicas atrizes do Brasil, recebeu três nomeações ao longo da sua carreira. A primeira aconteceu em 1986, quando foi indicada ao prémio de Melhor Atriz Secundária pelo drama “O Beijo da Mulher-Aranha” (1985), de Hector Babenco, que rendeu a William Hurt o Óscar de Melhor Ator.
Três anos depois, em 1989, foi novamente nomeada na mesma categoria pelo seu desempenho na comédia “Luar sobre Parador” (1988), de Paul Mazursky.
Em 1995, Braga recebeu outra nomeação, desta vez como Melhor Atriz Secundária em Minissérie, Antologia ou Filme para Televisão, pelo drama “Amazónia em Chamas” (1994), telefilme produzido pela HBO e realizado por John Frankenheimer.
Daniel Benzali, ator brasileiro radicado nos Estados Unidos, destacou-se em 1996 ao ser nomeado na categoria de Melhor Ator em Série de Drama pelo seu trabalho na série “Murder One” (1995-1997).
Antes da histórica vitória de Torres, a sua mãe, Fernanda Montenegro, já havia representado o Brasil na premiação. Em 1999, Montenegro foi indicada ao Globos de Ouro de Melhor Atriz pelo seu aclamado papel no road movie dramático “Central do Brasil” (1998), realizado por Walter Salles.
Outro nome de destaque é Wagner Moura, que conquistou uma indicação em 2016 na categoria de Melhor Ator em Série de Drama pela sua interpretação de Pablo Escobar na série “Narcos” (2015-2017).
E se Torres ganhar o Óscar…
A vitória de Torres não passou despercebida, nem pelos cinéfilos nem pelos cariocas. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, partilhou o seu entusiasmo nas redes sociais e fez uma promessa ousada: se a atriz conquistar também o Óscar, no dia 2 de março, o bairro de Copacabana, na Zona Sul, será fechado.
Torres, que é natural do Rio, já tem o apoio popular para levar a ideia adiante. Nas redes sociais, muitos sugeriram uma homenagem à atriz com um desfile ao ar livre, com direito a caminhão dos bombeiros e papel picado.
Bolsonaro ironiza a vitória de Torres
A vitória de Torres não foi celebrada por todos. O ex-presidente Jair Bolsonaro, em tom crítico, fez uma indirecta nas redes sociais após a atriz se tornar a primeira brasileira a conquistar o Globo de Ouro. Sem mencionar directamente a atriz ou o filme de Walter Salles, Bolsonaro aproveitou para criticar o governo Lula, sugerindo que os recursos da Lei Rouanet estão a ser priorizados em detrimento dos investimentos em infra-estrutura.
No X, o ex-presidente repostou um vídeo de dezembro do ano passado, em que um homem criticava a “indústria das balsas” em Goiânia, e fez um comentário sobre a Rouanet: “O investimento em infra-estrutura é rejeitado pela gestão Lula, que nunca foi cobrado por governos anteriores. E a Rouanet?”, escreveu.
Nos comentários, apoiantes de Bolsonaro reforçaram a crítica à lei de incentivo fiscal para a cultura, enquanto outros usaram imagens de Torres com o seu Globo de Ouro como provocação.
Apesar das críticas de Bolsonaro, “Ainda Estou Aqui” não obteve recursos da Lei Rouanet. O filme de Walter Salles não era elegível para captar verbas dessa lei, uma vez que, desde 2007, a Rouanet não permite o financiamento de longas-metragens de ficção.
A alteração na legislação restringiu os recursos a “obras cinematográficas de curta e média metragem, além de filmes documentais”, o que exclui o longa de 2h19m de duração, estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello.
O filme, que gerou controvérsia por abordar abusos da ditadura militar, como o sequestro e assassinato de civis, também foi alvo de críticas do deputado federal Mário Frias (PL-SP), conhecido por negar as torturas daquele período, que se manifestou contra o filme e a conquista de Torres.
A ligação de Lula
O presidente Lula, por sua vez, fez uma ligação para Fernanda Torres algumas horas após a sua vitória no Globo de Ouro, para parabenizá-la pessoalmente. A conversa, que foi breve, abordou temas como arte, democracia e a importância do prémio conquistado pela atriz.
A chamada foi gravada e partilhada nas redes sociais na noite de segunda-feira (06). Lula expressou a sua emoção pela conquista de Fernanda e destacou que a data do prémio coincidiu com a proximidade do aniversário de dois anos da tentativa de golpe de 8 de janeiro.
“Você merece, já merecia há muito tempo. Fico pensando em como sua mãe [Fernanda Montenegro] deve estar orgulhosa. Que felicidade para o Brasil, para você, para o [director] Walter Salles e para o filme. E é ainda mais especial, pois acontece dois dias antes de realizarmos um acto em defesa da democracia”, disse o presidente.
“É tão especial receber este prémio agora, num momento como este. É um reconhecimento muito bonito para a cultura e para a arte, que tanto foram atacadas. E, por acontecer durante a sua presidência, tem um significado ainda maior”, disse a atriz.
“Em nome da Eunice Paiva, uma defensora dos direitos humanos, isso tem um simbolismo muito forte”, concluiu Fernanda.