O cineasta britânico Mike Leigh regressa ao filme de época com “Mr.Turner”, depois de “Vera Drake” (2004), para retratar os últimos anos de vida de um dos mais importantes e radicais artistas ingleses, o pintor inglês Joseph Mallord William Turner.
Apesar das cerca de duas horas e meia de filme, este flui de forma bastante agradável. O realizador conseguiu, num estilo biopic diferente do habitual, atribuir a este filme um tom bastante semelhante ao das tonalidades dos quadros de Joseph Turner, pelo que a fotografia é encantadora. Sendo este um filme sobre um pintor, que sempre deu grande importância à luz e à cor e que sempre a estudou e explorou, a fotografia deste filme tinha que ser pensada da mesma forma, partindo desse principio.
O filme acompanha uma fase da vida de Turner quando este perde o seu pai, pelo que Turner ficou profundamente afetado, estabelecendo mais tarde uma relação com uma proprietária de uma pensão, com quem acaba por ir viver incógnito em Chelsea.
A morte do pai foi bastante dura para ele, assim como a relação ausente que tinha com a mãe, que sempre o marcou. Compreende-se portanto, os problemas emocionais de que Turner sofria, em especial com as mulheres. Isso reflectia-se, evidentemente, nas suas pinturas. Entre viagens, pintar, socializar com aristocratas e outros pintores e a sua vida sexual, percebe-se que a vida de Turner foi bastante dura. Apesar de desprezado e incompreendido por muitos na época, Turner manteve-se fiel ao que sempre foi, aceitando de certa forma a evolução da sociedade e as transformações tecnologicas e culturais, como a fotografia, por exemplo. É nesta altura que o artista deixa de lado a forma, diluindo os contornos, passando a usar técnicas quase abstractas. Continuou a pintar temas marítimos e a natureza, mas de forma mais obscura e assustadora.
“O Sol é Deus”, foram as últimas palavras de Turner. Esse elemento, o Sol, que produz luz, está sempre presente em todo o filme. Tal como o pintor, atento ao pormenor, também o realizador o é, sendo este filme rico em pormenores. Este filme é importante para entendermos o quão preocupado Turner era com os efeitos da luz sobre a paisagem, com a composição e com as cores.
Com um visual belo, um argumento arrojado, com um toque de humor, mas com um lado trágico, e com uma interpretação soberba de Timothy Spall. O ator consegue de forma assombrosa passar essa personalidade do pintor. O Turner de Timothy Spall possui uns tiques que nos ajudam a compreender melhor o homem e a sua obra. Possui por vezes comportamentos animalescos, entre grunhidos como um porco ou um animal selvagem, mas com um sentimento de paixão profundo pela natureza. São grunhidos de um artista vanguardista, com uma visão criativa, única e, por isso, muito à frente do seu tempo. A interpretação deste ator é talvez um dos momentos mais altos da sua carreira, tendo por isso sido reconhecido com o prémio de Melhor Ator, no Festival de Cannes e mais recentemente pela Academia Europeia de Cinema.
Neste filme realista conhecemos um pouco melhor o homem solitário que foi, o seu método de trabalho, o seu modo de vida e a sua obra. Mais do que tentar contar-nos a vida deste homem, de um artista, o filme ajuda-nos a compreender melhor a origem, o propósito, das suas pinturas, o que estas representam.
É sem dúvida um dos melhores filmes do ano, uma agradável e rica experiência cinematográfica sobre um artista irreverente que deixou um legado enorme. É assim um filme feito à imagem de J.M.W.Turner.
Realização: Mike Leigh
Argumento: Mike Leigh
Elenco: Timothy Spall, Dorothy Atkinson, Karl Johnson, Marion Bailey, Paul Jesson, Ruth Sheen, Sandy Foster
Reino Unido/2014 – Biografia
Sinopse: Profundamente afetado pela morte do pai, amado por uma governanta que ele praticamente ignora e ocasionalmente explora sexualmente, Turner estabelece uma estreita relação com uma proprietária de uma pensão à beira-mar com quem vive incógnito em Chelsea, onde acaba por falecer. Ao longo destes anos, ele viaja, pinta, frequenta a aristocracia, visita bordéis, torna-se um artista estimado embora um pouco indisciplinado da Royal Academy of Arts, prende-se ao mastro de um navio para poder pintar uma tempestade, e é ao mesmo tempo reconhecido e desprezado pelo público e pela realeza.