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«O Caso de Richard Jewell» – Acontecimentos de ontem, problemas de hoje

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Mais um ano, mais um filme realizado por Clint Eastwood que chega aos cinemas nacionais. Tem sido assim nos últimos anos e 2020 não foi excepção. O realizador, próximo de completar 90 anos, apresenta-se numa das suas fases mais férteis da carreira em termos de quantidade de filmes (já que a qualidade nem sempre é consensual). Um caso raro no cinema mundial, a par do contemporâneo Jean-Luc Godard e do também lendário Manoel de Oliveira, que Eastwood já contou ser um dos exemplos que segue.

Depois do bem conseguido “Correio de Droga”, “O Caso de Richard Jewell” centra-se nos eventos ocorridos durante e após o atentado de Atlanta durante os Jogos Olímpicos de 1996. No Centennial Park, onde se deu o rebentamento da bomba, encontrava-se Richard Jewell (Paul Walter Hauser) como segurança do evento. Jewell alertou as autoridades para a presença do explosivo e ajudou a salvar centenas de vidas, ainda que o atentado tenha acabado por ferir mais de 100 pessoas e causado a morte a duas.

Tendo sido fulcral na contenção de potenciais danos, Richard Jewell vê-se considerado um herói pela imprensa, vendo cumprir-se o seu maior sonho: o de ser respeitado como força de segurança. Contudo, este estado de graça pouco dura após a jornalista Kathy Scruggs (Olivia Wilde) passar para o público a notícia de que Richard Jewell é alvo de investigação por parte do FBI de ter encenado o atentado, informação que conseguiu arrancar do agente Shaw (Jon Hamm). Após passar de herói a vilão, e ao ver-se envolto numa polémica com potenciais prejuízos para a sua imagem, Jewell serve-se da ajuda do seu advogado e amigo de longa data Watson Bryant (Sam Rockwell) e do apoio emocional da sua mãe (Kathy Bates) para se defender das acusações.

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Apesar da personalidade inofensiva de Jewell, o espectador normal pode hesitar num momento ou outro em relação às suas verdadeiras intenções. O segurança revela-se um protagonista com mais falhas que os tradicionais protagonistas mauzões dos filmes de Eastwood. Mas, qualquer que seja o grau de simpatia (ou antipatia) para com o protagonista do filme, há algo que o realizador americano procura enfatizar, que aquilo que se vê no ecrã, aconteceu mesmo a Richard Jewell. As pressões da imprensa e das forças de investigação causaram grandes contratempos a Jewell e à sua mãe e a sua inocência muitas vezes usada como um meio para um fim. Há temáticas mais gerais que se debatem em “Richard Jewell” e na filmografia mais recente de Eastwood que são problemas mais actuais que nunca: o terrorismo, a influência dos media, a invasão de privacidade, a presença de armas, a necessidade de arranjar heróis, mas a ainda maior de encontrar um vilão. Com pouco esforço imaginativo esta história poderia ser idealizada para 2020, talvez daí surja a relevância em contá-la agora.

No que toca a prestações individuais, Paul Walter Hauser tem a sua chance para brilhar num papel de protagonista e consegue fazê-lo de forma ilustre, fazendo lembrar em grande parte a sua personagem de “Eu, Tonya”. Enquanto que Sam Rockwell e Kathy Bates continuam a fazer o público lembrar-se do quão bons são, de Olivia Wilde e Jon Hamm é um pouco mais difícil dizer o mesmo. A primeira pode queixar-se de como a sua personagem foi retratada no grande ecrã, o segundo parece ainda não ter conseguido despedir-se de Donald Draper.

Eastwood é por vezes acusado de ser demasiado simplista nos seus filmes, de traçar bem a linha entre o bem e o mal, de só mostrar o preto e o branco e fugir às zonas cinzentas. Mas talvez a sua arte seja essa, a de usar a sua visão menos relativista para fazer chegar uma mensagem clara. Adaptando a frase célebre de José Saramago: Eastwood não é simplista, o mundo é que é simples.

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